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Capítulos de sentença

Veja a tese a respeito dos capítulos de sentença

12/5/2003

 

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 203.132 - SP (1999/0009526-0)

RELATOR : MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

RECORRENTE : BRADESCO SEGUROS S/A

ADVOGADO : PEDRO DA SILVA DINAMARCO E OUTROS

RECORRIDO : ELGA HELENA TEICHMANN

ADVOGADO : ROSANA CHIAVASSA E OUTROS

EMENTA

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. DIVISÃO EM CAPÍTULOS. POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO PARCIAL. PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. TRÂNSITO EM JULGADO DOS DEMAIS CAPÍTULOS, NÃO IMPUGNADOS. NULIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES. ANULAÇÃO PARCIAL. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.

I - A sentença pode ser dividida em capítulos distintos e estanques, na medida em que, à cada parte do pedido inicial, atribui-se um capítulo correspondente na decisão.

II - Limitado o recurso contra parte da sentença, não pode o tribunal adentrar no exame das questões que não foram objeto de impugnação, sob pena de violação do princípio tantum devolutum quantum appellatum.

III - No caso, a sentença foi dividida em capítulos, e para cada um foi adotada fundamentação específica, autônoma e independente. Assim, a nulidade da sentença, por julgamento extra petita, deve ser apenas parcial, limitada à parte contaminada, mormente porque tal vício não guarda, e nem interfere, na rejeição das demais postulações, que não foram objeto de recurso pela parte interessada (a autora desistiu de seu recurso).

IV - Outra seria a situação, a meu ver, se a sentença tivesse adotado fundamento único, para todos os pedidos. Nesse caso, o vício teria o condão de contaminar o ato como um todo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Ruy Rosado de Aguiar, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior. Presidiu a Sessão o Ministro Aldir Passarinho Junior.

Brasília, 25 de março de 2003(data do julgamento).

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 203.132 - SP (1999/0009526-0)

RECORRENTE : BRADESCO SEGUROS S/A

ADVOGADO : PEDRO DA SILVA DINAMARCO E OUTROS

RECORRIDO : ELGA HELENA TEICHMANN

ADVOGADO : ROSANA CHIAVASSA E OUTROS

EXPOSIÇÃO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:

A recorrida, Elga Helena Teichmann, ajuizou ação "ação cominatória combinada com indenizatória" contra a ora recorrente, Bradesco Seguros S/A, diante da recusa da ré em custear os gastos médicos e hospitalares decorrentes de transplante de fígado, postulando (a) condenação pelos tratamentos pretéritos; (b) condenação pelos tratamentos futuros; (c) fixação de multa diária em caso de não pagamento; (d) condenação por danos morais. A autora fundou sua pretensão no argumento de que não havia cláusula excluindo seu tratamento.

A Juíza de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido, condenada a ré "a honrar as obrigações assumidas por força da apólice de seguro emitida com relação à internação da autora ocorrida em março de 1994, no Hospital Israelita Albert Einstein, mediante pagamento direto à referida instituição hospitalar dos custos de internação, e à autora, a título de reembolso, das despesas relativas a exames laboratoriais e honorários médicos relacionados ao mesmo evento, sempre observados os limites de valores fixados na apólice".

O pedido de cobertura para tratamentos futuros não foi acolhido, por impossibilidade jurídica, prejudicado o de cominação de multa diária por descumprimento. E o pedido de danos morais, por sua vez, foi julgado improcedente, por incabível na espécie.

Apelaram autora e ré relativamente às partes em que sucumbiram, tendo a seguradora invocado nulidade da sentença, por julgamento extra petita.

O Tribunal de Justiça de São Paulo homologou o pedido de desistência do recurso formulado pela autora, ora recorrida, e deu provimento ao apelo da ré para anular a sentença, acolhendo a preliminar de nulidade, cujo acórdão restou assim ementado:

"Recurso - Apelação - Desistência homologada.

