Inquérito que apura manifestações antidemocráticas;
Acusação do ministro da Defesa contra Gilmar Mendes, o qual teria associado o Exército a “genocídio”; e
Prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira.
Apesar de sensivelmente diferentes entre si, estes casos acima têm um ponto crucial em comum: suposta violação à lei de segurança nacional.
Com um presidente da República com origens militares, não se estranha que a vetusta legislação tenha renascido. E, de fato, embora a lei seja de 1983 – nos estertores dos anos de chumbo – ela voltou agora ao centro das discussões.
E como ela tem sido usada por defensores e detratores do governo, fica a impressão que o que mudou significativamente foi o temor com a efetiva segurança nacional.
Mas, a bem da verdade, há tempos diversas autoridades chamam atenção para a necessidade de revisão da norma, dentre elas, ministros do Supremo, como Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso.
Um pouco de história
A lei de segurança nacional foi sancionada em 1983 pelo último presidente da ditadura militar, o carrancudo general João Batista Figueiredo. A norma define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social como atos que lesam a integridade territorial; o regime representativo e democrático e a pessoa dos chefes dos Poderes da União.
Vale ressaltar que a lei foi positivada sob o espectro da guerra fria, quando o mundo estava dividido entre o capitalismo, comandado pelos EUA, e o comunismo, capitaneado pela URSS. Sob forte influência dos EUA, o Brasil e outros países periféricos do bloco ocidental experimentaram um forte sentimento anticomunista. A lei de segurança nacional vem nesse contexto: proteger o Brasil do inimigo comunista (algo que não por acaso é repetido pelos apoiadores do atual presidente da República, ao chamarem seus opositores de comunistas).
A norma encontra-se dividida em três partes:
- Título I: Disposições gerais;
- Título II : Dos crimes e das penas:
- Título III: Da competência, do processo e das normas especiais de procedimentos.
Compulsando-se a lei é possível perceber um certo subjetivismo ideológico no momento de tipificar condutas. A lei penaliza, por exemplo, quem:
- Incitar à subversão da ordem política ou social; à animosidade entre as Forças Armadas e as classes sociais ou as instituições civis;
- Fazer funcionar partido político ou associação dissolvidos por força de disposição legal ou de decisão judicial;
- Caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado, o da Câmara dos Deputados ou o do STF, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Ou seja, só neste item final, há milhões de posts nas redes sociais que não são lá muito honrosos com a reputação do ocupante do Palácio do Planalto, fato que faria com que todos fossem recolhidos.
No que se refere aos ritos processuais, a lei de segurança nacional:
- Prevê a competência da Justiça Militar para processar e julgar os crimes nela previstos, com a observância das normas estabelecidas no Código de Processo Penal Militar.
- Dispõe que será instaurado o temido IPM - Inquérito Policial Militar se o agente for militar, quando o crime for praticado contra militar e a decretação de prisão pela autoridade que presidir o inquérito.
Diplomas incompatíveis
No início dos anos 2000, inicialmente com o ministro José Gregori, depois com o ministro Miguel Reale, formou-se uma Comissão de Alto Nível, da qual participou o então advogado de nomeada Luís Roberto Barroso. O resultado desta comissão é um anteprojeto de lei, que sopitou por muitos anos na Câmara dos Deputados, mas que hoje voltou a andar sob o número 6.764/02.
O objetivo do PL é adequar a segurança do Estado Democrático de Direito aos princípios da Carta de 1988.
Veja (i) a minuta de exposição de motivos e (ii) a proposta elaborada pela comissão - clique aqui.
De acordo com a comissão, a qual era formada por três Luis e um José (Luiz Vicente Cernicchiaro, Luís Roberto Barroso, Luiz Alberto Araújo e José Bonifácio Borges de Andrada), a lei de 1983 é incompatível com os valores da Constituição de 1988, tal como o pluralismo político. De acordo com a justificativa do anteprojeto, a Constituição de 1988 foi a “superação histórica” do regime que tinha como um de seus fundamentos a ideologia da segurança nacional, e toda carga autoritária que dela decorria.
