Migalhas Quentes

Por contrato abusivo, financiadora não ficará com carro após mora

Magistrado considerou que cláusulas estipulavam valores de juros muito superiores à prática do mercado.

23/8/2023

Financiadora de veículo deverá devolver a compradora veículo apreendido em razão da mora da cliente, após juiz declarar abusividade de cláusulas contratuais. A sentença foi prolatada pelo juiz de Direito José Adailton Santos Alves, da 5ª vara Cível de Aracaju/SE, que considerou abusivo o valor dos juros, além da configuração de venda casada pela contratação de financiamento e de seguro. Pela decisão, fica a empresa obrigada a readequar o contrato. 

No caso, a financiadora moveu ação de busca e apreensão para apreender veículo objeto de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária. Ela alegava que a cliente não pagara as parcelas, devendo, até a data do ajuizamento, R$ 14.783,75. Assim, requereu a consolidação da posse e propriedade do bem que já havia sido apreendido por autorização via liminar.

Em contestação, a cliente da financiadora aduziu cláusulas abusivas no contrato, como juros remuneratórios excessivos, acima da média do mercado, capitalização de juros indevida, tarifa de avaliação do bem, tarifa de registro do contrato e seguro prestamista. Requereu a aplicação do CDC ao caso e a revisão do contrato, além da descaracterização da mora, com a repetição em dobro do valor pago. 

Posse e propriedade do carro não foram consolidadas à financiadora, que precisou devolver o veículo à cliente após constatação de abusividade nas cláusulas contratuais.(Imagem: Freepik)

O magistrado entendeu que, no contrato, a taxa de juros cobrada foi de 43,86% ao ano, ou seja, 3,08% ao mês. Assim, ilegal quando comparada à taxa média de mercado, que, consoante o Banco Central, em maio/2020, data da assinatura do contrato, era de 19,46% ao ano, ou 1,49% ao mês.

Na decisão, o juiz também verificou que houve a cobrança de valores relativos a seguro. Segundo o magistrado, além de não ser um encargo autorizado pela resolução 3.919/10 do Banco Central, o contrato foi pactuado de forma casada ao contrato de financiamento. Essa prática, segundo o julgador, é rechaçada pelo art. 39, I do CDC, bem como pelo STJ (tema 972).

Assim, no contrato, a cláusula que estipulou a contratação do seguro, no valor de R$ 1.226,72, foi considerada inválida e foi determinada a restituição dos valores pagos.

O magistrado afastou a mora da ré, porque a alteração das cláusulas abusivas, que devem ser feitas pela financiadora, modificarão o valor total da dívida.

O julgador também autorizou a devolução de eventual valor pago a mais, mas de forma simples, não em dobro conforme pedido pela cliente. Isso porque, segundo o juiz, o atual entendimento do STJ, de que não precisa ser comprovada a má-fé da empresa para a devolução em dobro, fora modulada para cobranças indevidas realizadas após 30/3/21.

"No caso em análise, a cobrança de cláusulas tidas como abusivas decorre de mero erro interpretativo do que se considera como abusividade, haja vista que os próprios tribunais superiores mudam constantemente seu entendimento acerca do que é ou não considerado abusivo, razão pela qual presente o engano justificável do banco e, por isso, deve a empresa requerente proceder com a devolução de FORMA SIMPLES do valor cobrado, se houver."

Por fim, o juiz negou a consolidação da posse e propriedade do veículo à financiadora. 

O escritório Guedes & Ramos Advogados Associados defendeu a cliente. 

Veja a sentença.

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