Como se sabe, a sessão de quarta-feira, 21, no plenário do STF, lamentavelmente foi marcada por intensa discussão entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. E não foi a primeira vez que isso aconteceu.
O que se deu, em verdade, foi uma sucessão de fatos. Vejamos.
A Corte discutia a inconstitucionalidade de doação oculta a campanha eleitoral (ADIn 5.394) quando, em seu voto, Gilmar iniciou a série de críticas: ao tribunal, aos ministros, às decisões. Mendes dirigiu duras falas à ministra Cármen e à elaboração de pautas. Ele afirmou que, nas turmas, os HCs são pautados, e que é preciso “reorganizar o hábito de fazer a pauta com o mínimo de veracidade”. Cármen defendeu-se de forma contida.
Ato contínuo, criticou a questão do auxílio-moradia e acabou espirrando no relator, ministro Luiz Fux. O tema, inicialmente pautado para ontem, foi retirado e remetido à Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU para possível acordo. Também sofreado, Fux explicou que as partes acordaram sobre o acordo, de modo que não há o que se falar sobre isso.
Chegou, enfim, à questão eleitoral. Gilmar criticou duramente a decisão do Supremo – tema no qual ficou vencido – do financiamento de campanha eleitoral por empresas privadas. "Ah, não deu pra fazer por reforma, vamos fazer por decisão do Supremo. Devagar a gente chega à proibição de doação de empresas privadas, e aí vão aceitar o voto em lista." "Há limites para a esperteza." E continuou: "quero ver alguém que é capaz de indicar o dispositivo constitucional que a doação de empresas privadas viola."
“Ah, eu quero mudar isto, tenho vocação para a mudança. Ah, eu sou iluminado”, ironizou. “Então mude para o Congresso!” "Nós já temos as mãos queimadas. (...) É preciso que a gente anteveja esse tipo de manobra.”
Foi então o estopim. Ao falar de manobras na votação de determinados processos, o ministro, Gilmar Mendes citou a questão do aborto: processo julgado pela 1ª turma, presidida por Barroso, em que se decidiu descriminalizar a interrupção feita nos três primeiros meses de gravidez, cujo voto vencedor, divergindo do relator Celso, foi justamente o de Barroso. A reação foi explosiva.
"Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. (...) Já ofendeu a presidente, já ofendeu o ministro Fux, agora chegou a mim. A vida para V. Exa. é ofender as pessoas. Não tem nenhuma ideia. (...) V. Exa. nos envergonha, V. Exa é uma desonra para o tribunal."
Interrompendo a manifestação, a presidente da Corte interrompeu a sessão para intervalo. Gilmar rebateu: "Presidente, eu estou com a palavra e continuo! Estou a palavra e continuo!" Cármen insistiu na suspensão.
"Eu continuo com a palavra, presidente. Eu vou recomendar ao ministro Barroso que feche o seu escritório de advocacia."
a.G / d.G
Retomada a sessão, Gilmar concluiu seu voto. O ministro retomou as criticas às questões eleitorais no Supremo. "Autocrítica que fiz e continuarei fazendo, incomode a quem quiser. (...) Nós não falamos com as pessoas, falamos com a história. Estamos tentando chamar atenção para erros que nós mesmos cometemos." Nele, disse que tem ódio mesmo, ódio de quem quer manipular. E disse que, "modéstia às favas", o Direito Constitucional é um antes dele e um depois dele.
"O que eu não quero, e tenho ódio mesmo, é a dissimulação. A tentativa de dizer que no texto constitucional tem algo que não tem."
Após o intervalo, foram 43 minutos de voto até que Gilmar seguisse o relator.
Não é de hoje
A briga foi a segunda protagonizada entre os dois ministros. Em outubro do ano passado, Barroso, no mesmo sentido, afirmou que Gilmar "fica destilando ódio o tempo inteiro, não julga".
Em verdade Mendes tem, a cada dia, elevado um pouco mais o tom crítico, principalmente em relação aos colegas. E não foi hoje que isso começou. Em outras oportunidades, S. Exa. proferiu bravatas ao ministro Lewandowski, ministro Joaquim Barbosa e ministro Marco Aurélio. Em todos os casos, foram ofensas pessoais.
Em 2009, quando era presidente do Supremo, Gilmar Mendes se desentendeu com Joaquim Barbosa. Irritado, Mendes diz que o ministro "não tem condições de dar lição a ninguém". Ele, por sua vez, pede respeito e ataca: "V. Exa. está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro". E continua: "V. Exa. quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso".
Em novembro de 2016, a troca de farpas se deu depois da conclusão do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Eles bateram boca depois que Mendes criticou a votação fatiada no Senado, chamando o formato de “no mínimo bizarro”. Lewandowski rebateu, falando da forma como Gilmar se manifesta nos jornais: “uma atitude, a meu ver, absolutamente incompatível”. Gilmar retrucou que fala aos jornais para “reparar os absurdos” cometidos. “Absurdos, não!”, reagiu o então presidente da Corte. "V. Exa retire o que disse. V. Exa está faltando com o decoro, não é de hoje! V. Exa., por favor, me esqueça!”
Mas essa não foi a única desavença entre os dois. Em dezembro de 2015, os ministros também trocaram farpas.
Em dezembro de 2016, perguntado pelo blog do Moreno sobre a decisão de Marco Aurélio de afastar Renan Calheiros do Senado, Gilmar Mendes teria respondido que era caso de reconhecimento de inimputabilidade ou de impeachment de Mello.
"No Nordeste se diz que não se corre atrás de doido porque não se sabe para onde ele vai."
Mendes chegou a chamar de "indecente" a decisão de Marco Aurélio e, nesse sentido, advertiu que, se o Tribunal quiser restaurar a decência, teria que derrubar a decisão. "Não se afasta o presidente de um poder por iniciativa individual"
Já em maio de 2017, o mesmo veículo divulgou que, após ler ofício de Marco Aurélio à presidente Cármen Lúcia declarando-se impedido em processo que envolvia clientes de seus parentes, Gilmar teria feito a seguinte declaração: "Os antropólogos, quando forem estudar algumas personalidades da vida pública, terão uma grande surpresa: descobrirão que elas nunca foram grande coisa do ponto de vista ético, moral e intelectual e que essas pessoas ao envelhecerem passaram de velhos a velhacos. Ou seja, envelheceram e envileceram."
Repercussão
Os dois não se pronunciaram após a briga. Houve, por outro lado, reação por parte dos espectadores da Justiça. Em vídeo, o professor e advogado Modesto Carvalhosa diz que "ser brasileiro ao lado de Gilmar Mendes é uma vergonha para todos nós". Assista.
Os sedentos usuários da rede online, como era de se esperar, também não deixaram passar. Veja os memes.