Migalhas Quentes

SBT é condenado por violar direito autoral de programa jornalístico

Jornalista desenvolveu projeto de programa diferenciado que foi usado integralmente pela emissora.

25/5/2013

A 7ª câmara de Direito Privado do TJ/SP manteve sentença determinando que o SBT pague indenização a um jornalista por utilizar projeto jornalístico por ele desenvolvido. O jornalista apresentou o projeto para a emissora, que não demonstrou interesse, mas tempos depois aproveitou integralmente o formato e o cenário da ideia.

O jornalista em 2004 desenvolveu o programa jornalístico 'Jornal-Show', concebido como um jornal ao vivo, com plateia de 30 pessoas, na maioria estudantes de comunicação, para atuar em interação com o âncora, em cenário no formato de semicírculo.

O projeto não foi levado adiante por falta de interesse da emissora, na época. Entretanto, em fevereiro de 2008, teve conhecimento, por matéria publicada em jornal de grande circulação, de que a mesma emissora passaria a veicular o jornal 'Aqui Agora', com plateia de 30 pessoas, colocadas em cenário em forma de semicírculo.

Em 1ª instância o SBT foi condenando a pagar indenização por danos materiais de R$ 720 mil e por danos morais em R$ 30 mil. A emissora recorreu, alegando que a sentença se pautou em presunções e que a defesa do autor não deveria ter sido facilitada, por não se tratar de relação de consumo. Pontuou não haver prova acerca das remunerações e requereu a redução do valor da indenização por danos morais. O jornalista também recorreu da decisão para aumentar os valores de indenização.

A 7ª câmara de Direito Privado decidiu pelo não provimento aos pedidos, mantendo a sentença, que dizia que “não há controvérsia quanto à similitude entre o projeto elaborado pelo autor e o programa veiculado pela ré sob o nome 'Aqui Agora'”.

___________

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

7ª Câmara de Direito Privado Registro: 2013.0000257503

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0026239- 15.2008.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante/apelado TVSBT - CANAL 4 DE SÃO PAULO S/A, é apelado/apelante A.L.N..

ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MIGUEL BRANDI (Presidente) e LUIZ ANTONIO COSTA.

São Paulo, 8 de maio de 2013

RAMON MATEO JÚNIOR

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Voto nº 2070

Apelação nº 0026239-15.2008.8.26.0405

Apelantes e Apelados: TVSBT Canal 4 de São Paulo S/A e A.L.N.

Comarca: Osasco

AÇÃO INDENIZATÓRIA Autor que desenvolveu projeto de programa diferenciado, que não foi levado a diante, por desinteresse da emissora-ré Ciência pelo autor, posteriormente, de que a ré veiculou jornal com a mesma formatação e cenário por ele desenvolvidos Irrecusável similitude entre o projeto idealizado pelo autor e o programa veiculado pela ré Perícia que comprovou elaboração do projeto pelo autor Ônus da prova acerca do recebimento das mensagens que era da ré Utilização do projeto concebido pelo autor sem autorização e sem contraprestação Cabimento da indenização por danos morais e materiais Danos materiais que devem corresponder ao que o autor ganharia com a implementação do projeto, nos termos do documento anexado aos autos Danos morais fixados na sentença, no valor de R$ 30.000,00, que devem ser mantidos Sentença mantida por seus fundamentos Apelos desprovidos.

A.L.N. ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais em face de TVSBT Canal 4 de São Paulo S/A, alegando que em 2004 desenvolveu projeto diferenciado de programa jornalístico, intitulado 'Jornal-Show', concebido como um jornal ao vivo, com plateia de 30 pessoas, na maioria estudantes de comunicação para atuar em interação com o âncora, em cenário no formato de semicírculo. O projeto não foi levado adiante por falta de interesse da emissora ré. Entretanto, em fevereiro de 2008, teve conhecimento, por matéria publicada no jornal Folha de São Paula, de que a emissora ré passaria a veicular o jornal 'Aqui Agora', com plateia de 30 pessoas, colocadas em cenário em forma de semicírculo. Ao assistir ao programa, verificou que a emissora aproveitou integralmente o formato e o cenário por ele desenvolvidos para o projeto apresentado à emissora. Sustenta ter ocorrido por parte da ré violação a direito autoral e requer indenização por danos materiais em valor correspondente à remuneração que receberia caso o projeto tivesse sido implementado com a sua participação e autorização, no montante de R$ 6.720.000,00, mais 5% sobre o faturamento que seria auferido pela ré enquanto em exibição o programa, e indenização por danos morais.

