Na sessão desta quinta-feira, 21, STF formou maioria contrária à tese do marco temporal das terras indígenas.
Votaram contra o marco temporal nove ministros - Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Os ministros Nunes Marques e André Mendonça posicionaram-se a favor do marco temporal, argumentando que, sua ausência provoca insegurança jurídica.
O que está em debate?
Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Ela se contrapõe à teoria que considera que o direito desses povos sobre as terras tradicionalmente ocupadas é anterior à criação do Estado brasileiro, cabendo a este apenas demarcar e declarar os limites territoriais.
O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela Procuradoria do Estado.
Julgamento
Primeiro a se manifestar no caso, ainda em 2021, ministro relator, Edson Fachin votou contra o marco temporal. Para S. Exa., a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas não depende de um marco, da configuração do esbulho renitente com conflito físico ou de controvérsia judicial persistente na data da promulgação da Constituição. De acordo com o ministro, os direitos territoriais originários dos índios são reconhecidos (e não constituídos), "portanto, preexistem à promulgação da Constituição"."
Nesse sentido, propôs a seguinte tese:
"Os direitos territoriais indígenas consistem em direito fundamental dos povos indígenas e se concretizam no direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sob os seguintes pressupostos:
I - a demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;
II - a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional;
III - a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988, porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal;
IV - a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da configuração do renitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição.
V - o laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é elemento fundamental para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições;
VI - o redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório nos termos nas normas de regência;
VII - as terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;
VIII - as terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;
IX - são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a posse, o domínio ou a ocupação das terras de ocupação tradicional indígena, ou a exploração das riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes, não assistindo ao particular direito à indenização ou ação em face da União pela circunstância da caracterização da área como indígena, ressalvado o direito à indenização das benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé;
X - há compatibilidade entre a ocupação tradicional das terras indígenas e a tutela constitucional ao meio ambiente."
Ministro Alexandre de Moraes votou em sentido similar, entendendo que a adoção do marco temporal pode ignorar direitos fundamentais. Em seu voto-vista, manifestou que deve haver compatibilização entre direitos dos indígenas e daqueles que adquiriram, de boa-fé, a terra, os quais, devem ser indenizados.
S.Exa, seguiu o relator, mas propôs alterações pontuais nas teses, quais sejam:
"III - a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988, ou da configuração do remitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente a data da promulgação da Constituição.
IV - Inexistindo a presença do marco temporal (CF/88) ou de remitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente a data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada, que tem a ver por objeto a posse, o domínio ou a ocupação de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, ou exploração das riquezas, dos solos, rios e lagos nela existentes. Assistindo ao particular direito a indenização prévia em face da União, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, tanto em relação a terra nua quanto as benfeitorias necessárias e úteis realizadas."
Por sua vez, ministro Nunes Marques, entendeu que a Constituição de 1988 reconheceu aos indígenas, entre outros pontos, os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas essa proteção constitucional depende do marco temporal.
Para S. Exa. a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial, sendo necessária a comprovação de que a área estava ocupada na data da promulgação da Constituição ou que tenha sido objeto de esbulho, ou seja, que os indígenas tenham sido expulsos em decorrência de conflito pela posse.
Em junho de 2023, ministro André Mendonça pediu vista dos autos e em agosto do corrente ano proferiu voto favorável ao marco temporal.
"Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma construção do presente e do futuro. Entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura do texto, e a intenção do constituinte originário de trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação", afirmou o ministro.
Em seguida, ministro Cristiano Zanin votou contra o marco temporal, seguindo as teses do relator, ministro Fachin, mas propondo novas redações das teses 3,4,5,9,10 e 11. O ministro reconheceu a possibilidade de indenização a particulares que adquiriram terras de boa-fé.
"Em situações complexas, o Estado pode e deve transferir às partes a possibilidade de construção de uma solução pacificadora, que preserva o interesse de todos os envolvidos e traga segurança jurídica necessária para continuidade de atividades, negócios e usufruto dos bens envolvidos no conflito."
Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto, posicionou-se contrariamente ao marco temporal, alinhando-se ao relator e às complementações feitas pelo ministro Cristiano Zanin.
No último dia 20 de setembro, ministro Dias Toffoli proferiu seu voto, propondo 15 teses que remontaram a uma conjugação de diversos pontos aventados pelos demais ministros, com inovações. Ao final, seguiu o ministro relator e também ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin no que tange à possibilidade de indenização de particulares de boa-fé.
Nesta quinta-feira, 21, ao proferirem voto, ministro Luiz Fux e ministras Carmén Lúcia e Rosa Weber, também manifestaram-se contrários à tese do marco temporal, seguindo o entendimento do relator.
Gilmar Mendes votou conforme o relator, e entendeu pela devolução dos autos ao tribunal de origem, para novo julgamento.
Ao final, o julgamento, quanto ao caso concreto, foi pela improcedência dos pedidos da inicial e pelo provimento ao RE, para afastar o marco temporal das terras indígenas. A definição da tese será debatida na próxima quarta-feira, 27.