A 3ª seção do STJ começou a julgar a possibilidade de revisão da Súmula 231 para fixar se é possível a pena abaixo do mínimo legal, tendo em vista que o artigo 65 do Código Penal traz um rol de circunstâncias que atenuam a pena.
O relator, ministro Rogerio Schietti, propôs ao colegiado que seja, sim, possível que a atenuante reduza a pena abaixo do mínimo legal. Com essa decisão, o ministro sugere a revogação da Súmula e a modulação dos efeitos para que a mudança de orientação não implique a modificação de casos transitados em julgado e não autorize a revisão de processos findos.
No voto, Schietti analisou que a desigualdade de tratamento de quem viola a lei penal apenas em razão da espécie de crime perpetrado e não pela sua motivação. Exemplificou quando o delito é praticado por motivo de relevante valor social ou moral. "No homicídio e na lesão corporal, trata-se de causa de diminuição de pena. Nos demais delitos, atenuante."
"Aplicado em entendimentos simulados, significa dizer que o motivo de relevante valor moral social justifica a fixação de pena abaixo do mínimo legal no homicídio e na lesão corporal, que são crimes mais graves, mas não justifica nos demais crimes, como por exemplo um simples furto."
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Pena mínima – O que é?
Para o ministro, não há como tratar do tema em debate sem realizar uma abreviada análise hermenêutica acerca da expressão pena mínima, "que a rigor nada mais é do que o ponto de partida para o início da tarefa de cominação da pena, e não um limite intransponível definido a priori pelo legislador, que conduziria a antidemocrática automação do processo dosimétrico e a nulificação da individualização penal".
Com efeito, segundo o ministro, o patamar mínimo é um indicativo daquilo que o legislador considere suficiente para que o tipo penal atinja um mínimo de intimidação, enquanto a pena máxima representaria o limite do que possa se mostrar suficiente para reprimir.
"No que concerne o argumento relacionado ao risco de pena zero, que adviriam do cancelamento do verbete em apreço, cumpre e registrar que a despeito de o Código Penal não estabelecer o quantitativo de redução da pena a ser aplicado em razão das atenuantes, a jurisprudência deste STJ é firme em assinalar que a fração de 1/6 mostra-se razoável e proporcional. Além disso, o uso de grau distinto exige fundamentação concreta e idônea."
Schietti sublinhou que atenuar a sanção não significa extirpar a pena, e sim minorá-la, torná-la mais branda. "Não se admite, portanto, que uma atenuante possa levar à supressão da pena ou uma reprimenda irrisória", completou.
"Assim, uma contificação que torne a pena inexpressiva ou inexistente, de modo a equiparar a atenuante com uma causa de redução ou de exerção de pena, respectivamente, está em franca contradição com a interpretação teleológica da norma. A partir desse pressuposto, ainda que haja a fundamentação idônea para o uso de fração superior a 1/6, o limite máximo de redução deve ser fixado em 2/3, em analogia ao maior quantum de diminuição de pena previsto no Código Penal, com fundamento em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico."
Isso porque, explicou, as minorantes corporificam hipóteses de redução mais acentuada da censurabilidade da conduta do que as atenuantes, de modo que atribuir a elas um poder arrefecedor superior ou equivalente a uma causa de diminuição de pena lesionaria a harmonia interna do sistema penal.
"Tampouco prospera o argumento segundo o qual, mesmo a partir do referencial de 1/6, seria possível alcançar apenas zero se presente seis circunstâncias atenuantes, diante da legada possibilidade de redução da pena em 6/6. Em verdade, na remota hipótese do concurso de seis ou mais atenuantes, o cálculo deve seguir o critério sucessivo e não o cúmulo material, como já ocorre, inclusive, na aplicação das minorantes."
Sob outra angulação, o ministro destacou que o Direito Penal hodierno se vê premido por novas categorias. "Notadamente, pelas sanções premiais nos acordos de colaboração premiada e acordos de não-persecução penal, mercê dos quais se permite, entre outros benefícios legais, a redução da sanção em até 2/3, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, o perdão judicial e até mesmo a não-deflagração da persecução penal, quando indiciado ou acusado confessar a prática delitiva."
Superpopulação carcerária
Para o ministro, é inegável que a Sumula 231 do STJ, ao robustecer a quantidade de pena aplicada aos casos concretos, contribui para a superpopulação carcerária e para a manutenção do estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário.
"Com sanções mais altas, eleva-se, além do tempo de permanência na prisão, a base de cálculo para a obtenção de direitos executórios e possibilita-se o agravamento do regime inicial de cumprimento da reprimenda de modo a aumentar o quantitativo de pessoas encarceradas."
Em conclusão, Schietti apontou que inexistem argumentos dogmaticamente válidos que legitime a manutenção da vigência do enunciado sumulado, que não mais corresponde aos padrões de congruência social e consistência sistêmica no ordenamento jurídico.
Modulação dos efeitos
"Não há como, todavia, desconstituir a decisão judicial que, em seu tempo, deu ao artigo 65 do Código Penal a única interpretação que reinava mansamente na jurisprudência nacional", considerou o relator.
Em nome da segurança jurídica, da estabilidade das decisões judiciais e da coisa julgada, Schietti concluiu não ser possível aplicar a processos já finos e longínquos no tempo, uma compreensão do Direito que somente agora a Corte compreende como mais acertada.
"Assim, esta mudança de orientação não implicará a modificação de casos transitados em julgado e não autorizará a revisão de processos findos", destacou. "É oportuno registrar ademais que compete ao órgão jurisdicional onde tramita o processo a adoção de ofício ou mediante provocação da parte interessada do entendimento ora firmado."
"Portanto, caberá a este Tribunal Superior aplicar o novo entendimento tão somente aos processos em que há recurso especial ou em seus respectivos embargos ou agravos, pendente de julgamento nessa Corte. O que significa que não caberá supressão de instância para trazer a esta Corte matéria que ainda está sob o escrutínio de tribunais estaduais ou regionais federais."
Assim, propôs a revogação formal da Súmula 231 do STJ, pelos meios regimentais próprios, observada a modulação de efeitos indicada no voto.
Após o voto do relator, o ministro Messod Azulay pediu vista.
- Processos: REsp 1.869.764, REsp 2.052.085 e REsp 2.057.181