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Nancy condena empresa de ônibus por assédio sexual de terceiro; Buzzi pede vista

Tema está em julgamento na 2ª seção do STJ.

9/9/2020

Empresa de ônibus tem o dever de indenizar passageira que sofreu assédio sexual no interior do veículo, praticado por outro passageiro? A tormentosa questão – que diz respeito a um dos temas mais sensíveis na seara do Direito Privado brasileiro – está em julgamento na 2ª seção do STJ.

A empresa recorre de decisão que a condenou ao pagamento de indenização de R$ 3 mil, alegando ausência de responsabilidade por ocorrência de força maior, e afirma que tomou as medidas para cessar qualquer incômodo sofrido pela mulher.

Nesta quarta-feira, 9, a ministra Nancy Andrighi, relatora, reiterou posição já externada em julgada na 3ª turma, quando o colegiado condenou a CPTM a indenizar passageira que sofreu assédio sexual no vagão.

Conforme S. Exa., o STJ em diversas ocasiões se manifestou sobre a caracterização do fato exclusivo de terceiro como excludente de responsabilidade do transportador, quando verificado que a conduta não guarda conexidade com a atividade do transporte.

Por outro lado, prosseguiu, constatado que, apesar de ter sido causado por terceiro, o dano enquadra-se dentro dos limites do risco inerente ao transporte, “a jurisprudência é firme no sentido de não afastar a responsabilidade do transportador”.

O fato de terceiro, hora se equipara ao fortuito externo, hora se insere dentro dos riscos inerentes à prestação do serviço, caracterizando fortuito interno e atraindo a responsabilidade da empresa de transporte. A análise é casuística.”

Ao tratar do dano sofrido pelo assédio sexual, ministra Nancy lembrou que para além de um problema do transporte coletivo, “a questão relativa à violação da liberdade sexual de mulheres em espaço público, trata-se preponderantemente cultural”.

Em uma sociedade patriarcal, como a brasileira, a transição da mulher da esfera privada, isto é, doméstica, para a esfera pública, espaço de atuação do homem, revela e dá visibilidade à histórica desigualdade de gênero existente entre as relações sociais.”

S. Exa. tratou, no voto, do caráter opressivo dos papeis sociais, e como atos de caráter sexual ou sensual, alheios à vontade da pessoa a quem se dirige – como cantadas, gestos obscenos, olhares, toque não consentidos, entre outros – “revelam manifestações de poder do homem sobre a mulher, mediante a objetificação de seus corpos”.

É inegável que a vítima do assédio sexual sofre evidente abalo em sua incolumidade físico-psíquica, cujos danos devem ser reparados pela prestadora do serviço de transporte de passageiros.”

Segundo Nancy, mais do que um simples cenário ou ocasião, o transporte público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual.

Em tal contexto, a ocorrência destes fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação de serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade, a qual todos os passageiros, mas especialmente as mulheres, tornam-se vítimas.

Nancy citou a responsabilidade dos julgadores dentro deste contexto, citando fala externada no julgamento turmário:

É papel do julgador, sempre com o olhar cuidadoso, tratar do abalo psíquico decorrente de experiências traumáticas ocorridas durante o contrato de transporte. (...) O momento é de reflexão, pois não se pode deixar de ouvir o grito por socorro das mulheres, vítimas costumeiras dessa prática odiosa, que poderá no futuro ser compartilhada pelos próprios homens, também objetos potenciais de prática de assédio.”

Dessa forma, entendendo que a ocorrência do assédio guarda conexidade com a atividade de transporte, caracterizando caso de fortuito interno, a empresa de ônibus deve responder objetivamente, concluiu a relatora.

Após o voto, ministro Marco Buzzi pediu vista. Antes disso, ministro Luis Felipe Salomão elogiou a “força” do voto da relatora, que os deixou “sensibilizados”.

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