Um laboratório deve indenizar por efeito colateral de medicamento para tratar mal de Parkinson que levou a paciente a ter compulsão por jogos. A 3ª turma do STJ, em sessão nesta terça-feira, 5, afastou a culpa concorrente da vítima, advogada já falecida.
Na origem, a autora narrou que, em decorrência do medicamento que tomava para tratar a doença, desenvolveu compulsão por jogos e tal fato levou à dilapidação de seu patrimônio em cerca de 75%, amealhado com o trabalho na advocacia. A autora faleceu em 2018 e o espólio segue na ação.
A ação foi julgada improcedente em 1º grau, mas o TJ/RS deu parcial provimento à apelação da autora, fixando culpa concorrente entre ela e o laboratório, e concedendo dano moral de R$ 20 mil.
Responsabilidade objetiva
A relatora dos recursos interpostos, ministra Nancy Andrighi, de início lamentou profundamente que a vítima, parte no processo, não tenha podido ver seu processo julgado em vida. Ao tratar da responsabilidade civil do laboratório, S. Exa. ponderou que a OMS classifica o jogo patológico como doença e no CID 10 a patologia está inserida no capítulo dos transtornos mentais.
Nancy afirmou que o fato do uso de um medicamento causar efeito colateral ou reação adversa por si só não caracteriza defeito do produto, se o consumidor for prévia e devidamente informado acerca do risco.
Contudo, prosseguiu, o laboratório reconheceu que não constava na bula do remédio a possibilidade de dependência compulsiva por jogos, o que só veio a acontecer posteriormente, alegando demora no processo de atualização do documento.
“Não pode o fabricante se aproveitar da tramitação administrativa do pedido de atualização da bula na Anvisa para se eximir do dever de dar amplo conhecimento ao público, por qualquer outro meio de comunicação, dos riscos inerentes ao uso do remédio que fez circular no mercado consumidor.”
Conforme a relatora, o desconhecimento quanto à possibilidade de desenvolvimento do jogo patológico subtrai da paciente a capacidade de relacionar o transtorno imediato com o efeito anormal e imprevisível. Dessa forma, Nancy concluiu que, seja pela falha no dever de informar ou pelo risco do desenvolvimento, ficou caracterizada a responsabilidade objetiva do laboratório.
No que concerne à culpa concorrente, S. Exa. lembrou que em nenhum momento é imputado à paciente o comportamento de ingerir por conta própria dosagem superior à recomendada pelo laboratório ou prescrita por sua própria médica, e portanto, não se sustenta o fundamento do acórdão recorrido para reconhecer a culpa concorrente, de modo que o laboratório deve responder integralmente pelo evento danoso.
O valor do dano moral foi majorado para R$ 30 mil, após ponderações dos colegas da turma. A decisão foi unânime.
- Processo: REsp 1.774.372