Sentença - Julgamento extra petita - Caracterização - Hipótese em que foi adotado fundamento não alegado pela autora e não discutido pelas partes - Afronta ao art. 128 do Código de Processo Civil - Anulação - Recurso provido".

Os embargos declaratórios opostos pela Bradesco Seguros S/A foram rejeitados, em acórdão ementado nos seguintes termos:

"Sentença - Anulação - Trânsito em julgado dos capítulos não impugnados - Inadmissibilidade - Hipótese de infração ao art. 128 do Código de Processo Civil - Afronta ao princípio sententia debet esse conformis libello - Perda da eficácia e desaparecimento do mundo jurídico - Reformatio in pejus - Não caracterização - Embargos rejeitados".

Adveio recurso especial com alegação de ofensa aos arts. 467, 468, 471, 473 e 512, CPC, sustentando a seguradora, em síntese, (a) que a homologação da desistência da apelação interposta pela ora recorrida acarretou o trânsito em julgado de parte da sentença; (b) a ocorrência de violação da coisa julgada (formal e material); (c) que a anulação da sentença, no caso, somente poderia ser parcial, diante da limitação do Tribunal ao pedido formulado em apelação.

Com as contra-razões, o recurso foi admitido, não tendo a mesma sorte o recurso extraordinário igualmente interposto pela recorrente.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 203.132 - SP (1999/0009526-0)

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA(Relator):

  1. Como se viu, o Tribunal de origem homologou o pedido de desistência do recurso interposto pela autora, relativamente a alguns capítulos da decisão apelada(pagamento de despesas futuras, indenização por danos morais e honorários advocatícios), e deu provimento ao recurso da ora recorrente, versando sobre os demais pontos da sentença, para anulá-la integralmente, nos termos do voto do Relator, Desembargador Sousa Lima, assim redigido:

"Tendo em vista o pedido de fls. 678, homologa-se a desistência do apelo da autora.

Dá-se provimento ao recurso da ré para anular a sentença.

Ressente-se esta da nulidade apontada pela ré.

A nobre juíza acolheu em parte a demanda, reconhecendo ser abusiva e ilegal a cláusula contratual excludente de cobertura securitária, circunstâncias esta que não constitui fundamento do pedido. Tanto não constituiu que a autora, na réplica, ainda esclareceu que 'no presente feito não está em discussão o descumprimento do contrato em função de cláusula tida como leonina' (fls. 372). Completando, disse a ré, na tréplica, que, 'conforme está na réplica (esp. fls. 372), não se discute a licitude da cláusula em que se fundou a recusa da ré (fls. 387).

Segundo estabelece o art. 128 do Código de Processo Civil, 'o Juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte'. Adotando fundamento não alegado pela autora e não discutido pelas partes, afastando dos limites da demanda, a sentença contrariou frontalmente este dispositivo legal e, assim, não pode subsistir. E não subsistirá em sua totalidade, sem a ressalva sugerida na petição de fls. 682/683" (fls. 702/703).

O ponto central da controvérsia reside na possibilidade, ou não, de transitar em julgado apenas parte da sentença, cujo decisum foi dividido em capítulos.

2. Em primeiro lugar, embora não seja tema de discussão neste recurso especial, tem-se por relevante, embora não pertinente ao caso, a invocação do art. 128 do Código de Processo Civil. Consoante registrado no AgRg/Ag n. 169.930-MG(DJ 3.11.98), da Terceira Turma, "em nosso Direito vigora o princípio de que as leis são do conhecimento do juiz, bastando que as partes apresentem-lhe os fatos, não estando o julgador adstrito aos fundamentos legais apontados pelo autor". Aplicáveis, aí, os brocardos latinos iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius.

Ainda a esse respeito, o REsp n. 5.239-SP(DJ 8/4/1991), da relatoria do Ministro Nilson Naves, com esta ementa:

"Adstrição do juiz ao pedido da parte. Julgamento extra petita (inocorrência). Não alterada a natureza do pedido imediato (ação condenatória, sentença condenatória), não é extra petita o julgamento que se valeu de regra jurídica diversa da invocada, pelo autor, na inicial.

