Migalhas Quentes

Abordando o aborto

Juristas renomados ampliam debate do tema

15/12/2003

 

Abordando o aborto

 

O debate sobre as vicissitudes legais que tratam do aborto no Brasil, repercute entre grandes nomes do quadro jurídico nacional. Ives Gandra da Silva Martins, Saulo Ramos e Alexandre Thiollier apresentam seus argumentos e análises do tema. Confira:

 

Ives Gandra da Silva Martins

"Meu caríssimo amigo, poeta, advogado e jurista Saulo Ramos deu um carinhoso peteleco em meus argumentos contra a pena de morte do nascituro (Migalhas 827 – 12/12/03 – Abordando o aborto). Devolvo afetuoso piparote em seus argumentos, que não resistem, nada obstante vindos de quem vêm -um dos grandes nomes do direito pátrio-, a um exame profundo, a saber: 1) ao dizer que a liberdade, assegurada pela lei maior, não permitiria que ninguém fosse preso, esqueceu-se de dizer que é a própria Constituição que permite a prisão, em determinadas circunstâncias, como meio de proteção da sociedade, sendo a maioria dos parágrafos do artigo 5º dedicados à garantia do acusado criminalmente; 2) esqueceu-se, também, de que, em relação ao aborto, nenhum dispositivo constitucional o permite; 3) olvidou-se do parágrafo 2º do artigo 5º, que torna cláusula pétrea os direitos fundamentais consagrados em tratados assinados pelo Brasil, e de que, de acordo com o Pacto de São José da Costa Rica, firmado pelo nosso país, a vida é assegurada desde a concepção, o que vale dizer que não se permite o aborto; 4) esqueceu-se, também, de que o aborto é um homicídio uterino, e não uma mera e singela "interrupção da gravidez", sem conseqüências vitais para o outro ser humano; 5) por fim, no caso do aborto praticado quando é necessário escolher entre salvar a vida da mãe e a do nascituro -hipótese, hoje, em face do avanço da medicina, cada vez mais rara-, não poucas vezes a opção pode implicar a desistência de salvar outra vida, como no caso do capitão de um navio naufragado que só possa colocar em botes salva-vidas um determinado número de passageiros, e não todos, por segurança. Não é o caso do aborto por estupro, em que, por mais doloroso que seja o episódio, não se pode sacrificar a vida de um ser humano para evitar traumas maternos. Se a mãe não desejar ficar com a criança posteriormente, há inúmeras instituições que poderão recebê-la, conhecendo eu alguma delas. O certo é que o meu grande amigo e excelente jurista talvez tenha sido influenciado por um movimento crescente de defensores de direitos humanos que entendem que uma das formas de defendê-los é matar seres humanos no ventre materno."

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Saulo Ramos

"Ives Gandra Martins emocionou-se com minha resposta ao seu artigo "Aborto, uma questão constitucional" e anteontem, aqui no "Painel do Leitor", lembrou-me de que a Constituição não autoriza o aborto. É verdade: a autorização está na lei ordinária. Recorda ainda que "esqueci" o parágrafo 2º do artigo 5º, que torna cláusula pétrea o direito consagrado em tratados assinados pelo Brasil. Não é bem assim: aquele dispositivo não exclui princípios dos tratados internacionais em que o país tenha sido parte, mas não os torna cláusula pétrea. Entre nós, os tratados e acordos internacionais têm força de lei ordinária e por outra lei de igual hierarquia podem ser alterados ("Comentários à Constituição do Brasil", Celso Bastos e Ives Gandra Martins, 2º volume, pág. 396). Do contrário, teríamos reformas constitucionais elaboradas pelo Itamaraty e aprovadas pelo Congresso por maioria simples, o que seria grave lesão ao processo de emenda à Constituição, submetido a quórum qualificado e a dois turnos de votação em ambas as Casas do nosso Parlamento. Meu querido amigo, diante do dilema do médico que tem de escolher entre a vida da mãe e a do nascituro, compara a situação à do capitão do navio naufragado que tem de escolher as pessoas que deve colocar num bote salva-vidas. A comparação não me parece muito feliz, mas mostra que o companheiro Lula faz escola até entre os mais eruditos juristas. Finalmente, Ives, em sua fantástica formação humana, carregada de generosidade, disse que os filhos de estupros devem nascer e ser encaminhados a instituição que possa recebê-los -e que ele próprio conhece uma delas. Nada tenho a censurar no argumento, mas ele não é jurídico: é apenas piedoso. E somente serve para São Paulo e outras capitais, pois não funciona nos "brasis deste mundo afora". Ao supor que eu esteja influenciado por movimentos de defensores de direitos humanos, admite que este nosso pequeno contraditório extrapolou os limites da ciência constitucional e deságua numa infindável controvérsia filosófica, incabível na interpretação do direito vigente em nosso país. A realidade social, entre nós, é outra e duramente cruel quando se trata de violência, sobretudo contra a mulher, nos casos de estupros e atentados violentos ao pudor. Ao Ives, também poeta, merecem ser dedicados os versos de Vinicius: "Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver!"."