A ação foi julgada parcialmente procedente, nos termos da sentença de fls. 382/292, para: a) condenar a ré a pagar ao autor indenização por danos materiais no valor de R$ 720.000,00; b) condenar a ré a pagar ao autor indenização por danos materiais no valor de 5% do faturamento líquido mensal do departamento de jornalismo, pelo período de 24 meses, a ser calculado em fase de liquidação de sentença, considerando-se o faturamento médio do departamento enquanto mantido no ar o programa 'Aqui Agora', descontado o custo de produção do programa idealizado pelo autor, ou seja, R$ 280.000,00 por mês; c) condenar a ré a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00.

Irresignadas, porém, apelaram as partes. A ré, em seu inconformismo, sustenta que não há provas acerca do recebimento da correspondência eletrônica, bem como que houve pobre instrução do feito, máxime porque a perícia não foi concludente. Acrescenta que a sentença pautou-se por presunções, e que a defesa do autor não deveria ter sido facilitada, por não se tratar de relação de consumo. Pontua não haver prova acerca das remunerações. Eventualmente, requer a redução do valor da indenização por danos morais.

Recorrendo adesivamente, o autor requer a majoração da indenização por danos morais e materiais.

Efetuados os preparos, os recursos foram processados e contrariados.

É o relatório.

Os apelos não merecem ser providos, mantendo-se a sentença, por seus próprios fundamentos, na conformidade dos fundamentos a seguir expostos.

Nesse sentido, com efeito, é de se ter que a sentença, prolatada pela ilustre magistrada Juliana Moraes Corregiari Bei, está adequadamente fundamentada, motivo pelo qual deve ser mantida, inclusive por seus bem deduzidos fundamentos. Confira-se, a propósito, os fundamentos constantes da sentença:

Por primeiro, consigno que não há controvérsia quanto à similitude entre o projeto elaborado pelo autor e o programa veiculado pela ré sob o nome 'Aqui Agora'. A ré não impugna esta afirmação, insurgindo-se contra as pretensões do autor, negando que tenha recebido o projeto elaborado por ele e sustentando que tal projeto não goza de proteção autoral.”

Entretanto, restou comprovado pela perícia realizada no processo que o autor efetivamente elaborou o projeto de programa televisivo com as características descritas na petição inicial e enviou tal projeto ao Sr. Eugenio Negrete, no endereço eletrônico comercial fornecido pela ré.”

A ré alega não haver prova do efetivo recebimento de tais mensagens. Ocorre que o autor ficou impossibilitado de produzir esta prova porque a própria ré não preservou os arquivos contendo as mensagens recebidas antes de 01/01/2007 (fls. 227). Sendo assim e considerando-se a moderna visão sobre o ônus da prova, no sentido de atribuí-lo à parte que tiver melhores de produzir a prova (teoria da carga dinâmica da prova), cabia à ré comprovar que não recebeu o projeto idealizado pelo autor ou, ao menos, comprovar quem elaborou o projeto que foi posteriormente implementado, já que não nega a veiculação do programa com as mesmas características do programa idealizado pelo autor.”

Assim, resta superada a negativa da ré quanto ao recebimento do projeto e, portanto, ao conhecimento de seu conteúdo previamente à implementação do programa 'Aqui Agora'”.

Passa-se, então, à apreciação da questão relativa à proteção autoral do projeto elaborado pelo autor.”

