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MP 966: Barroso fixa critérios para responsabilidade de agentes públicos na pandemia

Relator assevera que autoridades devem atuar com base em critérios científicos atestados por associações competentes, sejam nacionais, sejam internacionais.

20/5/2020

Nesta quarta-feira, 20, o plenário do STF deu início ao julgamento de sete ações contra a MP 966/20, que restringe a possibilidade de responsabilização dos agentes públicos durante a pandemia da covid-19. 

 

A sessão de hoje contou com as sustentações orais e o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que fixou critérios para a responsabilização dos agentes públicos. O relator votou no sentido de dar interpretação conforme à Constituição para estabelecer que:

 

1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado por inobservância:

 

(i) de normas e critérios científicos e técnicos; 

(ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.

 

2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente:

 

(i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias, internacional e nacionalmente reconhecidas; e

(ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.

 

Entenda

As ações foram ajuizadas pela Rede Sustentabilidade, pelo Cidadania, pelo Partido Socialismo e Liberdade, pelo Partido Comunista do Brasil, pela Associação Brasileira de Imprensa, pelo Partido Democrático Trabalhista e pelo Partido Verde.

Os partidos e a ABI mostraram preocupação com os critérios de “blindagem” contidos na norma, que poderiam implicar a anistia ou o salvo-conduto a toda e qualquer atuação estatal desprovida de dolo ou erro grosseiro.

Relator

Ao iniciar seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso rejeitou o argumento de inconstitucionalidade formal da MP por ausência de necessidade e urgência, ao ressaltar o grave momento do coronavírus no Brasil.

Posteriormente, Barroso chamou atenção para os números desta pandemia, "são estarrecedores", disse - 5 milhões de casos no mundo; 271 mil casos no Brasil e mais de 18 mil mortes por covid-19 no Brasil.

O relator explicou que a crise do coronavírus é uma crise é de múltiplas dimensões: sanitárias, econômica, social e fiscal. Para Barroso, todas as dimensões são dramáticas frente aos números de desempregos, mortes e casos de coronavírus. 

O ministro destacou as polêmicas envoltas no tema do coronavírus no Brasil: (i) a tensão entre o isolamento social e retomada da economia - "É um paradoxo cruel", afirmou - (ii) a utilização de determinados medicamentos em que a eficácia ainda é controvertida. Qual foi, então, a finalidade da MP no meio deste cenário?, questinou o relator. Foi, em teoria, dar segurança aos agentes públicos, minimizando suas responsabilidades no enfrentamento da doença.

Segundo o entedimento de Barroso, no entanto, a medida não eleva a segurança dos agentes públicos e também passou a impressão de que se estava querendo proteger coisas erradas.

O ministro afirmou que a jurisprudência do STF, em matéria de saúde, vida e meio ambiente, se move por dois parâmetros: (i) a observação de standards, pareceres técnicos e evidências científicas sobre os temas e (ii) princípios da prevenção e precaução.

Ao aplicar tais parâmetros ao caso, Barroso entendeu, em juízo cautelar, que não há nada intrinsicamente errado no texto. O problema, segundo o ministro, estará na qualificação do que seja "erro grosseiro", previsto no arts. 1º e 2º da MP.

Assim, votou por dar interpretação conforme à Constituição no sentido de configurar erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.

Além disso, Barroso também propôs que a autoridade a quem compete decidir, deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecido por organizações e entidades médicas e sanitárias e da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.

"A não exigência de tais elementos torna a autoridade corresponsável pelos danos decorrentes da decisão, por faltar com dever de diligência imprescindível a lidar com bens de tamanha relevância."

Sustentações orais

Na tarde de hoje foram feitas as sustentações orais. Pela Rede Sustentabilidade, o advogado Bruno Gonçalves disse que a referida MP tem ganhado o apelido de "MP da impunidade", dizendo que a norma extermina a responsabilidade dos agentes públicos. Segundo o causídico, não se pode cogitar que uma lei ordinária, editada unilateralmente pelo Executivo, restrinja previsão constitucional que tem por objetivo a responsabilização daqueles que cometeram erros. Assim, o partido pediu a suspensão de todos os dispositivos normativos questionados.

Pelo PSOL, o advogado André Maimoni afirmou que, além da falta de responsabilização por atos previstos na MP, os agentes públicos deixarão de ser responsabilizados em razão das omissões. "O cuidado do Estado deve ser maior", defendeu o causídico ao enfatizar o momento pandêmico. Essa medida, segundo ele, afeta todo o arcabouço relativo à responsabilização do Estado. Ao afirmar que não é momento da flexibilização das regras, o causídico pediu a suspensão da medida.

O advogado Paulo Guimarães, representando o Partido Comunista do Brasil, afirmou que a MP 966 agrava o cenário brasileiro em meio a pandemia. Para o causídico, parece que a medida foi "encomendada" para livrar a responsabilidade dos agentes públicos, ao defender que não há urgência ou relevância para ter havido a edição da norma. Por fim, pediu o deferimento da cautelar para suspender a medida provisória. 

Pelo Partido Democrático Trabalhista, o advogado Lucas Rivas afirmou que a MP não atendeu aos requisitos mínimos e não tem a densidade suficiente de uma norma. As previsões da medida, segundo ele, "são extremamente vagas". O advogado defende que não se pode excluir a responsabilidade pela "culpa leve" ou a "culpa grave" dos agentes públicos, pois gera efeitos deletérios para a sociedade. Pediu, então, a suspensão da medida. 

O advogado Jean Silva, pelo Partido Verde, explicou que MP excluiu a responsabilização do agente público em caso de culpa, o que confronta a CF, pois tal previsão está expressa no texto constitucional. Além disso, segundo o causídico, não houve urgência ou relevância para o Executivo ter editado a norma. O deferimento da medida cautelar é a medida que se impõe, segundo o entendimento do advogado.

O AGU José Levi, por outro lado, defendeu que há, sim, relevância e urgência para a edição da MP, levando em conta o grave momento do coronavírus no país. Além disso, o AGU afirmou que a norma não obsta a responsabilidade do Estado e explicou que a esfera criminal não é objeto da MP, pois as responsabilidades previstas são referentes às esferas civil e administrativa. "A MP 966 vem ao encontro do bom gestor de políticas públicas", disse. Por todo o exposto, o AGU pediu que a medida não seja suspensa e que seja considerada constitucional.  

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