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Ives Gandra da Silva Martins

"Um último esclarecimento em relação à carta de Saulo Ramos, publicada ontem, sobre nossas divergências jurídicas a respeito do aborto, que, aliás, estão entre as poucas que mantivemos em mais de 40 anos de sólida amizade. Realmente, os tratados internacionais, no Brasil, têm nível de lei ordinária, como há referência nos comentários que elaborei com Celso Bastos à Constituição ou como escrevi no livro "Tributação no Mercosul". A única exceção diz respeito aos tratados sobre direitos fundamentais, assinados até 5/10/88, que, por força do parágrafo 2º do artigo 5º da Lei Suprema, foram constitucionalizados como cláusulas pétreas. A "Declaração Universal dos Direitos Humanos", de 1948, e o Pacto de São José, de 1970, estão entre eles. E paro por aqui para que Saulo e eu não ultrapassemos os limites da paciência do jornal e de seus leitores."

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Alexandre Thiollier

“Muito propícia a controvérsia sobre a incostitucionalidade do art. 128 do Código Penal, patrocinada pelos amigos Saulo Ramos e Ives Gandra Martins. Alinharia ainda outro argumento à constitucionalidade do art. 128 do Código Penal : a existência no país da pena de morte nos termos do inciso XLVII do art. 5º combinado com o inciso XIX do art. 84, ambos da Constituição dita Cidadã (em caso de guerra declarada). Ocorre que dessa polêmica aflora outra questão que merece ser melhor estudada, porque o direito à vida é supraconstitucional, direito absoluto inquestionável, cedendo apenas quando em confronto com outros direitos absolutos, salvar a vida da gestante ou evitar a vida não consentida (estupro). Assim sendo, inconstitucional seria isto sim proibir-se o cidadão de se defender contra ameaça ao direito de viver, ainda que para tanto tenha que portar arma de fogo, nos limites impostos pela lei. Esta norma infraconstitucional, por sua vez, deveria obedecer ao imperativo da Carta, regulamentando, e não restringindo, a possibilidade de defesa do direito de viver, até porque notório, absolutamente manifesto que o Estado não está preparado para garantir a todos, a qualquer hora ou em qualquer lugar, o direito à vida, ainda que o ofensor seja um jaguar, uma onça-pintada ou um jacaré-de-papo-amarelo ...”

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“Concordo plenamente com o nosso ilustre colega Dr. Alexandre Thiollier. A proibição ao porte de arma só é aceitável em países como a Suécia, Finlândia, Dinamarca e afins. No Brasil, infelizmente, ainda precisamos ter como nos defender sem contar com o Poder Público, que no mais das vezes, não só tarda como falha. Aliás, muito nos espanta constatar que os antigos guerrilheiros da época do regime militar, que usaram e abusaram das armas de fogo quando lhes convinha, agoram queiram bani-las...” Ricardo Salles

 

 

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"Sobre a questão do 'aborto legal' - Aborto “legal” é crime!  - (só Deus dá a vida e só Ele pode tirar)

 

