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Discriminação de gênero: Casas Bahia é condenada por demitir lactante

Juíza baseou sua decisão na perspectiva de gênero. "A trabalhadora foi considerada uma trabalhadora indesejável, mesmo tendo feito um enorme esforço para se adequar", afirmou.

13/7/2022

Imagine a seguinte situação, migalheira: uma mulher foi contratada para trabalhar como vendedora da Casas Bahia na cidade de Pau dos Ferros/RN e, a fim de possibilitar a prestação de serviços, a empresa ofereceu um treinamento em Mossoró, a 150km de distância. Como a empresa não forneceu condições para que a trabalhadora levasse sua filha bebê para Mossoró, a funcionária só conseguia ver a menina durante os finais de semana. Em razão disso, acabou tendo que interromper a amamentação. O problema foi que no primeiro dia após o treinamento, a mulher foi demitida sem justa causa.

Ao analisar o caso relatado acima, a juíza do Trabalho Lisandra Cristina Lopes entendeu que houve discriminação por condição de gênero.

“Assim, ainda que a reclamada não tenha de forma deliberada planejado dispensar a reclamante em razão de seu gênero e seus compromissos de cuidado, incluindo a amamentação, o fato é que todos os elementos dos autos apontam nesse sentido, de que a autora, por exercer tal encargo e pelas dificuldades em se desvencilhar dele (precisar ir à UPA para retirar leite), foi considerada uma trabalhadora indesejável, mesmo tendo feito um enorme esforço para se adequar.”

Casas Bahia é condenada por demitir empregada lactante.(Imagem: Freepik)

Entenda

A autora da ação argumentou que, quando foi contratada na cidade de Pau dos Ferros, teve que se deslocar para Mossoró para a realização de um extenso treinamento. Ela tinha tido uma filha há pouco mais de um ano e ainda estava amamentando. Para participar do treinamento, viu-se compelida a realizar o desmame, renunciando ao aleitamento materno que vinha mantendo em conformidade com as determinações do ministério da Saúde. Mas a empresa, de forma brusca, efetivou sua demissão logo após o retorno, motivo pelo qual acionou a Justiça.

A Casas Bahia, por sua vez, alegou que o empregador é titular do direito de despedir e defendeu que não houve comprovação de nenhum dano.

Ao analisar os autos, a juíza verificou que a autora foi a única demitida antes do prazo e não foi revelado nenhum critério avaliativo, nenhuma prova. “Não foi dito onde a reclamante ‘errou’.”

A esta altura, segundo a juíza, torna-se impossível não olhar para o litígio sob uma perspectiva de gênero, recomendada pelo CNJ.

Perspectiva de gênero

Na decisão, Lisandra Cristina Lopes citou estudos que indicam que as mulheres com dois ou mais filhos em idade pré-escolar possuem chances 3,2 vezes menores de participar do mercado de trabalho em relação às mulheres sem filhos. Há também uma queda no salário e o registro de intermitência ocupacional, em razão de uma disponibilidade menor de horas para dedicar às atividades remuneradas.

“Tais questões fazem parte do que se chama de motherhood penalty, ou penalidade materna. O estudo conclui que a maternidade traz impactos negativos para a participação das mulheres pobres no mercado de trabalho, e que esse impacto é diretamente proporcional ao número de crianças pequenas.”

Para a magistrada, ficou demonstrado que a reclamante, por ter uma filha pequena, ainda em fase de amamentação, passou por diversas dificuldades em seu trabalho. 

“O cuidado exigido com a filha se traduz na necessidade de disponibilidade extra (tanto que, conforme disse a testemunha da ré, ela chegou a ser liberada mais cedo em um sábado para ficar com a filha, e segundo o depoimento da própria autora, ela não permanecia no hotel aos domingos, ao contrário dos colegas), e essa disponibilidade extra contribui para a sua pobreza de tempo, deixando-a em uma situação de inferioridade em relação a mulheres sem filhos e em relação a homens. Nos termos discutidos por Laís Abramo (em artigo acima citado), na visão empresarial a reclamante se enquadra como uma trabalhadora que apresenta limitações, é ‘problemática’, ‘pouco adequada’ ou ‘diferente’.”

A diante, a juíza levanta um questionamento: “o que fazer, então? Qual a saída para as mulheres? Não ter filhos?”

“De forma paradoxal, a realização de um trabalho de extrema importância social – afinal a continuidade da espécie humana depende dele – não só é totalmente desvalorizada como implica a ocorrência de diversos prejuízos materiais para quem o realiza.”

Conforme afirmou Lisandra, o problema da autora da ação não foi meramente individual.

“O problema dela, da pobreza de tempo, da dificuldade de se adequar a um trabalho que tem como molde o homem livre de responsabilidades familiares e cuidados (pois dispõe de uma mulher que cuida disso para ele) é uma questão social, e como tal demanda políticas públicas e atuação de todas as instâncias de poder com a finalidade de reduzir esse ônus e concretizar o princípio da igualdade, previsto na Constituição.”

Com efeito, considerou que houve dispensa discriminatória e fixou indenização por danos morais em R$ 20 mil.

O escritório Rodrigo Rocha Advocacia atua no caso.

O processo tramita sob segredo de justiça.

Veja a decisão.

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