A AASP – Associação dos Advogados de São Paulo divulgou, nesta quarta-feira, 25, uma nota pública sobre a prisão após condenação em segunda instância. A entidade ingressou como amicus curiae nas ADCs 43 e 44, que tratam do tema, no Supremo.
No texto, a associação ressalta que o artigo 5ª, LVII, da Constituição Federal relaciona o trânsito em julgado da condenação com a culpa, de acordo com o princípio da presunção de inocência, o que não se coaduna com o cumprimento antecipado da pena.
Na nota, a AASP trata da importância de se respeitar as regras do direito acima das convicções pessoais e ressalta que "o combate à corrupção e à impunidade deve ser implacável, mas não à custa de insegurança jurídica". A associação também saliente que não se pode solucionar a lentidão e até mesmo a ineficácia da Justiça por meio da supressão de direitos e garantias dos cidadãos.
Confira a nota:
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Prisão e Garantias – A Constituição e a Lei
A Associação dos Advogados de São Paulo, nos 75 anos de sua existência, tem seguido fielmente os cânones éticos da Advocacia, defendendo as prerrogativas profissionais, o primado da lei e o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Nessa linha de atuação, habilitou-se como amicus curiae nas hoje famosas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 - nas quais se discute a possibilidade de se proceder à prisão do condenado em segunda instância, antes de ocorrer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, - em 2016, quando o tema ainda não havia tomado as ruas, nem apresentava o viés político que tem despertado paixões e debates candentes. As razões de sua convicção revestem-se de alguma simplicidade.
A Constituição Federal, no artigo 5º, LVII, relaciona o trânsito em julgado da condenação com a culpa, o que se denomina presunção de não culpabilidade, ou estado de inocência. Disso decorre que, antes de condenação definitiva, ninguém pode ser considerado culpado. Essa foi a opção adotada pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988 - e com ela não se coaduna o cumprimento antecipado de pena.
No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 12.403/11 deu ao artigo 283 do Código de Processo Penal a seguinte redação: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. ”. Assim, foi o legislador ordinário ainda mais claro e específico ao determinar que se aguarde o trânsito em julgado para o cumprimento da pena, nos casos em que não se constate a real necessidade de decretação de uma prisão provisória.
Com efeito, o respeito à regra estabelecida pelo legislador não impede que diante do caso concreto o juiz, a qualquer tempo, possa fundamentar a necessidade de prisão preventiva ou de medidas alternativas suficientes à proteção social, sempre nos termos da lei. Desse modo, os direitos fundamentais e a sociedade estarão protegidos.
Todos têm o direito de discordar desse sistema, anotar eventuais vicissitudes e deficiências ou alinhar efeitos inconvenientes que possam produzir, assim como apontar mudanças e aprimoramentos. Debates são sempre saudáveis, legítimos e necessários, especialmente sobre possíveis alterações no quadro normativo. O foro apropriado para definir essas matérias, contudo, é o Congresso Nacional, nos limites da Constituição.
O respeito absoluto às regras do direito acima de convicções pessoais quanto à conveniência de sua alteração, fortalece as instituições, infunde credibilidade às autoridades públicas e afirma a democracia e o Estado de Direito. Não importa que em outros países a sistemática da prisão seja diferente. Fato é que a norma vigente no Brasil, democraticamente escrita, é essa e não outra; e, até que seja modificada legitimamente, o dever de cada brasileiro é velar por sua reta aplicação. Esse é o mandamento fundamental do Estado Democrático de Direito, expresso no artigo 1º da Carta Magna de 1988.
O combate à corrupção e à impunidade deve ser implacável, mas não à custa de insegurança jurídica, de descumprimento do quanto claramente determinam a lei e a Constituição, com efeitos e perigos ainda mais graves e danosos. A AASP propugna, com convicção e serenidade, pela rigorosa observância dos parâmetros do devido processo legal, do direito posto.
Espera-se que o Supremo Tribunal Federal, quando vier a julgar as ADCs 43 e 44 (e eventuais outras, como a recente ADC 54), faça-o imbuído do mesmo espírito, consciente dos limites impostos ao seu sagrado mister, dentre os quais a proibição de legislar.
E mais: não é verdade que se pretenda apenas um novo exame, ainda que cabível e justificável, de temas já enfrentados pelo Plenário do STF. O principal fundamento das ADCs 43 e 44 – a constitucionalidade do artigo 283 do CPP, e sua necessária observância - não foi objeto de deliberação conclusiva nos julgamentos havidos.
A Justiça mostra-se muitas vezes lenta e mesmo ineficaz; é preciso corrigir esse grave problema, dotando-a de meios de agir com rapidez e eficiência. Mas não se pode buscar solução para esse mal com a supressão de direitos e garantias dos cidadãos. A AASP almeja que as ações penais tramitem com presteza dentro da lei, que não se alonguem até a prescrição, e que culminem em punição efetiva sempre que seja esse o caso.
Assim empenhada no propósito de fortalecer o Poder Judiciário, a Associação dos Advogados de São Paulo dirige-se aos que compõem a Advocacia, a Magistratura e o Ministério Público; e a todos conclama a que se pautem, nos respectivos campos de atuação, pelo objetivo de fazer respeitar direitos e garantias, na tarefa de dotar nosso aparato judicial de estrutura capaz de enfrentar a crescente demanda do povo brasileiro pelo saneamento moral das instituições e por mais justiça, sob o império da lei e da Constituição Federal.
Associação dos Advogados de São Paulo – AASP
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