O STF realizou na manhã desta quarta-feira, 1º, a sessão solene de abertura do ano judiciário de 2023.
Trata-se de sessão histórica: a primeira realizada no plenário após os atos de 8 de janeiro, o Dia da Infâmia, em que o STF teve sua sede depredada.
Tradicionalmente, a cerimônia de abertura é sucinta e apenas abre os trabalhos do novo ano. Desta vez, representou um importante marco da vitória da democracia e da Justiça sobre o golpismo e os movimentos antidemocráticos.
A sessão teve início pouco mais de 10h com a execução do hino nacional, tocado pela banda do 1º Regimento de Cavalaria e Guarda, sob a regência do subtenente Alberon.
Em seguida, foi transmitido vídeo da campanha #DemocraciaInabalada, desenvolvida pelo STF após os atos de 8 de janeiro - o Dia da Infâmia. Os presentes aplaudiram de pé após a transmissão.
Ato contínuo, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, inciou seu discurso de abertura, reafirmando que “sem um Poder Judiciário independente e forte, sem juízes independentes e sem imprensa livre, não há democracia.”
“Hoje, 4 meses e meio depois da minha posse como chefe do Judiciário brasileiro, nessa sessão solene revestida de especial simbolismo, de abertura do ano judiciário de 2023, neste mesmo plenário, totalmente reconstituído após a invasão criminosa do dia 8 de janeiro último por uma turba insana movida pelo ódio e pela irracionalidade, reafirmo minha profissão de fé como juíza e a ela acresço, em reforço, o que erigi como norte da atual administração desta Casa: a proteção da jurisdição constitucional e da integridade do regime democrático, ou mais simplesmente a defesa diuturna e intransigente da Constituição e do Estado Democrático de Direito.”
Assista à sessão, na íntegra:
Com voz embargada e fortes palavras, continuou a ministra seu discurso:
“Possuídos de ódio irracional, quase patológico, os vândalos, com total desapreço pela Res publica e imbuídos da ousadia da ignorância, destroçaram bens públicos sujeitos a proteção especial, como os tombados pelo patrimônio histórico. Mobiliários, tapetes, obras de arte. (...) Mas, advirto: não destruíram o espírito da democracia. Não foram e jamais serão capazes de subvertê-lo, porque o sentimento de respeito pela ordem democrática continua e continuará a iluminar as mentes e os corações dos juízes desta Corte Suprema, que não hesitarão em fazer prevalecer sempre os fundamentos éticos e políticos que informam e dão sustentação ao Estado Democrático de Direito. Que os inimigos da liberdade saibam que, no solo sagrado deste Tribunal, o regime democrático, permanentemente cultuado, permanece inabalável.”
"Não sabiam os agressores de 8 de janeiro que o prédio sede do STF, na leveza de suas linhas e na transparência de seus vidros, enquanto símbolo da democracia constitucional, é absolutamente intangível à ignorância crassa da força bruta. De todo inútil para o que perseguiam a destruição do patrimônio físico da Suprema Corte, que na verdade é patrimônio do povo brasileiro, é matrimônio da humanidade. A inspiração que anima as estruturas concebidas pelo gênio de Niemeyer, assim como os valores que informam a atividade jurisdicional desta Casa, jamais serão atingidos ou subjulgados pela barbárie. Nem pela barbárie seus juízes se sentirão intimidados.”
"Uma vez erguida da Justiça a clava forte sobre a violência cometida em 8 de janeiro, os que a conceberam, os que a praticaram, os que a insuflaram e os que a financiaram serão responsabilizados com o rigor da lei.”
No discurso, a ministra destacou o retorno, à Corte, do busto de Rui Barbosa, patrono das advogados, que, em novo pedestal, “voltou a repousar, altaneiro, no hall”, sem a restauração do dano sofrido nos ataques de 8 de janeiro – “cicatriz estampada no bronze como lembrança às presentes e futuras gerações de que nem os vultos mais ilustres desta nação, como o grande Rui, estão imunes à malta irresponsável, em evidente demonstração de que a ignorância, que nada reconhece, nada respeita, nada provê, e se volta como algoz em seu vazio substancial até contra os que buscam iluminá-la, nada mais é do que terreno infértil e incapaz de germinar as sementes de que florescem os valores fundamentais da liberdade e da democracia".
Ao final de seu discurso, Rosa Weber citou trecho do poema Mãos Dadas, de Carlos Drummond de Andrade.
“O presente é tão grande, não nos afastemos
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”
E completou:
"O futuro está à nossa frente. Mas é no dia a dia, passo a passo, que construímos o caminho. A escolha é nossa. Vamos todos de mãos dadas trilhar com confiança esse ano que se descortina, certos de que o STF continuará em permanente vigília na incondicional defesa da supremacia da Constituição e da integridade da ordem democrática, sempre respeitando o convívio harmonioso com os demais Poderes da República, como ordena o texto constitucional."
A ministra foi aplaudida de pé.
Discursos
Após a fala da ministra, discursou Ubiratan Cazetta, coordenador da Frentas - Frente Associativa da Magistratura e do MP.
"Nós todos, unidos, reafirmamos, sra. presidente, o compromisso com o Estado de Direito, sempre, democracia inabalada sempre, e democracia sempre".
Falou também o ministro Luiz Felipe Vieira de Melo Filho, conselheiro do CNJ e ministro do TST.
