Poder de perdoar: Biden, Bolsonaro e limites do indulto presidencial
Indulto presidencial, o poder que divide opiniões nos EUA e Brasil, expondo dilemas éticos entre favoritismos pessoais e princípios democráticos.
terça-feira, 3 de dezembro de 2024
Atualizado às 09:46
O indulto presidencial é um dos mais emblemáticos poderes do chefe do Executivo, permitindo-lhe conceder perdão a crimes já julgados. Contudo, o uso desse poder para fins pessoais ou políticos tem gerado debates intensos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, conforme demonstrado pelos casos recentes envolvendo Joe Biden e Jair Bolsonaro.
Em dezembro de 2024, o presidente norte-americano Joe Biden concedeu um perdão total ao seu filho, Hunter Biden, condenado por evasão fiscal e compra ilegal de arma. A decisão foi polêmica, pois Biden havia prometido anteriormente não interferir nos processos judiciais envolvendo o filho. Críticos, incluindo republicanos e até democratas, argumentaram que o perdão configurou um abuso do poder presidencial, utilizado para proteger um parente próximo de punições criminais.
No Brasil, em 2022, Jair Bolsonaro concedeu indulto ao deputado Daniel Silveira, condenado pelo STF por crimes contra o Estado Democrático de Direito. O STF, contudo, invalidou o indulto, sustentando que ele violava o princípio da impessoalidade previsto na Constituição. O tribunal entendeu que o perdão havia sido motivado exclusivamente pelo alinhamento político entre Bolsonaro e Silveira, configurando um desvio de finalidade.
Os dois casos levantam uma questão fundamental: até onde pode ir o poder presidencial de indultar? No Brasil, a Constituição estabelece limites claros para atos administrativos, que devem observar os princípios de impessoalidade e moralidade. Esse entendimento foi decisivo na anulação do indulto de Bolsonaro, evidenciando que o uso do perdão presidencial para beneficiar aliados viola os preceitos constitucionais.
Já nos Estados Unidos, a Constituição concede ao presidente amplos poderes de perdão para crimes federais, com poucas restrições formais. Isso inclui a possibilidade de indultar familiares ou aliados políticos, como demonstrado por Donald Trump, que já prometeu perdoar os apoiadores que invadiram o Capitólio em 2021, caso seja reeleito. Embora juridicamente possível, ações desse tipo enfrentam resistência política e geram intensos debates éticos.
A comparação entre os dois países revela que, enquanto o Brasil busca equilibrar o poder presidencial com salvaguardas constitucionais, os Estados Unidos conferem maior discricionariedade ao chefe do Executivo, confiando que a responsabilização política e moral contenha eventuais abusos. No entanto, ambos os sistemas demonstram que o uso do indulto para interesses pessoais ou políticos mina a confiança pública nas instituições.
A questão que emerge é se a tradição americana, que permite um uso mais amplo do perdão, ainda se sustenta em tempos de polarização política extrema. A promessa de Trump de perdoar os invasores do Capitólio, à luz do perdão de Biden ao próprio filho, exemplifica o risco de que o indulto presidencial se torne uma ferramenta de recompensa ou retaliação política, corroendo os valores democráticos.
O poder de perdoar não deve ser um salvo-conduto para favoritismos pessoais. Ele deve servir como um instrumento de justiça, jamais como uma moeda de troca ou um escudo contra a responsabilidade. Seja no Brasil ou nos Estados Unidos, cabe às instituições e à sociedade assegurar que esse poder, tão poderoso quanto perigoso, seja exercido com responsabilidade e respeito aos princípios democráticos.
Pedro Paulo de Medeiros
Advogado Criminalista. Ex-Conselheiro Federal da OAB. Membro do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros. Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos (Universidade de Coimbra, Portugal). Doutor PHD em Direito (IDP) e Ciência Jurídicas (UMS). Mestre em Direito Constitucional (IDP-DF). LLM em Atuação nas Cortes Superiores (Mackenzie). Pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito Civil (UFG e PUC-GO), Processual Penal e Direito Penal (UFG), Direito Ambiental (UCAM), Direito Eleitoral (IDP), MBA em Direito Empresarial (FGV). Atua como Professor Universitário e de Especializações, Palestrante, lecionando as matérias Direito Processual Penal, Direito Processual Civil, Constitucional, Relações Internacionais e Direitos Humanos.