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Tim Maia: Marca e Direito de Autor

Por mais renomada que se torne uma canção, apenas aquilo que é realmente munido de originalidade merece ser protegido por direitos de exclusividade no ambiente estético.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Atualizado em 3 de janeiro de 2025 11:51

Introdução

No final de 2024, um segundo caso versando sobre o Espólio de Tim Maia (doravante ESPÓLIO) no contexto dos Direitos Intelectuais foi dirimido. Diferentemente de outro famoso processo (ajuizado pela mesma parte1, discutindo a titularidade de Direitos de Autor, estampas e moda no qual foi reconhecido o acerto da pretensão do músico renomado), dessa vez, o Superior Tribunal de Justiça2 compreendeu não haver razão aos pleitos autorais.

Em síntese, o ESPÓLIO moveu pretensão contra uma sociedade empresária sediada em Cotia/SP (terra em que não há mar), por usar como título de estabelecimento a expressão DO LEME AO PONTAL como forma de identificação de um BAR. O cerne da questão foi delineado pelo ministro relator como sendo uma discussão "apenas e tão somente" sobre a "utilização do título da obra musical" pelo titular do BAR. 

O grupo econômico controlado pelo espólio se tornou titular de marcas, mas isso não interferiu no julgamento

Quando a demanda foi inaugurada em 2016, o ESPÓLIO não era, sequer, depositante de pedidos de marca. Tal situação se alterou no curso da demanda, pois em janeiro de 2017 houve o depósito de três pedidos de marcas mistas (por parte de uma sociedade denominada Vitória Régia Discos LTDA, provavelmente controlada pelo ESPÓLIO ou seus sucessores). Tais marcas restaram registradas ao final de 2018 para proteger o titular nos ramos do entretenimento/edições musicais, comércio de vestuário e outros bens e vestuário em si.

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Note-se que além de não ter havido o uso do signo misto, tampouco depositado ou registrado, o titular do BAR jamais empenhou tais elementos nominativos em uma classe em que se obteve ou se buscou registro em favor do ESPÓLIO/grupo econômico. Ou seja, sequer seria o caso da invocação do art. 130, III, da LPI, já que a legítima expectativa de direito do ESPÓLIO não alcança uma tutela possessória extraclasse.

Ser titular de marcas não importa em monopólio da língua portuguesa (art. 13 da CRFB). 

A contenda e o direito de autor

Dois foram os fundamentos3 utilizados no acórdão para negar a pretensão do ESPÓLIO: (a) o título da obra musical não seria tutelável isoladamente e (b) o respectivo título identifica zona geográfica do Rio de Janeiro.

O segundo fundamento (b) é interessante. Como a Constituição enuncia, são bens da União (art. 20, IV da CRFB) as praias marítimas, como sói ser o caso da linha beira-mar de cerca de quarenta quilômetros que segrega o Leme (Zona Sul) ao Pontal (Zona Oeste) do Rio de Janeiro. Se os locais são bens públicos, há uma consequência intuitiva: suas designações tampouco podem ser privatizadas. Com razão o entendimento prevalente no acórdão.

O primeiro (a) fundamento, entretanto, é apenas parcialmente correto. De fato, a obra autoral deve ser apreciada de maneira holística: é uma tutela de forma que incide sobre o conjunto criativo da expressão4. Títulos de obra, sem dúvidas, fazem parte do conjunto estético - podendo ser mais ou menos originais5 (tal como o restante da obra). Quando realmente um título da obra é original, em tese, é possível se falar de sua tutela6. Assim, foi menos cuidadoso o acórdão ao afirmar que um título, isoladamente, não poderia ser protegido.

Se a ratio decidendi (enunciada teoricamente, como suprassunção7) não foi tão precisa, a aplicabilidade do que foi escrito no caso concreto (como subsunção) é acertada. De fato, o título específico da canção não era dos mais originais, tendo o ato de liberdade de iniciativa do titular do BAR sido conforme à legalidade constitucional. A livre iniciativa deve ser exaltada em atividades lícitas, em particular contra teorias absolutistas e anticapitalistas como a do aproveitamento parasitário sem concorrência8.