"Esta Corte maior é nossa referência, é a guardiã dos valores constitucionais, e ninguém, sra. presidente, intimidará esta Casa, ou o Judiciário brasileiro, ou seus ilustres membros, que contam com a magistratura brasileira para a concretização do Estado Democrático de Direito, e para que a liberdade de todos seja a liberdade em relação ao medo."
Fez uso da palavra, em seguida, o presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti.
"A soberania do povo brasileiro, manifestada por meio do voto direto, secreto, universal e periódico, não pode ser relativizada, nem tampouco tutelada. Ela é inegociável. (...) Aqui estamos, no plenário no STF, reconstruído e persistente, assim como a democracia do nosso país."
Também discursou o procurador Geral da República, Augusto Aras.
“Esta grande instituição, o Supremo Tribunal Federal, vai atravessando com serenidade as inclemências passageiras. Vai atravessando todas as falidas investidas criminosas que concebam o seu enfraquecimento ou supressão.”
Falou, ainda, o presidente do Congresso Nacional e do Senado, Rodrigo Pacheco.
“Estarmos reunidos aqui neste cenário, na sessão de abertura do ano Judiciário, é a expressão da vitalidade do Estado Democrático de Direito, que sai ainda mais forte após esse episódio reprovável que será superado, mas jamais esquecido.”
Por último, discursou o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
“É nosso dever registrar o papel decisivo do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral na defesa da sociedade brasileira contra o arbítrio. Daqui desta sala, contra a qual se voltou o mais concentrado ódio dos agressores, partiram decisões corajosas e absolutamente necessárias para enfrentar e deter o retrocesso, o negacionismo e a violência política.”
“Mais do que um plenário reconstruído, o que eu vejo aqui é o destemor de ministras e ministros na defesa de nossa Carta Magna. Vejo a disposição inabalável de trabalhar dia e noite para assegurar que não haja um milímetro de recuo em nossa democracia”, asseverou o chefe do Executivo.
Preparação
Para que os trabalhos fossem retomados de forma presencial nesta quarta-feira, 1º, foi formada, no STF, uma equipe de profissionais, servidores e restauradores, que trabalharam incansavelmente para recuperar o que foi destruído nos atos de vandalismo do último dia 8.
O esquema de segurança foi reforçado na terça-feira, 31, e seguirá assim até a quinta-feira, 2.
Havia expectativa sobre como estaria o plenário após a reconstrução. Do lafo de fora, já era possível observar que as vidraças foram recuperadas, substituídas e limpas. Por dentro, tudo está no lugar: o carpete foi higienizado e as cadeiras estão restauradas para uso dos ministros e demais presentes.
Convidados
A sessão histórica contou com presença de inúmeros convidados, incluindo chefes de Poderes, ministros de Estado e embaixadores estrangeiros. Participam da solenidade os presidentes da República, Luiz Inácio Lula da Silva, do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, e o procurador-Geral da República, Augusto Aras.
Também estiveram presentes o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, o ministro da Justiça, Flávio Dino, o presidente do TCU, Bruno Dantas, a presidente do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, o ministro do STJ Herman Benjamin, o ex-presidente da República José Sarney, o ministro aposentado do STF Ayres Brito, além da governadora em exercício do DF, Celina Leão, e tantos outros convidados, que lotaram o plenário.
Reconstrução
Já no dia seguinte aos atos, a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, afirmou que pretendia reconstruir o local a tempo de realizar a sessão inaugural do ano judiciário.
Em reunião com governadores realizada em 9 de janeiro, Rosa afirmou que o prédio histórico do Supremo Tribunal foi duramente atacado.
"Essa simbologia a mim me entristeceu de uma maneira enorme, mas eu quero assegurar a todos que vamos reconstruí-lo e que no dia 1º de fevereiro daremos início ao ano judiciário."
Foram quebrados vidros, pichados monumentos, as cadeiras dos ministros foram atiradas para fora do Plenário, e os assentos foram retirados e depredados, além dos equipamentos eletrônicos e mesas.
Por isso, o trabalho de reconstrução demandou atuação diária de restauradores, arquitetos e vidraceiros, inclusive nos fins de semana.
A estátua da Justiça, vandalizada, foi lavada para a reinauguração.
Segundo noticiou o UOL, ao menos 163 objetos foram afetados, sendo que 35 tiveram perda total. Outros 110 passavam por restauração.
As famosas cadeiras de ministro, desenhadas por Jorge Zalszupin, não precisaram ser substituídas.
Construção
Neste dia histórico, Migalhas relembrou, em uma matéria especial, a construção do prédio e transferência da sede do Judiciário do Rio de Janeiro para Brasília. Confira aqui.
Democracia inabalada
Em resposta aos ataques do último dia 8, o Supremo iniciou a campanha "Democracia Inabalada" (#DemocraciaInabalada).
“Vidraças foram quebradas. Estatuas foram derrubadas. Cadeiras foram arrancadas. Mas a defesa da Constituição segue inabalada."
A campanha conta com a exibição, entre 17 de janeiro e 1º de fevereiro, de vídeos na TV Justiça, e também em outras emissoras e sites, e realizadas postagens nas redes sociais do Tribunal, com o objetivo de chamar a atenção para o lamentável episódio, para que ele nunca seja esquecido e nem se repita, e destacar que a democracia e a Suprema Corte saem fortalecidas desses acontecimentos.
Os vídeos e demais materiais de divulgação, como cards para redes sociais, estarão disponíveis para compartilhamento por entidades, outros tribunais, órgãos públicos e quaisquer interessados em aderir à campanha.
Assista ao vídeo transmitido na sessão: