Por citação irregular via telefone e WhatsApp, STJ decretou nulidade de processo no qual mulher foi destituída do poder familiar. Ministra relatora, Nancy Andrighi, considerou que citação por telefone, e contrafé enviada por aplicativo de mensagem, não poderiam ser convalidadas, já que a citanda é analfabeta e sua identidade não foi previamente confirmada na ligação.
No caso, a mulher foi destituída do poder familiar por sentença proferida pela juíza de Direito Monica Labuto Fragoso Machado, da 3ª vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro/RJ. Em apelação, a ré questionou a nulidade do ato citatório e a destituição do poder familiar, mas o TJ/RJ negou provimento ao recurso. Irresignada, a mulher interpôs recurso especial com os mesmos pedidos suscitados na apelação.
Ligação e WhatsApp
Consoante os autos, durante a pandemia da covid-19, a oficiala de justiça telefonou para a filha da mulher. Durante a ligação, o telefone foi transmitido a outra interlocutora, que alegou ser a citanda, mas não houve nenhuma certificação de sua identidade. Após a ligação, a oficiala enviou, via WhatsApp, cópia da contrafé em PDF.
Em sede recursal, a ré argumentou que a notificação via WhatsApp inviabilizou tanto a leitura do mandado pela oficiala quanto a aferição do estado de capacidade mental da citanda, que é analfabeta.
Indefinição
A ministra relatora, Nancy Andrighi, apontou que a possibilidade de intimações e citações via aplicativos de mensagens está em debate há quase 10 anos e ganhou relevância quando o CNJ, em junho de 2017, aprovou o uso desse meio para comunicação de atos processuais. S. Exa. adicionou que, durante a pandemia de covid-19, a edição da resolução 354/20, também pelo CNJ, deu ainda mais força à conduta.
Desde então, discorreu a relatora, proliferaram portarias, instruções normativas e regulamentações internas de comarcas e Tribunais validando a prática da comunicação via atos eletrônicos. Entretanto, contrapõe a ministra, nem todos os procedimentos são iguais, variando conforme o juízo.
Assim, Nancy considerou que a dispersão de procedimentos e de requisitos de implementação e de validade dos atos via aplicativos de mensagem é um sólido indicador de que a atual legislação não disciplina a matéria e que é indispensável edição de lei Federal que a tutele. A ministra apontou que em 2021 foi editada a lei 14.195, a qual modificou o art. 246 do CPC para admitir a citação por meio eletrônico – via e-mail. Entretanto, Nancy afirmou que a lei não tutelou o recebimento de comunicações via aplicativos de mensagens.
A relatora concluiu que a comunicação dos atos, intimações e citações por aplicativos de mensagens não possui ainda nenhuma base ou autorização da legislação e não obedece às regras previstas na legislação atualmente existente para a prática dos referidos atos.
Assim, em tese, segundo Nancy, processo no qual exista citação por aplicativos de mensagem conterá vício formal apto a nulificar o ato. Por outro lado, contrapõe a relatora, a despeito desse vício, é preciso verificar se o ato praticado conseguiu atingir sua finalidade, e se, sim, poderá ser convalidado. Ela destaca que as leis processuais modernas têm se preocupado menos com a forma e mais com o alcance do objetivo pretendido pelo ato processual defeituoso.
“Desse modo, se a citação for realmente eficaz e cumprir a sua finalidade, que é dar ciência inequívoca acerca da ação judicial proposta, será válida a citação efetivada por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, ainda que não tenha sido observada forma específica prevista em lei, pois, nessa hipótese, a forma não poderá se sobrepor à efetiva cientificação que indiscutivelmente ocorreu.”
Caso concreto
No caso dos autos, a ministra considerou a citação nula. Isso porque a oficiala de justiça não se certificou previamente da identidade da citanda quando do telefonema. Segundo a relatora, não há nenhum elemento que confirme que a leitura do mandado foi efetivamente realizada na pessoa da ré.
Outro vício do ato, ainda mais grave, segundo Nancy, é o envio da contrafé em PDF, visto a condição de analfabetismo da mulher. A ministra considerou que diante da impossibilidade de compreender o teor do mandado e da contrafé, o citando analfabeto se equipara ao incapaz; e o incapaz não pode ser citado por meio eletrônico ou correio, conforme art. 247, II, do CPC.
A relatora entendeu que o prejuízo da ré foi evidente, pois não lhe foi dada a chance de apresentar contestação tempestiva, de modo que “teve contra si julgado procedente o pedido de destituição do poder familiar em relação às filhas.”
- Processo: REsp 2.045.633
Confira o acórdão.