Conclusões

Além de correta, a decisão do STJ manteve seus critérios anteriores (coerência e stare decisis) de ter interpretado como lícita: (a) a eleição da marca YAHOO como signo para vender balas9; (b) a atitude de uma sociedade que atuava no ramo de boate/danceteria de fazer uso de da expressão MOET CHANDON10 ou (c) a escolha de um titular de empreendimento imobiliário que empenhou o signo VOGUE, em detrimento do gosto da sociedade que comercializa as famosas revistas11. Ou seja, fora do ramo de disputa de clientela, in dubio, deve se prestigiar a livre iniciativa.

Por fim, por mais renomada que se torne uma canção, apenas aquilo que é realmente munido de originalidade merece ser protegido por direitos de exclusividade no ambiente estético.

__________

1 Escrevi sobre este caso o artigo "Tim Maia, moda e referências", disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/418501/tim-maia-moda-e-referencias

2 STJ, 3ª Turma, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, REsp 2.152.321/SP, J. 03.10.2024.

3 "Assim, observa-se que os títulos das obras intelectuais, dentre as quais se incluem as músicas, não constituem direito autônomo. Tomado isoladamente, o título não é objeto de proteção como direitos autorais, haja vista que a garantia assegurada pelo ordenamento jurídico se dá sobre a integralidade da obra intelectual, isto é, quando considerada em seu conjunto. É forçoso concluir que o título sobre o qual ora se discute não corresponde a uma verdadeira criação intelectual autônoma, por mais que possa remeter à obra musical dos recorrentes. Antes, a expressão "do Leme ao Pontal" se refere à região geográfica que contempla a faixa litorânea do município do Rio de Janeiro/RJ, que, a toda evidência, não foi descoberta nem inventada pelo autor originário da canção." Voto do Relator Min. Bôas Cueva.

4 BARBOSA, Denis Borges. Questões Fundamentais de Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 213.

5 Permita-se remissão ao BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Originalidade em Crise. Belo Horizonte: RBDCIVIL, v. 15, n. 01, jan-mar 2018. Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/204/195

6 "Não há ofensa ou usurpação e título se as obras a que se apuseram são de espécies ou caracteres tão diferentes que nenhuma confusão pode resultar da pluralidade de emprêgo. Não há título protegível se é tão genérico ou tão usado que nenhuma função pode ter de identificação. O título não é bem em si, nem pertença da obra; é parte integrante dela: a ofensa a êle é ofensa à obra mesma; quem o usurpa ofende o direito autoral de personalidade, o direito autoral de exploração e, se houve atribuição a outrem do direito autoral de nominação, a êsse direito." PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo XVI. 4ª Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 17. Em sentido símile vide FERREIRA, Waldemar Martins. Tratado de Direito Comercial. V.7º, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 185.

7 GRAU, Eros Roberto. Direito Penal - Sob a Prestação Jurisdicional. Curitiba: Malheiros, 2010, p. 11.

8 Permita-se remissão ao BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Curso de Concorrência Desleal. 2ª Edição, Rio de Janeiro: 2024, p. 307 e seguintes.

9 STJ, 3ª Turma, Min. Fa'tima Nancy Andrighi, REsp 1.232.658, DJ 25.10.2012.

10 STJ, 4ª Turma, Min. La'zaro Guimara~es, REsp 1209919/SC, DJ 19.03.2018.

11 STJ, 3ª Turma, Min. Marco Aure'lio Bellizze, REsp 1.874.635, J. 09.08.2023.

Pedro Marcos Nunes Barbosa

Pedro Marcos Nunes Barbosa

Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados. Cursou seu Estágio Pós-Doutoral junto ao Departamento de Direito Civil da USP. Doutor em Direito Comercial pela USP, Mestre em Direito Civil pela UERJ e Especialista em Propriedade Intelectual pela PUC-Rio.

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