Após a intervenção da Defensoria Pública do Estado do Ceará, o Judiciário reconheceu a existência de vínculo socioafetivo entre Ângelo Ravel e seu padrasto, o agricultor José Adilton. Com essa decisão, Ângelo transcende a condição de simples enteado, adotando o sobrenome Moraes do padrasto e obtendo os mesmos direitos de um herdeiro biológico, em um reflexo jurídico do que o afeto já estabelecia. Seu registro de nascimento agora incluirá o nome de dois pais: seu pai biológico, com quem perdeu contato, e seu pai afetivo, com quem convive há sete anos.
Desde 2017, Adilton é parceiro de Teresa Cristina Nunes de Sousa, mãe de Ângelo, e entrou na vida do menino quando este tinha apenas quatro anos. Adilton expressa sua alegria pela conquista: "Eu também ser reconhecido como pai dele era uma coisa que ninguém acreditava que podia acontecer. Mas aconteceu. E eu tô muito feliz", comemora. Ele acrescenta: "O coração fica mais tranquilo. Agora é dar entrada no novo documento".
Ele recorda que a iniciativa para essa mudança veio do próprio Ângelo, cuja história ganhou notoriedade quando, aos oito anos, enviou uma carta a uma emissora de rádio, dirigida a uma juíza de Quixeramobim, expressando seu desejo de adotar o sobrenome do padrasto. "Sempre foi meu sonho ter o sobrenome dele no meu documento porque pai é o que cria. E ele é meu pai. Então, isso estar acontecendo é uma alegria grande. Eu tô me sentindo feliz. Muito feliz", declara o jovem com entusiasmo.
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Buscas pelo pai biológico
Após ganhar o mundo pelas ondas de rádio, a história foi parar nos balcões da Defensoria, que presta assistência jurídica à família desde o início do processo, em junho de 2021. Foram, portanto, dois anos e oito meses de espera entre o começo da ação judicial e a sentença do juiz, proferida no fim de fevereiro e agora disponibilizada, autorizando a inclusão do sobrenome de Adilson na certidão de Ângelo.
“A paternidade socioafetiva é um tema novo, que ainda não tem legislação específica determinando qual o rito a ser seguido. Para se resguardar, o juiz determinou que, antes de proferir a sentença, o pai biológico do Ângelo fosse procurado. E isso demandou tempo, porque ele não foi localizado nas primeiras diligências. Eu mesmo pedi acesso a vários sistemas e fiz buscas, até que o encontramos depois de alguns meses e ele passou a ter ciência da situação”, revela o defensor Jefferson Leite, que atuou no caso.
A tese da DP/CE, de Adilton e Ângelo terem há anos uma relação socioafetiva de pai e filho, relatada por diversas pessoas ouvidas no processo, foi também reforçada em parecer favorável do MP/CE ao reconhecimento do vínculo paternal. A Justiça ainda pediu que o vínculo fosse endossado por um laudo elaborado por uma assistente social da Prefeitura de Quixeramobim, que visitou a família, conversou com as partes e entrevistou testemunhas.
“A inclusão do sobrenome do Adilton caracteriza a paternidade. Ele passa a ser pai do garoto, que terá legalmente duas filiações paternas. Lá na frente, quando for maior de idade, o próprio Ângelo vai decidir se quer manter assim ou se vai retirar o pai biológico. Neste momento, a opção foi solicitar apenas a inclusão do sobrenome do Adilton, sem retirar o sobrenome do pai biológico, porque o Ângelo é apenas uma criança. É importante ter cautela. Segundo a legislação, ele é uma pessoa em desenvolvimento e retirar o sobrenome do pai biológico significaria abrir mão de direitos sucessórios [herança], por exemplo. Então, agora, a decisão mais segura e racional, considerando os interesses da criança, é manter a dupla vinculação”, acrescenta o defensor Jefferson Leite.
Sentença e felicidade
Na decisão favorável a Adilton e Ângelo, o juiz de Direito Rogaciano Bezerra Leite Neto, da 2ª vara de Quixeramobim, reforça a importância de garantir o melhor interesse do menino, e cita o reconhecimento da paternidade como necessário, pois é o agricultor quem atualmente garante ao garoto apoio material e moral, “essenciais para o seu pleno e sadio desenvolvimento.”
O magistrado afirma: “verifico que há uma relação íntima de afeto construída ao longo de considerável tempo de convivência familiar, na qual o Sr. José Adilton exerce, de fato, a figura paterna, prestando assistência material e afetiva à criança como se seu filho. Além do afeto, há o desejo de ambos – José Adilton e Ângelo – de ver reconhecida a paternidade socioafetiva, a fim de formalizar a situação já vivenciada no seio familiar.”
A mãe do garoto também celebra a conquista da família, composta ainda pelo caçula Moraes Neto, filho de Teresa com Adilton. “Eu ainda nem acredito que deu certo! Nunca pensei que existisse essa maneira de resolver [tendo dois pais na certidão]. Quando o Ângelo me pedia pra ter o sobrenome do Adilton, eu dizia que quando ele fosse maior de idade a gente iria atrás disso. Então, fiquei feliz demais com o resultado! Ele conseguiu realizar um sonho”, afirma Teresa Cristina.
Com a decisão judicial favorável e já averbada em cartório de registro civil de Quixeramobim, uma nova certidão de nascimento será emitida. Nela, o menino terá os dois pais. E tão importante quanto: será, enfim, Ângelo Ravel Nunes de Sousa Moraes.
Informações: DP/CE.