Nesta terça-feira, 4, o IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais enviará ao governo Federal e ao CNJ um documento com oito propostas emergenciais voltadas a reverter a crise penitenciária enfrentada no Rio Grande do Norte. Dentre as medidas sugeridas, está a edição de um decreto de indulto aos presos acusados por crimes sem violência ou grave ameaça.
De acordo com o Instituto, as ações violentas vivenciadas em todo o RN desde a madrugada do dia 14/3 são graves, mas eram previsíveis, apresentando-se, a rigor, como uma crise cronificada. Para tanto, o IBCCRIM lembra que, em janeiro de 2017, o Estado já fora palco de um massacre de 74 pessoas em sua maior unidade prisional, a Penitenciária de Alcaçuz.
“Mais de cinco anos depois, não houve a implantação de qualquer política pública hábil à retomada do controle Estatal do ambiente prisional e à efetivação de um mínimo de dignidade à população presa.”
Dados do Sistema Geopresídios, do CNJ, apresentados no documento dão conta de que o sistema prisional norte-rio-grandense abriga hoje uma população prisional de 8.521 presos, apresentando um déficit de 2.1 mil vagas.
“A par da superpopulação evidente, deve-se notar o inegável racismo nos padrões de seleção dos sujeitos que são encarcerados. No maior presídio do Estado, a Penitenciária de Alcaçuz, o MNCPT identificou que havia 1.846 custodiados, sendo que: ‘1.288 são pardos; 248 negros; 294 brancos; e 3 amarelos’ (grifos no original). Assim, 83,2% dos presos da unidade são pretos e pardos, quando, pelos dados do IBGE, cerca de 58% da população geral no Estado é composta por pretos e pardos.”
Além disso, de acordo com a entidade, a extrema precariedade das unidades, aliada à superlotação, ensejam a sonegação dos mais básicos direitos sociais à população presa, aprofundando o estado de coisas inconstitucional e representando violação à dignidade humana, o que também constitui forma de tortura e maus-tratos, nos termos do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
“Apenas para se ter a dimensão das violações, em todas as unidades prisionais inspecionadas, verificou-se extremo racionamento de água, que fica disponível aos presos por períodos diários de cerca de uma hora e meia, fechando-se os registros pelo resto do dia. No mesmo sentido, o relatório aponta que não são entregues aos presos produtos de higiene pessoal ou vestuário. Em relação à alimentação, o Mecanismo identificou a entrega de marmitas abertas ‘ou mesmo sem as tampas e ainda derramadas no interior do recipiente de isopor onde se encontram’.”
Com a esperança de contribuir com o debate público, o IBCCRIM sugere a adoção das seguintes diretrizes, que visam ao aprimoramento da atividade estatal:
- Edição emergencial de decreto de indulto, sem prejuízo da elaboração do tradicional decreto natalino, concedendo-se o perdão a todas as pessoas acusadas por crimes sem violência ou grave ameaça;
- Regulamentação da saída antecipada;
- Implantação efetiva das equipes mínimas de atenção à saúde referenciadas pela PNAISP - Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional;
- Criação de gabinete transitório ou observatório da crise penitenciária no Rio Grande do Norte no âmbito do ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos;
- Constituição de força-tarefa pelas Defensorias Públicas do Brasil para análise e postulação nos processos dos presos do Rio Grande do Norte;
- Regulamentação, pelo CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, acerca da assistência material e da proibição do racionamento de água;
- Constituição e efetiva implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte;
- Fiscalização, pelo MNCPT - Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, das unidades prisionais de mulheres no Estado do Rio Grande do Norte.
Segundo o Instituto, a redução da superpopulação prisional é condição imprescindível para que o Estado possa tomar algum controle dos espaços prisionais.
“Não é possível a implementação de qualquer política de segurança em alas e pavilhões onde não há sequer espaço físico para que os presos possam viver e se movimentar. A ausência do Estado e de políticas públicas de desencarceramento, assim, fomenta que a tortura torne-se prática corriqueira, bem como arregimenta diariamente novas fileiras para as facções prisionais, que passam a administrar e gerir a população prisional dentro das unidades, diante da inércia do Poder Público.”
No documento, a entidade de ciências criminais destaca que o que acontece no RN também é retrato da ineficiência de políticas criminais que propagam discursos e medidas voltadas ao hiperencarceramento.
“Ressalte-se que a adoção de práticas populistas ostensivas, pautadas em discursos bélicos, há anos tem se demonstrado incapaz de promover a segurança pública, resultando apenas em mais restrições de direitos e garantias fundamentais, no fomento à criminalidade, na difusão do temor social e na exposição dos agentes estatais da segurança.”
As propostas foram produzidas por toda a diretoria do Instituto e são assinadas por Renato Stanziola Vieira, Roberto Moura, Bruno Shimizu e Francisco Alessandro de O. Araújo.
Ao Migalhas, Renato Stanziola Vieira, presidente do IBCCRIM, destaca que o documento deve ser visto com atenção pelo governo Federal, local, órgãos de Justiça e inclusive Saúde. Ele aponta que as propostas tentam ser bem coerentes e dão uma contribuição para um problema que é sabidamente complexo. "É nítida a possibilidade de explosão do sistema penitenciário brasileiro pela forma como são tratadas as pessoas presas", finaliza.
- Leia a íntegra do documento.