É certo que a lei 9.610/98, em seu artigo 8º, inciso I, exclui da proteção autoral as ideias e os projetos, sendo que farta jurisprudência tem aplicado esta previsão legal para negar proteção a projetos televisivos. Entretanto, tal dispositivo legal não pode ser interpretado literalmente, devendo sê-lo de acordo com os princípios de direito e também segundo as peculiaridades do caso concreto.”

Para correta aplicação do dispositivo ao caso sob análise, necessário que seja interpretado segundo os princípios da eticidade e da boa-fé objetiva, que permeiam as relações civis.”

O princípio da boa-fé objetiva está expressamente previsto no ordenamento jurídico, nos artigos 113 e 422 do Código Civil, que determinam a interpretação dos negócios jurídicos de acordo com a boa-fé e a obrigação das partes de observarem os princípios da probidade e da boa-fé na conclusão e execução dos contratos.”

“(...)”

O princípio da eticidade é um dos princípios gerais do novo Código Civil e tem como função garantir que a interpretação das leis e dos negócios jurídicos seja feita com base em valores éticos. Há exemplos históricos que demonstram que a aplicação da lei de forma literal e desvinculada de valores pode resultar em situações atentatórias à dignidade da pessoa humana. Por isso, o intérprete e aplicador do direito deve considerar os valores sociais ao analisar o alcance de uma norma jurídica.”

Veja-se que não se trata de aplicar os valores de cada indivíduo, mas sim os valores da sociedade que devem ser buscados no texto maior do ordenamento jurídico, ou seja, a Constituição Federal.”

Embora a Carta Magna seja objeto de muitas críticas por conter excessivas regras jurídicas, fato é que trouxe uma série de princípios extremamente valiosos para a condução de nossa sociedade ao nível de desenvolvimento social e econômico esperado. Para que este desenvolvimento seja concretizado, é preciso que tais princípio sejam efetivamente aplicados.”

O texto constitucional é iniciado com uma série de princípios e objetivos fundamentais que regem o país, dentre os quais está construir uma sociedade livre, justa e solidária.”

Para tanto, evidentemente, é preciso que as normas jurídicas sejam aplicadas e os negócios jurídicos sejam interpretados de forma a conduzir a um resultado justo, evitando-se a aplicação ou a interpretação que conduza a resultados injustos.

No caso concreto, o autor foi convidado pela ré a elaborar um programa televisivo, de cunho jornalístico. Dedicou tempo e empregou seu know-how para conceber um programa jornalístico que se distinguisse dos demais veiculados pelas outras emissoras. Idealizou a forma de apresentação do programa, inclusive seu cenário e elaborou projeto de produção terceirizada, que seria realizada por uma de suas produtoras. Não recebeu qualquer remuneração por este trabalho porque esperava ser retribuído a partir da implementação do projeto.”

Evidentemente, portanto, que a ré não poderia simplesmente utilizar-se do projeto concebido pelo autor sem sua autorização e sem lhe pagar a devida remuneração.”

Essa conduta da ré é manifestamente contraria aos princípios da boa-fé objetiva e da eticidade e não se coaduna com uma ordem jurídica que pretende a construção de uma sociedade justa.”

Assim, negar proteção autoral ao projeto elaborado pelo autor, sob o argumento de que a Lei 9.610/98 exclui proteção de meras ideias, equivale a ratificar a conduta indevida da ré e transmitir não apenas a ela própria, mas a toda a sociedade, a sensação de que o ordenamento jurídico pode ser utilizado para legitimar condutas antiéticas e claramente voltadas ao locupletamento ilícito.”

Por isso, na interpretação do conceito de ideia contido no artigo 8º da Lei 9610/98, deve-se levar em conta a razão para a concepção da ideia e a sua finalidade. No caso concreto, a ideia do programa televisivo foi concebida pra exploração econômica a pedido da própria ré. assim, ano há como liberar a ré da observância das regras do direito autoral, especialmente quanto à necessidade de obter autorização do autor para utilização de projeto e quanto à necessidade de remunerar o seu trabalho.”