Repaginando a “segurança nacional”
O projeto de 2002 tem data para andar na Câmara dos Deputados. A previsão é de que a proposta seja votada pelo plenário no dia 4 de maio.
A primeira diferença é que o projeto quer pôr fim ao termo “segurança nacional” ao abrir um capítulo no Código Penal intitulado “Dos crimes contra o Estado Democrático de Direito”.
A proposta ficou dividida em cinco capítulos:
- Capítulo I - Dos crimes contra a soberania nacional:
Impõe deveres de lealdade ao Estado brasileiro. A proposta tipifica a violação do território nacional com o fim de explorar riquezas naturais. Sobre a tentativa de desmembramento do território nacional, somente foi punida a hipótese de movimento armado. Não se criminalizou a mera expressão de ideias ou sentimentos separatistas.
- Capítulo II - Dos crimes contra as instituições democráticas:
Manteve-se a previsão do crime específico de atentado à autoridade, quando a vítima seja o presidente ou o vice-presidente da República ou os presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Instituiu-se o crime de golpe de Estado, imputável a servidor público civil ou militar que tentar depor o governo constituído ou impedir o funcionamento das instituições constitucionais.
- Capítulo III - Dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas e dos serviços essenciais:
Instituiu o crime de coação contra autoridade legítima, consistente em constranger, mediante violência ou grave ameaça, por motivo de facciosismo político, autoridade legítima a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda, no exercício das suas atribuições.
- Capítulo IV: dos crimes contra a autoridade estrangeira ou internacional;
Tutelou a integridade física de representante de Estado estrangeiro no país, ou dirigente de organização internacional, que se encontrem no território nacional.
- Capítulo V: Dos crimes contra a cidadania.
Neste capítulo, busca-se coibir o abuso de poder por parte do Estado e o abuso de direito por parte de particulares. A norma prevê o crime de atentado a direito de manifestação, que consiste em impedir ou tentar impedir, mediante violência ou grave ameaça, sem justa causa, o livre e pacífico exercício do direito de manifestação.
Veja a íntegra do projeto.
STF
Enquanto um novo projeto sobre o tema não é aprovado no Legislativo, no Judiciário, a lei de segurança nacional pode estar com os dias contados. Isso porque o STF já recebeu diversas ações de partidos políticos contra os dispositivos.
- O PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira, autor da ADPF 815, sustenta que a lei – “fruto de um regime autocrático” – apresenta tipos penais extremamente vagos, elaborados com o propósito de garantir que o Poder Executivo possa proteger aqueles que estão em cargos de relevância e, de outro lado, perseguir críticos.
- A ADPF 816 foi ajuizada pelo PSOL, pelo PT e pelo PCdoB. Diferentemente do PSDB, as legendas impugnam apenas alguns dispositivos da LSN, com o argumento de que a lei, oriunda do período ditatorial no Brasil, tem sido utilizada recorrentemente por autoridades de segurança pública como fundamento para detenções autoritárias e instauração de inquéritos policiais ilegais.
- O partido Cidadania ajuizou ADPF 821 alegando violações em atos recentes do Poder Público, como inquéritos e prisões contra cidadãos que se referiram ao presidente da República como "genocida ou termos afins", o partido sustenta que a lei tem sido usada para perseguições político-ideológicas.
- O PTB (ADPF 797) e o PSB (ADPF 799) sustentaram que a lei é incompatível com a nova ordem instaurada a partir de 1988, pois o texto constitucional sequer menciona a existência de crime contra a segurança nacional, limitando-se a penalizar ações de grupos armados contra a ordem constitucional e que tenham como objetivo alterar à força a atual configuração do Estado.
Todas estas ações estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes e ainda sem data para julgamento.