Migalhas Quentes

Um ano após tragédia, instrução pode atrasar processo da Kiss

Até o momento já foram colhidos cerca da 90 depoimentos dos 217 interrogatórios previstos.

27/1/2014

Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, um incêndio na gaúcha Santa Maria adquiriu proporções de calamidade. A destruição da boate Kiss, local onde centenas de universitários se reuniam para um show da banda Gurizada Fandangueira, pôs fim à vida de 242 jovens, feriu mais uma centena e deixou um rastro de tristeza. Entre as vítimas, funcionários do fórum de Santa Maria, bacharéis em Direito, advogados e estudantes de Direito.

Investigações

Ainda na mesma tarde de domingo, 27, o MP/RS analisou a possibilidade de pedir a prisão dos donos da boate e dos integrantes da banda, dentre outras pessoas. Na manhã de segunda-feira, 28/1, um dos proprietários da Kiss e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira foram presos. O segundo sócio da boate se entregou à polícia à tarde, quando houve também a decretação do bloqueio dos bens dos proprietários.

Poucos dias após o fatídico incêndio, as investigações apuravam as responsabilidades dos envolvidos. Os integrantes da banda, os donos da casa noturna e o poder público tiveram suas ações esmiuçadas para a reconstrução da teia de atos que culminou em uma das maiores tragédias brasileiras.

Indiciamento

Em 22 de março de 2013 foi divulgada a conclusão do inquérito policial. 28 pessoas foram apontadas como responsáveis pela tragédia, incluindo o prefeito da cidade e o comandante do Corpo de Bombeiros da região.

Logo depois, em 2 de abril de 2013, o MP denunciou os responsáveis pelo incêndio na boate Kiss. Oito pessoas foram acusadas criminalmente, quatro delas por homicídio doloso qualificado e 636 tentativas de homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho.

Homicídio doloso qualificado: os dois proprietários da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffman, e os dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Elissandro Spohr e Mauro Hoffman, os sócios da Kiss.

Fraude processual: dois bombeiros, o major Gerson da Rosa Pereira e o sargento Renan Severo Berleze. Segundo o inquérito policial, os dois adulteraram o arquivo onde estava guardada a documentação referente à boate Kiss no Corpo de Bombeiros, incluindo laudos técnicos nos dias seguintes ao incêndio.

Falso testemunho: Elton Cristiano Uroda (ex-sócio da Kiss) e Volmir Astor Panzer, contador de um empresa de propriedade da família de Kiko Spohr.

O juiz Ulysses Fonseca Louzada, da 1ª vara Criminal de Santa Maria, aceitou no dia seguinte a denúncia do MP/RS contra os oito envolvidos no incêndio na Boate Kiss.

O MP ofereceu a denúncia com um dia de atraso em relação ao prazo legal. Contudo, Louzada considerou que a extrapolação do prazo, “dadas as peculiaridades do caso concreto, principalmente em razão da extensão do inquérito policial que lastreou a denúncia, afigura-se totalmente razoável”.

Processo

Ao receber a denúncia, o juiz de Direito Ulysses Fonseca Louzada ponderou que “o trabalho do Ministério Público se mostra irrepreensível no que toca à descrição clara e concisa do fato criminoso, justificando a capitulação atribuída a cada um; igualmente, encontram-se perfeitamente qualificados os acusados e apresentado o rol testemunhal e elencadas as provas iniciais a serem produzidas”.

Em razão do grande número de páginas da presente ação - é o maior inquérito policial da história do Estado, com 52 volumes e 13 mil páginas -, as defesas tiveram o prazo ampliado para apresentação da resposta.

Últimos atos do processo

A defesa de Elissandro pediu que todas as vítimas fossem ouvidas e todos os atos processuais realizados a portas fechadas. O juiz Leandro Augusto Sassi, contudo, concluiu que “mesmo que tenham sido verificadas algumas inconsistências na lista de vítimas apresentada pela Acusação, não é necessário designar audiência para ouvida de cada vítima, apenas para certificar sua existência e sua condição de ofendida”.

Ainda, sobre a realização dos atos a portas fechadas, afirmou: “não há razão para o acolhimento, haja vista que as audiências são públicas assim como o processo, pois não há matéria reservada pelo segredo de justiça nesses autos. É verdade que, na seara criminal, muitos parentes e amigos de vítimas, transferem para o próprio defensor do acusado a mágoa e outros sentimentos negativos que nutrem por este. No entanto, tal situação deve ser compreendida pelo profissional, especialmente, no caso em apreço, o qual assumiu grande repercussão e envolve muitas vítimas fatais, bem como incumbe ao julgador tomar todas as providências para garantir que o causídico consiga desempenhar o seu trabalho. E, tais providências, têm se tornado uma preocupação constante ao juiz titular, o qual desde a primeira audiência, ofereceu adequada infraestrutura a todas as partes”.

Nova perícia na boate estava agendada para ontem, mas decisão do último dia 16/1 do juízo de Santa Maria adiou a diligência para que fosse presidida pelo juiz titular da comarca. O Instituto Geral de Perícias do RS aguarda o retorno do magistrado Ulysses Fonseca Louzada para que seja designada nova data.

Depoimentos

Entre os pontos polêmicos do processo, as defesas dos réus sustentam a nulidade das audiências conduzidas por Louzada fora de Santa Maria. Foram realizadas oito audiências em seis municípios, em que foram ouvidos relatos de dez sobreviventes da boate.

Os advogados alegam que o CPP prevê o interrogatório de testemunha residente em outra comarca por meio de videoconferência ou via carta precatória do juiz da comarca onde reside a testemunha. Contudo, o TJ/RS autorizou o juiz titular de Santa Maria a se afastar de sua comarca para comandar a coleta de depoimentos.

Até o momento foram colhidos cerca da 90 depoimentos dos 217 interrogatórios previstos (117 sobreviventes, 71 testemunhas de defesa e 29 peritos).

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