Decisão
Ação Popular para impedir a municipalização da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP é julgada procedente
Em 2005, Migalhas noticiou a intenção do prefeito de São Bernardo do Campo, William Dib, de municipalizar a Faculdade de Direito de São Bernardo ao extingüir a lei que criou a autarquia, oficializada no fim da década de 1960 (clique aqui). Na época, o prefeito afirmou que "o regime de autarquia não estava funcionando", de acordo com a "avaliação da administração municipal, que é dona da autarquia".
Este ano, no dia 9/3, foi proferida sentença nos autos da Ação Popular nº 2.469/04, proposta por alunos da Faculdade visando anular a aludida transferência, julgando procedente o pedido formulado. Veja abaixo:
Proc. n º 2469/04
VISTOS.
ANDREINA LIZBETH DE ALEIXO BRAVO e outros propuseram ação popular contra PREFEITO MUNICIPAL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO e outros, aduzindo que o Município determinou a transferência de toda a disponibilidade financeira da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – autarquia municipal – aos cofres da Prefeitura, através da Lei nº 5.364, de 16 de dezembro de 2004. Alegam que a referida lei é inconstitucional e que a medida impede que a autarquia implemente qualquer política acadêmica ou realize eventos que demandem aporte financeiro imediato. Afirmam que a faculdade tem autonomia financeira e que esta é garantida pelo pagamento das mensalidades dos alunos, sem qualquer participação do Município. Pugnaram pela concessão de liminar, suspendendo os efeitos dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 5.364/04 e que ao final seja a ré compelida a se abster de exigir a transferência dos recursos financeiros da Faculdade de Direito. Foram juntados os documentos de fls. 26/85. A liminar foi indeferida a fls. 87/92. Os vereadores de São Bernardo do Campo foram incluídos como litisconsortes passivos necessários. O Prefeito do Município apresentou contestação a fls. 240/257. Argüiu, preliminarmente, inépcia da inicial, alegando que os autores não especificaram qual o ato lesivo que entendem tenha sido perpetrado pelos réus. Alega, ainda, ausência de interesse processual, ante a ausência de lesão ao patrimônio da autarquia. No mérito, aduz que a Prefeitura e a Faculdade celebraram convênio para ampliação do ensino universitário fornecido pela entidade educacional, conjugando esforços e recursos para a ampliação do campus da faculdade. Alega que não apenas os recursos da faculdade serão utilizados, mas também recursos do Tesouro Municipal, no valor de até R$ 4.710.000,00. De acordo com o convênio, a Municipalidade ficou responsável pela realização das obras, mediante aprovação da faculdade, sendo que o valor não utilizado seria devolvido pelo Poder Público à autarquia. Aduz que a expansão do campus da faculdade é de interesse da autarquia, que não expressou qualquer discordância quando se manifestou nos autos do agravo de instrumento em apenso. Afirma que a autonomia universitária prevista no art. 207, da Constituição Federal deve se harmonizar com os demais princípios constitucionais. Alberto Lopes Raposo e outros apresentaram contestação a fls. 373 e seguintes, argüindo, preliminarmente, ausência de interesse processual, eis que os autores buscam o impedimento de transferência dos recursos da faculdade ao Município, fato este já ocorrido. Alegam, ainda, carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento de que não há pedido de anulação do ato jurídico. Atestam serem parte ilegítima para figurar no pólo passivo, eis que são vereadores da legislatura passada e não têm poderes para realizar o ato que se pretende. No mérito, afirmam não ter ocorrido ato lesivo ao patrimônio público, uma vez que os recursos continuam na administração pública e serão utilizados em proveito do órgão público. Aduzem que os atos administrativos são guiados pela opção administrativa, não cabendo ingerência do Poder Judiciário quanto a esse aspecto. Afastam as demais alegações constantes da inicial. O Município também contestou a ação alegando ausência de interesse de agir e ausência de ato lesivo, aduzindo que sequer os autores da ação exigiram condenação pecuniária em decorrência da transferência realizada. A Faculdade de Direito também apresentou sua defesa, argüindo preliminares e afirmando que não houve ato lesivo ao patrimônio público e que sua autonomia é relativa. O réu Aldo Santos foi citado por edital. Nomeado curador especial, este contestou por negativa geral, alegando que não forma esgotados todos os meios para localização do réu; que há carência de ação; que o réu é parte ilegítima para figurar no pólo passivo. Não foi apresentada réplica. O Ministério Público opinou pela exclusão dos réus do pólo passivo, mantendo-se apenas o Município de São Bernardo do Campo. No mérito, opinou pela procedência da ação. É o breve relatório. D