Migalhas Quentes

Entidades criminais são contra mudança na lei penal para criar regime de segurança máxima

PL 7.223/06 altera Lei de Execução Penal.

6/12/2018

Diversas organizações ligadas às ciências criminais, à defesa dos Direitos Humanos e da democracia assinaram uma nota na qual se manifestam contrariamente ao PL 7.223/06, que altera a Lei de Execução Penal e propõe a criação do regime disciplinar de segurança máxima.

No texto, as entidades afirmam que o projeto traz providências de máxima relevância para o sistema prisional brasileiro e sua execução penal, no entanto, apresenta "uma série de problemas, alguns vícios legislativos de ordem constitucional, outros de política criminal, além de itens que restaram desatualizados pelo tempo de trâmite do projeto".

De acordo com as organizações, o projeto prevê um regime disciplinar menos grave que o regime disciplinar diferenciado – RDD, mas com normas que contrariam ainda mais a Constituição e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a limitação de entrevista com advogados a uma vez por mês; sendo o principal inconveniente da proposta, segundo as entidades, a radical mudança no tempo de cumprimento de pena para a progressão de regime e para o livramento condicional.

Para as entidades, a mudança prevista na matéria tem como base análises equivocadas sobre o sistema penal.

As entidades que assinam a nota são: o IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Conectas Direitos Humanos, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Instituto Pro Bono, o Instituto Sou da Paz, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC, a Associação Juízes para a Democracia, a Justiça Global, o Núcleo Especializado de Situação Carcerária – NESC e a Pastoral Carcerária Nacional.

Confira a íntegra da nota:

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Nota: Projeto de Lei 7.223/2006

O Projeto de Lei 7.223/2006 trata de uma série de matérias da execução penal. O projeto tem como temática central a criação do regime disciplinar de segurança máxima e dá outras providências, contudo tais providências são da máxima relevância para o sistema prisional brasileiro e sua execução penal.

O projeto traz uma série de problemas, alguns vícios legislativos de ordem constitucional, outros de política criminal, além de itens que restaram desatualizados pelo tempo de trâmite do projeto. 

Com efeito, o projeto de 2006 traz elementos que já foram incorporados pela nossa legislação, como a previsão de falta grave para a posse de telefone celular no presídio, já presente na Lei de Execução Penal desde 2007. 

O regime disciplinar de segurança máxima igualmente parece ter sido superado pelo tempo. A Lei de Execução Penal possui desde 2003 o regime disciplinar diferenciado, que em 2006 ainda era incipiente, mas atualmente é usado em larga escala. Somente no Estado de São Paulo 91 pessoas estão cumprindo pena em tal regime. Assim, não parece oportuna a previsão de outro regime disciplinar com propósitos similares.

Ademais, o próprio regime disciplinar diferenciado encontra questionamentos de toda ordem, especialmente em relação ao seu contraste com os direitos fundamentais trazidos pela Constituição de 1988. Não é por acaso que tramita no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela OAB que caracteriza o RDD como pena cruel e relata uma série de outras incompatibilidades com a Constituição de 1988. No mesmo sentido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou no sentido da incompatibilidade de regimes de exceção, como o RDD, com as previsões da Convenção Americana de Direitos Humanos e, em visita ao Brasil no mês passado, reiterou a preocupação com o tema em seu relatório de observações preliminares. 

O projeto em tela, por sua vez, prevê um regime disciplinar menos grave que o RDD, mas com normas que contrariam ainda mais a Constituição e os Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a limitação de entrevista com advogados a uma vez por mês.

Contudo, o principal inconveniente do projeto é sua radical mudança no tempo de cumprimento de pena para a progressão de regime e para o livramento condicional. O projeto aumenta radicalmente os prazos atualmente existentes: de 1/6 (16,7%) para 20, 30, 45, 50 ou 75%, a depender do tipo de condenação. De maneira simplista, o livramento condicional, poderia ser concedido depois de cumprido 15 pontos percentuais a mais que o necessário para a progressão de regime. 

Essa mudança proposta pelo projeto é da mais alta relevância e tem como base duas análises equivocadas sobre o sistema penal. A primeira é que toma como base que os lapsos atuais seriam muito brandos. Não é verdade. Para os crimes não hediondos, o lapso é de 1/6, para os hediondos de 2/5, se primário, e 3/5, se reincidente. Porém, na realidade da execução penal brasileira essas frações não são observadas e as pessoas apenas obtém tais direitos quase no fim de suas penas em outra violação à Constituição Federal, no caso à garantia da individualização da pena. 

A lentidão da vara de execução penal do Rio de Janeiro, por exemplo, motivou a Defensoria Pública local a impetrar mais de 5 mil habeas corpus em dezembro de 2015, todos motivados pela lentidão na análise dos pedidos com consequências reais para o direito de liberdade de seus defendidos. Por sua vez, a Min. Cármen Lúcia classificou como “limbo burocrático” a demora na análise dos pedidos em execução penal. No julgamento do HC 115.254/SP, a ministra menciona pesquisa feita em três Estados do Brasil, segundo a qual a média para reconhecimento da progressão de regime é de um ano e meio. No Estado de São Paulo, por sua vez, dados levantados pela Defensoria Pública paulista apontam demora de aproximadamente seis meses para a autuação de uma guia de execução, ou seja, para o início de um processo de execução penal. 

Na prática, portanto, a aprovação do projeto impedirá a progressão de regime e livramento condicional da imensa maioria dos presos do país. Se com a atual legislação apenas no final de sua pena as pessoas conseguem a progressão de regime, com a aprovação do projeto ela poderá acabar na prática.

A segunda análise equivocada que norteia o projeto é que não leva em consideração as drásticas consequências do projeto em termos de encarceramento. O sistema prisional brasileiro teve um aumento populacional de 575% nas duas últimas décadas. A falta de vagas supera 200 mil. As condições de aprisionamento envergonham o Brasil no cenário internacional de Direitos Humanos e custa milhares de vidas anualmente. Somos o terceiro país que mais prende no mundo – atualmente são aproximadamente 740 mil pessoas presas – e, apenas no ano de 2017 no Estado de São Paulo, ocorreram 532 mortes, sendo 29 suicídios, conforme informações oficiais da própria Secretaria de Administração Penitenciária. 

O projeto de lei em tela, portanto, não só inviabiliza qualquer solução racional para a crise prisional brasileira, senão que o agrava de tal modo que as consequências humanas serão rapidamente perceptíveis nas telas dos noticiários. Assim, o projeto traz inoportunas inovações à execução penal brasileira que terá drásticas consequências para a vida de milhares de pessoas. Importante destacar que a barbárie afeta não somente as pessoas presas e seus familiares, mas também os trabalhadores do sistema prisional e seus familiares, assim como a sociedade em geral que sofre com os problemas concretos de projetos de lei elaborados na contramão de décadas de estudos científicos e que não diminuem a violência, pelo contrário, paradoxalmente a reforçam.

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