STJ: Ministro manda contar em dobro pena cumprida em condição indigna
Com a contagem em dobro, segundo a defesa, o condenado poderá alcançar o tempo necessário para a progressão de regime e o livramento condicional.
Da Redação
sexta-feira, 7 de maio de 2021
Atualizado às 11:07
Com base em determinação da CIDH - Corte Interamericana de Direitos Humanos, o ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca concedeu habeas corpus para que seja contado em dobro todo o período em que um homem esteve preso no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário de Bangu, localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Com a contagem em dobro, segundo a defesa, o condenado poderá alcançar o tempo necessário para a progressão de regime e o livramento condicional.
A unidade prisional foi objeto de diversas inspeções realizadas pela CIDH, a partir de denúncia feita pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre a situação degradante e desumana em que os presos se achavam.
Essas inspeções culminaram na edição da Resolução CIDH de 22 de novembro de 2018, que proibiu o ingresso de novos presos na unidade e determinou o cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido no local - salvo para os casos de crimes contra a vida ou a integridade física e de crimes sexuais.
Com sua decisão, o ministro reformou acórdão do TJ/RJ que aplicou a contagem em dobro apenas para o período de cumprimento de pena posterior a 14 de dezembro de 2018, data em que o Brasil foi notificado formalmente da resolução da CIDH. Como a resolução não faz referência expressa ao termo inicial da determinação, o TJ/RJ adotou a regra do direito interno, que "confere efetividade e coercibilidade às decisões na data de sua notificação formal".
Eficácia vinculante
O relator lembrou que, a partir do decreto 4.463/02, o Brasil reconheceu a competência da CIDH em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), aprovada em 1969.
Segundo S. Exa., a sentença emitida pela CIDH tem eficácia vinculante para as partes processuais, não havendo meios de revisá-la. "A sentença da CIDH produz autoridade de coisa julgada internacional, com eficácia vinculante e direta às partes. Todos os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados a cumprir a sentença".
O ministro ponderou que, ao aplicar a resolução apenas a partir da notificação oficial feita ao Brasil, as instâncias anteriores deixaram de cumpri-la, pois as más condições do presídio, que motivaram a determinação da CIDH, já existiam antes de sua publicação.
"Não se mostra possível que a determinação de cômputo em dobro tenha seus efeitos modulados como se o recorrente tivesse cumprido parte da pena em condições aceitáveis até a notificação, e a partir de então tal estado de fato tivesse se modificado."
Interpretação mais favorável
S. Exa. destacou que, por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, é permitido ao Estado-parte ampliar a proteção conferida por elas. Assim, o relator concluiu que as sentenças da CIDH devem ser interpretadas da maneira mais favorável possível para quem teve seus direitos violados.
Além disso, o relator ressaltou que as autoridades locais devem observar os efeitos das disposições da sentença internacional e adequar sua estrutura interna "para garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional, uma vez que os países signatários são guardiões da tutela dos direitos humanos".
"Os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais".
Considerando que a melhor interpretação a ser dada à resolução é pela sua aplicação a todo o tempo de pena cumprido na unidade, o ministro mandou que seja contado em dobro o período de 9 de julho de 2017 a 24 de maio de 2019, como requerido pela defesa no recurso em habeas corpus.
- Processo: RHC 136.961
Leia a decisão.