Caso em que a aplicação da lei envolveu questão de direito, somente. Iura novit curia. Acórdão local que não desatendeu o disposto nos arts. 128 e 460".

Por fim, ainda nessa linha, confira-se o REsp n. 233.446-RJ(DJ 7/5/2001), de minha relatoria, assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. CAUSA PETENDI. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO PEDIDO, A PARTIR DE UMA ANÁLISE GLOBAL DA PETIÇÃO INICIAL. PEDIDO GENÉRICO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO PROVIDO.

I – Nos termos da doutrina, a causa petendi é o fato ou conjunto de fatos a que o autor atribui a produção do efeito por ele pretendido.

II - O pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e se extrai da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sendo de levar-se em conta os requerimentos feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica "dos pedidos".

III – Não há julgamento extra petita quando a parte procura imputar ao réu uma modalidade de culpa e o julgador, diante da prova dos autos, entende caracterizada outra. Na linha de precedente do Tribunal, "em nosso Direito vigora o princípio de que as leis são do conhecimento do juiz, bastando que as partes apresentem-lhe os fatos, não estando o julgador adstrito aos fundamentos legais apontados pelo autor".

Como se vê ictu oculi, tais precedentes, não obstante versando os temas da adstrição ao pedido e do julgamento extra petita, não se ajustam à espécie em tela.

3. Certo é que a sentença pode comportar capítulos distintos e estanques, na medida em que, à cada parte do petitum se atribui capítulo correspondente na decisão.

A matéria, José Afonso da Silva doutrina:

"[...]. O objeto da demanda é fundamental para chegar-se à identificação dos capítulos da sentença, em cada caso concreto, assim também de interesse prático suscitadas na demanda, porque correlacionadas com aquele. O certo é que cada título em que se fundamenta o pedido (daí, certa concessão à tese de Carnelutti) dá margem ao aparecimento de um capítulo da sentença, ao decidir positiva ou negativamente o pedido assim titulado" (Do recurso adesivo no processo civil brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., Cap. III, § 3º, p. 128).

No mesmo sentido, o magistério do saudoso e respeitado José Frederico Marques:

"A apelação parcial pressupõe um litígio capaz de ser fragmentado e cindido em várias questões distintas. Ou então o simultaneus processus com cumulação objetiva de pedidos.

Como lembra José Alberto dos Reis, há um conhecido aforismo que diz o seguinte: 'quo capita tot sententiae'. E a idéia que ele contém assim se explica: 'quantos os capítulos, tantas as sentenças; por outras palavras, numa sentença há tantas decisões distintas, quantos forem os capítulos que ela contiver'.

[...]. Capítulos da sentença são, portanto, aquelas questões que as partes submeteram ao juiz (de que fala o art. 458, III, do Código de Processo Civil) e que a sentença soluciona. É, enfim, toda a questão oriunda do litígio e que, decidida na sentença, possa causar gravame a uma das partes, ou a ambos os litigantes" (Instituições de Direito Processual Civil, atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, Vol. IV, 1º ed. atualizada, 2000, n. 946, p. 140).

Outrossim, quanto à possibilidade de impugnação, mediante recurso, de parte da decisão que se pretende ver reformada, Sérgio Bermudes, por todos, escreve:

"Quanto à extensão, os recursos classificam-se em totais e parciais, conforme se insurjam contra a decisão por inteiro, ou, apenas, contra um, ou vários pontos dela. A extensão do recurso se mede pela extensão do gravame. O vencido pode recorrer da decisão em totalidade, se ela lhe foi integralmente contrária. Entretanto, se deixou de acolher apenas em parte o seu pedido, seu recurso não pode compreender mais que essa parte desfavorável. Assim, o recurso poderá ser total, se a decisão foi inteiramente contrária ao recorrente (poderá porque nada impede que o vencido se conforme com uma, ou mais partes). E será, necessariamente parcial, se somente em parte a decisão for desfavorável a quem recorre" (Comentários ao código de processo civil, Vol. VII - arts. 496 a 565, 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, n. 68, p. 94).