E C I D O . Passo ao julgamento do feito, nos termos do art. 330, I, do CPC, eis que a matéria aqui debatida é meramente de direito. Primeiramente, reconheço a ilegitimidade passiva do Prefeito Municipal, dos Vereadores e da Faculdade para integrarem o pólo passivo da demanda. Como bem observou o Ministério Público, os autores buscam tão somente o óbice à transferência do patrimônio da faculdade ou, caso já tenha sido concretizada, a devolução do montante. Ora, o numerário foi transferido aos cofres do Município, de sorte que apenas este tem a possibilidade de reverter o ato, com a devolução da quantia transferida. Os demais requeridos não têm o poder para fazê-lo, de sorte que não se justifica sua inclusão no processo. Frise-se que, se houvesse sido pedida a condenação dos réus por perdas e danos, aí se justificaria a manutenção de todos os responsáveis pelo ato no pólo passivo, a fim de que fossem condenados ao ressarcimento. Não é este, entretanto, o caso dos autos, eis que o pedido formulado pelos autores restringe-se à devolução da importância transferida. Deste modo, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva, excluindo o Prefeito Municipal, os Vereadores constantes da emenda à inicial e a Faculdade de Direito do pólo passivo, extinguindo, em relação a eles, o feito sem julgamento de mérito. Prossegue a demanda contra a Municipalidade. A preliminar de inépcia da inicial não merece acolhimento. A petição, muito bem elaborada, descreve minuciosamente os fatos e as razões pela qual os autores entendem que a transferência do patrimônio da autarquia à Municipalidade fere a Constituição Federal e caracteriza lesão ao patrimônio público. Todos os requisitos do art. 282, do CPC, foram preenchidos. Tampouco deve a ação ser extinta por ausência de interesse de agir. Ao contrário do que alegam os réus, os autores não buscam apenas obstar a transferência de numerário entre Município e Faculdade, mas buscam, caso a transferência já tenha sido efetivada, a devolução do montante. Deste modo, ainda que reconhecidamente os valores já tenham sido transferidos ao Município, persiste o interesse dos autores no que toca à devolução do numerário à Faculdade de Direito. No mérito, a ação é procedente. A Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo é uma autarquia municipal. Autarquias são, segundo Hely Lopes Meirelles, em sua obra “Direito Administrativo Brasileiro”, “entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas”. A autarquia administra-se pelas leis criadas pela entidade que a criou, desde que respeitados os princípios constitucionais básicos. Cabe ao Poder Público analisar os aspectos formais de sua administração, a fim de que esta não se desvirtue de suas finalidades institucionais. No caso, uma lei municipal determinou a transferência de todo o patrimônio da autarquia aos cofres públicos municipais, com a justificativa de que foi feito um convênio para ampliação do campus e que o recurso seria utilizado com esta finalidade, juntamente com recursos provenientes do próprio Município. Entretanto, ainda que a transferência dos recursos da faculdade tenha sido feito com tal finalidade, houve inconstitucional ingerência pelo Município na autonomia financeira da faculdade, que necessitará de aprovação e da burocracia para implementar qualquer atividade acadêmica ou de infra-estrutura, eis que terá que solicitar numerário para o Município, eis que não possui qualquer outro recurso. De acordo com o art. 37, parágrafo 8º, da Constituição Federal, “a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade”. Não há, portanto, qualquer possibilidade de redução da autonomia, como fez a Lei Municipal nº 5.364/04, ao reduzir a zero os recursos exclusivos da faculdade. Assim sendo, de rigor o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei nº 5.364/2004, que violou frontalmente o disposto no art. 37, da Constituição Federal. Por conseqüência, deve a Municipalidade restituir aos cofres da autarquia todo o valor retirado, com os rendimentos equiparados aos que a faculdade obtinha com sua aplicação. ISTO POSTO, julgo EXTINTO O FEITO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, em relação ao Prefeito Municipal de São Bernardo do Campo, aos vereadores descritos na inicial e à Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Em relação ao Município de São Bernardo do Campo, julgo PROCEDENTE A AÇÃO, extinguindo o feito com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, condenando o réu a restituir aos cofres da autarquia todo o valor retirado, com os rendimentos equiparados aos que a faculdade obtinha com sua aplicação. Deixo de condenar as partes em custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, nos termos da legislação em vigor. P.R.I. S.B. do Campo, 09 de março de 2007.
FABIANA FEHER RECASENS VARGAS Juíza de Direito
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