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Moraes pede vista em entrega de dados do Google sobre Marielle

Antes, a relatora Rosa Weber votou contra o acesso do MP/RJ aos dados das pesquisas.

28/9/2023

Ministro Alexandre de Moraes, do STF, pediu vista em julgamento virtual que analisava se é possível, em procedimentos penais, a decretação judicial da quebra de sigilo de dados telemáticos de um conjunto não identificado de pessoas. O tema é debatido no RE 1.301.250, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.148).

Antes dele, votou a relatora Rosa Weber, contra o acesso do MP/RJ a dados sobre pesquisas na internet relacionadas à vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018.

O recurso foi interposto pelo Google contra decisão do STJ que restabeleceu a decretação, pela primeira instância, no curso de investigação criminal, da quebra de sigilo de um grupo indeterminado de pessoas que fizeram pesquisas relacionadas à vereadora Marielle Franco e a sua agenda nos quatro dias anteriores ao atentado em que ela e o motorista Anderson Gomes foram assassinados, em 14/3/18.

A decisão determina a identificação dos IPs (protocolos de acesso à internet) ou "Device Ids" (identificação do aparelho) que tenham acessado o mecanismo de busca entre 10/3 e 14/3/18 utilizando parâmetros de pesquisa como ''Marielle Franco; "vereadora Marielle"; "agenda vereadora Marielle; "Casa das Pretas"; "Rua dos Inválidos, 122" ou "Rua dos Inválidos".

Vista de Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento.(Imagem: Carlos Moura/SCO/STF)

Sigilo de dados

De acordo com o STJ, a ordem judicial está devidamente fundamentada e direciona-se à obtenção de dados estáticos (registros) relacionados à identificação de aparelhos utilizados por pessoas que, de alguma forma, possam ter algum ponto em comum com os fatos objeto de investigação pelos crimes de homicídio.

Segundo a decisão, não há necessidade de que, na quebra do sigilo de dados armazenados, a autoridade judiciária indique previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo da medida, na maioria dos casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado.

Para o STJ, a medida não é desproporcional, pois a ordem judicial delimita os parâmetros de pesquisa em determinada região e período de tempo. Além disso, apontou que a restrição a direitos fundamentais que tem como finalidade a apuração de crimes dolosos contra a vida, de repercussão internacional, não representa risco para pessoas eventualmente afetadas, na medida em que, se não constatada sua conexão com o fato investigado, as informações serão descartadas.

Privacidade

No recurso apresentado ao STF, o Google afirma que a realização de varreduras generalizadas em históricos de pesquisa de usuários e o fornecimento de listas temáticas dos que pesquisaram certa informação representam uma intrusão inconstitucional no direito à privacidade sem relação com o crime investigado. Argumenta, ainda, que os dados gerados por pesquisas em páginas na internet, especialmente num mundo cada vez mais digital, estão protegidos tanto pela cláusula geral de proteção da intimidade (artigo 5º, inciso X da CF) quanto pela norma específica de sigilo de dados (artigo 5º, XII).

A empresa alega que a decisão atinge pessoas inocentes, pois os termos indicados são comuns, envolvem pessoa pública e têm lapso temporal longo (96 horas), o que aumentaria a possibilidade de lesão de direitos. Aponta, ainda, que a decisão seria genérica, podendo ser inserida em decretação de quebra de sigilo sobre qualquer tema.

Outros pontos destacados são o potencial multiplicador da controvérsia em inúmeros inquéritos policiais, procedimentos investigatórios criminais e ações penais e a relevância constitucional da proteção de dados pessoais num momento de crescente informatização e inovações tecnológicas.

Proteção de dados

Ministra Rosa, relatora, votou por dar provimento ao RE, para conceder a ordem mandamental e, em consequência, cassar o item 5 da decisão proferida pelo juízo de Direito da 4ª vara Criminal do RJ, facultando que outra seja proferida, desde que observados os limites formais e materiais dos direitos fundamentais à privacidade, à proteção de dados pessoais e ao devido processo legal.

A presidente do STF propôs a fixação da seguinte tese:

“À luz dos direitos fundamentais à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao devido processo legal, o art. 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) não ampara ordem judicial genérica e não individualizada de fornecimento dos registros de conexão e de acesso dos usuários que, em lapso temporal demarcado, tenham pesquisado vocábulos ou expressões específicas em provedores de aplicação.”

Segundo S. Exa., inexiste dispositivo legal com suficiente densidade normativa para legitimar emprego de medida tão ampla que determinou o fornecimento de significativos dados pessoais de incontáveis usuários que realizaram pesquisas de termos específicos em provedores de aplicação.

“Acresço, como mero reforço, presente, ainda, a desproporcionalidade da medida adotada, o que pode ser verifica da própria delimitação temporal estabelecida. Os delitos objeto de investigação foram cometidos, segunda a própria decisão do Juízo de primeiro grau, por volta das 21h do dia 14 de março de 2018. O pedido da autoridade policial, acolhido pelo Juízo competente, foi de encaminhamento dos endereços de IP e dos Devices ID’s de todos que pesquisaram, no Google Search, o nome da Vereadora Marielle Franco, inclusive, ainda que por curto lapso, após o seu homicídio. Natural, dada a repercussão na impressa nacional e internacional dos homicídios qualificados da Vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes, que pessoas dos mais diversos matizes político-ideológicos tenham realizado, após o delito, pesquisas a respeito da figura pública em questão.”

Ou seja, de acordo com Rosa Weber, um número gigantesco de usuários não envolvidos em quaisquer atividades ilícitas, nos termos da decisão objurgada, teria seus sigilos afastados, “a demonstrar indevida devassa e a sua absoluta desproporcionalidade em razão do excesso da medida”.

Leia a íntegra do voto da relatora.

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