A 3ª turma do STJ em julgamento na manhã desta terça-feira, 15, fixou entendimento inédito para garantir que a CPTM indenize uma passageira que sofreu assédio sexual em vagão. O valor fixado foi de R$ 20 mil.
O caso julgado foi da ministra Nancy Andrighi, relatora, que buscou informações e descobriu o aumento vertiginoso desse tipo de ocorrência no transporte público e, especialmente, na estação de Guaianazes, em SP, local em que ocorreu o fato.
A jovem sofreu assédio enquanto usava o transporte no horário das 18h. No interior do vagão, um homem se postou atrás, esfregando-se na região das nádegas da mulher, tocando-a várias vezes; ao se queixar com o agressor, viu que ele estava com o órgão genital ereto. A vítima narra que foi hostilizada pelos demais passageiros, que lhe chamaram de "sapatão".
"Passo firme e corajoso"
Lembrando que toda a jurisprudência diverge da responsabilização objetiva, a ministra Nancy, com emoção, asseverou que o fato realizado por terceiro é conexo com as atividades prestadas pela transportadora e assim é caso fortuito interno, sem exclusão da responsabilidade do prestador de serviços.
"Os atos de caráter sexual ou sensual alheios à vontade da pessoa, como cantada, gestos obscenos, olhares, toques, revelam manifestações de poder do homem sobre a mulher mediante a objetificação do seu corpo."
A ministra mencionou doutrina no sentido de que, para além de um problema do transporte coletivo, a questão da liberdade sexual das mulheres nos espaços públicos é um problema cultural, e que na sociedade patriarcal como a brasileira, a transição da mulher para o espaço do homem revela e dá visibilidade à histórica desigualdade de gênero.
"É inegável que a vítima do assédio sexual sofre evidente abalo em sua incolumidade físico-psíquica, cujos danos devem ser reparados pela prestadora de serviços dos passageiros. O agressor tocou a vítima, de maneira maliciosa, por inúmeras vezes.
O ciclo histórico que estamos presenciando exige um passo firme e corajoso, muitas vezes contra uma doutrina e uma jurisprudência consolidadas. É papel do julgador, sempre com o olhar cuidadoso, tratar do abalo psíquico decorrente de experiências traumáticas ocorridas durante o contrato de transporte."
Para Nancy, é chegada a hora de questionar a jurisprudência, inclusive a sumulada.
"O momento é de reflexão, pois não se pode deixar de ouvir o grito por socorro das mulheres, vítimas costumeiras dessa prática odiosa, que poderá no futuro ser compartilhada pelos próprios homens, também objetos potenciais de prática de assédio.Resta evidente que ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade física e psíquica daquele que é passageiro de um serviço de transporte de pessoas."
Afirmando que a CPTM, a despeito do aumento do número de casos do tipo, nada mais fez para evitar que os fatos ocorram, e que há uma plêiade de ações que podem reduzir a ocorrência desse evento ultrajante, Nancy disse que a ocorrência do assédio sexual guarda conexidade com os serviços prestados pela CPTM e a transportadora permanece objetivamente responsável pelos danos causados à recorrente.
Pedindo desculpas pela emoção, e novamente afirmando que o fato "viola os princípios que temos de mais sagrado", fixou a indenização por danos morais em R$ 10 mil, valor aumentado após sugestões dos colegas.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino acompanhou a relatora: "Quando esse fato se torna rotineiro, corriqueiro, realmente se torna necessária maior segurança por parte da prestadora de serviço, o que não está ocorrendo." Sanseverino lembrou precedente da 4ª turma, que não entrou no mérito da indenização, mas assentou a possibilidade da transportadora de passageiros ser acionada na Justiça.
Seguiram também a relatora Moura Ribeiro e o ministro Cueva, tendo este último dito:
"Realmente quando se olha na internet a evolução desse tipo de conduta, é assustador, para que em quatro anos dobrou o número de casos. A cada dois dias, o metrô e a CPTM de SP registram um episódio. Já há esforços para acolher as vítimas, são mulheres em geral, mas há obviamente necessidade de dar um passo adiante. É um desses pontos de virada, de inflexão da jurisprudência, estamos considerando que esse comportamento execrável, esse tipo de ato ilícito tem que ser isolado dos outros e merecer atenção especial e a maneira de se fazer isso é determinando a indenização para que haja um cuidado específico, maior e redobrado pelos transportadores para minorar as possibilidades de que isso venha a ocorrer no futuro."
Ficou vencido o ministro Bellizze, presidente.
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Processo: REsp 1.662.551