"Para o pensamento mágico, a natureza é um organismo vivo, dotado de inteligência e de consciência. O postulado fundamental do pensamento mágico é o da interdependência universal: a Natureza não pode ser concebida fora de suas relações com o homem. Tudo é signo, traço, assinatura, símbolo." Basarab Nicolascu

 

Penso que sobre o aborto “legal”, podem ser aplicados analogicamente os mesmos questionamentos e exercícios de dialética sobre a eutanásia. Defendo, humildemente, a conclusão final, o homem não pode brincar de deus, a vida é um Dom Divino, se pertence a Ele o sopro da existência, só essa mesma energia cósmica, pode inspirá-la, no dia em que tivermos que voltar à Casa do Pai!

 

Eutanásia

 

Doutrina médico-jurídica alvo de controvérsia em muitos países, a eutanásia é uma questão das mais polêmicas no que se refere ao tratamento de doentes terminais sujeitos a dores incontroláveis ou que se mantêm vivos artificialmente, sem atividade cerebral. O termo eutanásia designa a prática pela qual se abrevia, deliberadamente e sem sofrimento, a vida de uma pessoa acometida de enfermidade dolorosa e sem esperança de cura, por decisão do próprio paciente ou seus parentes. Pode-se afirmar, sem maiores riscos, que a eutanásia é prática tão antiga quanto a vida em sociedade. Desde tempos imemoriais ela vem sendo utilizada em comunidades tão distintas quanto a dos esquimós do Alasca e dos índios brasileiros. Na Grécia antiga, a “morte serena” era advogada tanto por Platão quanto por Sócrates, que já se ocupavam das implicações morais da eutanásia. Na atualidade, ela é prática aceita em alguns países, enquanto que em outros países é virtualmente equiparada ao homicídio. Subjacente a isto está um problema ético: “a vida é a última coisa que o homem deseja perder e o direito à vida é universalmente reconhecido.” Argumento análogo pode ser usado pelos partidários da eutanásia: “o direito à liberdade inclui o direito de decidir sobre a própria vida entre uma lenta e dolorosa agonia.” Não obstante essa milenar prática, e ainda a quantidade de obras escritas sobre eutanásia, seja em seu favor seja em oposição a ela, nunca se encontrou uma fórmula interpretativa conciliatória sobre o tema junto à comunidade jurídica, filosófica ou mesmo médica.

Enfim, é uma questão muito polêmica e complexa, que infelizmente ou felizmente está longe de encontrar um consenso. Nos anos que virão, a admissão e seus limites serão certamente debatidos, ainda com maior profundidade por juristas, teólogos, filósofos e médicos. Por outro lado, quando se cogita de temas tão controvertidos, feito o presente, nenhum dos argumentos que se advogue, pode ser vitorioso, frente as lições da Doutrina Divina, de que: A vida é um dom divino, e assim sendo, só a Deus compete os seus mistérios e desígnios! No mesmo diapasão, são as conclusões de Costa de Beuaregard, respondendo à Michel Random, sobre o futuro das ciências e seus valores éticos, ... ao soar: " A ciência certamente pode servir para muitas coisas se não abusarmos dela. Não podemos fazer o que quisermos com a ciência: fabricar bombas atômicas não é um bom uso da física nuclear. É muito bom ter conhecimentos e conhecimentos bem amplos, mas isso não dispensa a necessidade de usá-los de maneira ética. Dito isso, o futuro será o que fizermos dele. Se os homens se tornarem loucos e começarem a fazer guerras de maneira insensata, a assassinar, a agir com violência e cometer mil outras coisas insensatas, há o risco de acabar mal. Mas se quisermos nos esforçar para sermos razoáveis e ético, se pensarmos no que fazemos e pensarmos em fazer o bem em vez do mal, as coisas devem se dirigir para o lado bom. Eis que o penso. Reindagando, Michel Random: Em outras palavras: ciência de todos os perigos, mas um pouco de consciência para nos salvar! Resposta final: Costa de Beauregard: Sim, muita consciência! (O Pensamento Transdisciplinar e o Real - Michel Random - ED. Triom)" Cleanto Farina Weidlich – advogado e professor em Carazinho/RS

 

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