Não se pode olvidar que a ré é emissora de televisão que atinge um grande público com sua programação e tem, portanto, papel fundamental na formação cultural e até mesmo moral da população. Assim, é preciso que seja alertada para a necessidade de observar os princípios da ética e da boa-fé na condução de seus negócios, até para que seja capaz de transmitir tais princípios aos seus expectadores.”

Por outro lado, legitimar as condutas indevidas de empresa de grande porte tem o efeito perverso de desestimular a observância das regras e princípios jurídicos pela população em geral, que se sente autorizada a agir tal qual o exemplo que lhes é dado. Não se pode olvidar que atingir o grau de desenvolvimento que pretendemos depende primordialmente da conscientização das pessoas para a observância espontânea das regras da vida em sociedade, sendo notória a incapacidade do sistema judicial para obter, por meio da repressão das condutas ilícitas, resultado equivalente ao do cumprimento voluntário das regras jurídicas.”

Reconhecida a proteção autoral ao projeto elaborado pelo autor e a utilização indevida deste projeto pela ré, sem prévia autorização do autor e sem o pagamento da devida contraprestação, forçoso reconhecer o dever da ré de indenizar os prejuízos sofridos pelo autor.”

Os danos materiais correspondem à remuneração que o autor ganharia com a implementação do projeto por ele concebido, nos termos propostos no documento de fls. 31, ou seja, salário de R$ 30.000,00 por mês, mais 5% do faturamento líquido do departamento de jornalismo, pelo período de 24 meses, vigência do contrato que seria celebrado entre as partes. Não faz jus o autor ao recebimento do valor de R$ 280.000,00 por mês, como pretendido, porque este era o valor total do contrato, incluídos os salários de todos os outros profissionais envolvidos na produção, conforme documentos de fls. 27 a 32. Portanto, este valor não reverteria em favor do autor integralmente, de modo que utilizá-lo como parâmetro para cálculo do valor da indenização resultaria em enriquecimento indevido do autor.”

“(...)”

Assim, a indenização devida ao autor pelos danos materiais sofridos corresponde a R$ 720.000,00, mais o valor de 5% do faturamento líquido do departamento de jornalismo, a ser calculado em fase de liquidação de sentença, considerando-se o faturamento médio do departamento enquanto mantido no ar o programa 'Aqui Agora', descontado o custo de produção do programa idealizado pelo autor, ou seja, R$ 280.000,00 por mês, conforme documento de fls. 31.”

Também há de ser reconhecida a ofensa ao direito moral do autor, já que a ré fez uso do projeto por ele elaborado e promoveu modificações em seu conteúdo, sem a devida autorização, ferindo, assim o disposto no artigo 24, incisos III e IV, da Lei 9.610/98.”

Considerando-se o poder econômico da ré e a dupla finalidade, compensatória e punitiva da indenização por danos morais, fixo seu valor em R$ 30.000,00.”

Sobre esse aspecto, mister consignar que a indenização por danos morais foi fixada de forma adequada e proporcional, pondo- se como descabida sua majoração ou redução, tal qual pretendido pelas partes, em seus inconformismos.

Nesse diapasão, não há substrato jurídico-legal hábil a amparar os inconformismos das partes, devendo a r. sentença ser confirmada pelos seus próprios e bem deduzidos fundamentos, os quais ficam inteiramente adotados como razão de decidir pelo improvimento do recurso, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça.

O artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal dispõe que “nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la”.

O Superior Tribunal de Justiça tem prestigiado esse entendimento quando reconhece “a viabilidade de o órgão julgador adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-a no acórdão, sem que tal medida encerre omissão ou ausência de fundamentação no decisum” (REsp. nº 662.272-RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 04/09/2007).

Por fim, destaque-se, por relevante, que os apelantes não trouxeram elementos específicos para alterar a sorte da lide. Outros fundamentos são desnecessários diante da repetição integral dos que foram deduzidos na sentença, a fim de se evitar inútil repetição.

Ante o exposto, nega-se provimento aos apelos.

RAMON MATEO JUNIOR

Relator

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