E, limitado o recurso contra apenas parte da sentença, não pode o tribunal, como cediço, adentrar no exame das questões que não foram objeto de impugnação. A propósito, o REsp 260.887-MT, DJ 7.5.2001, assim ementado, no que interessa:

"I - A extensão do pedido devolutivo se mede através da impugnação feita pela parte nas razões do recurso, consoante enuncia o brocardo latino tantum devolutum quantum appellatum.

II - A apelação transfere ao conhecimento do tribunal a matéria impugnada, nos limites dessa impugnação, salvo matérias examináveis de ofício pelo juiz".

4. Destarte, a sentença pode ser divida em capítulos, o julgador deve adstringir-se ao pedido, salvo nos casos autorizados em lei (CPC, art. 267, § 3º) e a impugnação de apenas parte da sentença impede ao tribunal que examine as demais questões não atacadas.

Cuida-se de tema dos mais tormentosos na ciência processual. "À primeira vista bastante simples e até intuitiva", lembra Cândido Dinamarco, "é no entanto de grande complexidade a doutrina dos capítulos da sentença" ("Capítulos da sentença", Malheiros, 2002, cap. 1, nº 2).

In casu

, a sentença foi dividida em capítulos, e para cada um foi adotada fundamentação específica. O pedido de condenação pelas despesas pagas, por exemplo, restou acolhido diante do reconhecimento da abusividade de determinada cláusula. Os danos morais, por sua vez, foram rejeitados por entender a Juíza inocorrentes na espécie, notadamente por concluir pelo seu descabimento em decorrência de inadimplemento contratual. Por fim, o pedido de pagamento de despesas futuras, aliado ao de multa pecuniária, foi tido por impossível juridicamente.

Como se nota, o fundamento adotado para cada um dos pedidos é independente e autônomo.

O Tribunal, ao entender que houve julgamento extra petita, o fez examinando a condenação da ré ao pagamento das despesas pretéritas, concluindo que a Juíza adotou fundamento (abusividade da cláusula) não suscitado pela parte legitimamente interessada.

Nestes termos, é de concluir-se que a nulidade da sentença deveria ser apenas parcial, por contaminar exclusivamente o referido pedido, já que tal vício não guarda, e nem interfere, na rejeição das demais postulações, que não foram objeto de recurso pela parte interessada (a autora desistiu de seu recurso).

5. Outra seria a situação se a sentença tivesse adotado fundamento único, para todos os pedidos, quando, então, o vício teria o condão de irradiar os seus efeitos, contaminando o ato como um todo. Mutatis mutandis, a lição de Barbosa Moreira, nestes termos:

"[...]. O mesmo princípio aplica-se á hipótese de só versar a impugnação sobre um ou alguns dos capítulos recorríveis, embora com invocação de vício que, se existente, poderia acarretar a invalidação total da decisão. Assim, v.g. se o réu, condenado a pagar x + y, funda a sua apelação na denúncia de suposto error in procedendo, mas pleiteia unicamente a anulação da sentença quanto a x. Mesmo que o tribunal reconheça o vício, e este afete por inteiro o julgamento de primeiro grau, não se poderá anular a decisão no concernente a y; tal capítulo transitou em julgado" (Comentários ao código de processo civil, Vol. V - 9ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2001, art. 505, n. 196, p. 356).

6. Em suma, o acórdão impugnado não poderia anular in totum a sentença recorrida, uma vez que alguns de seus capítulos, autônomos e distintos, transitaram em julgado com a homologação da desistência do recurso que os impugnavam.

7. À vista do exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para afastar a anulação da sentença no que se refere à parte não abrangida pelo recurso de apelação da ora recorrente, excluindo-se os honorários advocatícios, por se tratar de questão acessória.

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