Ação popular envolve 800 empresas
Uma ação popular proposta pelo estudante João Carlos Roxo Sanches contra empréstimos concedidos pelo BNDES no total de R$ 20 bilhões envolve 800 empresas, dentre elas algumas das maiores do país.
Confira abaixo na íntegra matéria publicada no Valor.
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Processo envolve 800 empresas
João Carlos Roxo Sanches, 27 anos, estudante de artes plásticas, radialista, treinado para atuar em guerrilhas, recém-chegado de uma viagem de moto pelo Chile, "a la Che Guevara", está deixando centenas de empresas brasileiras em polvorosa. O motivo: uma ação popular proposta por ele, quando ainda tinha 22 anos, contra empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no total de R$ 20 bilhões. O resultado: a Justiça Federal está chamando 800 empresas - dentre elas algumas das maiores do país - que tomaram empréstimos acima de R$ 5 milhões com o banco entre 1º de janeiro de 1995 e 11 de maio de 2000 para prestar informações sobre os financiamentos.
Esta já é considerada a ação que envolve o maior número de réus que se tem notícia no país. Além das cerca de 800 empresas - de setores como siderurgia, papel e celulose, energia, cimento, bebidas e alimentos -, são citados o BNDES e seis ex-presidentes da instituição no período do governo de Fernando Henrique Cardoso. As maiores empresas do país têm recebido com surpresa a notícia de terem que comparecer ao Judiciário para explicar os empréstimos. Alguns advogados chegaram a descobrir por acaso que seus clientes estavam envolvidos no processo e muitas empresas sequer sabem ainda que têm até o dia 4 de outubro para contestar a ação.
O fato é que a ação, apontada por muitos como uma aventura jurídica, tem movimentado os grandes escritórios do país. Um dos maiores deles, o Pinheiro Neto Advogados, tem 30 de seus clientes citados no processo. Outra grande banca, o Mattos Filho Advogados, defende dez clientes citados. O grande problema apontado pelos advogados é que as companhias foram convocadas por um edital publicado há cerca de duas semanas no Diário Oficial. Como dificilmente uma empresa mantém um responsável para acompanhar publicações dessa natureza, muitas desconhecem a existência do processo. Outra dificuldade é que, em razão do número de réus, o acesso aos autos torna-se mais complicado.
O advogado Laércio José Loureiro dos Santos, que representa o radialista na ação popular, explica que questiona na ação os juros praticados pelo BNDES na concessão dos empréstimos, que seriam subsidiados. Ele pede a anulação dos contratos nos quais ficar comprovada a concessão de subsídios, assim como a devolução aos cofres públicos da diferença entre o possível subsídio e os juros praticados no mercado. Ontem, procurado pelo Valor, o radialista ontem não sabia em que pé estava a ação na Justiça, mas comemorou pensando em caminhões de documentos chegando à Justiça com as explicações das partes. "A idéia de ações populares veio de uma conversa de bar com o advogado", disse Roxo Sanches. "Os cidadãos não sabem que têm esse direito, sem qualquer ônus."
Ações, no plural, porque Sanches é autor de outras demandas judiciais populares, entre elas a ação que tentou impedir o empréstimo do BNDES para a AES na compra das ações da Companhia de Geração Elétrica Tietê, em 1999 (e que obteve liminar), e também uma ação contra o então presidente do BNDES, Francisco Gros. "Nesta ação contra a AES, chegaram a dizer que eu era testa de ferro do Antonio Ermírio de Moraes, que na época foi prejudicado pelo financiamento do BNDES em prol de uma empresa estrangeira", diz Sanches. "Mas a motivação para todas as ações é para fazer valer as leis brasileiras." O radialista afirma ter sido militante e filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) até pouco tempo e conta que teve treinamento guerrilheiro aos 15 anos, quando lia livros stanilistas.
A "aventura" de Sanches tem causado uma tremenda dor de cabeça às empresas e deixado advogados preocupados. O sócio do escritório Pinheiro Neto, Alexandre Bertoldi, diz que cada uma das empresas vai ter que se manifestar para não perder a chance de defesa no caso. Entre as 800 empresas citadas estão desde a Petrobras e a Vale do Rio Doce até bancos que já foram liquidados, como o Banco Auxiliar e o Bamerindus. Segundo o sócio do contencioso cível do Mattos Filho Advogados, Flávio Pereira Lima, apesar de ser considerada uma aventura jurídica, ainda assim as empresas ficam receosas, por se tratar de uma ação coletiva com valores expressivos que podem impactar as companhias. Para ele, é importante que as empresas citadas contestem a ação. Em sua avaliação, é melhor que as empresas demonstrem logo como foram fechados os contratos com o BNDES e que ocorreu tudo dentro da lei. Lima acredita que, para muitos contratos, a ação popular já estaria prescrita. Isso porque o prazo de prescrição é de cinco anos, a contar do início do contrato. No Felsberg Advogados, dois clientes do escritório são também citados no processo. O advogado da banca Paulo Sigaud afirma que os clientes estão tranqüilos em relação ao objeto da ação, mas que uma atitude desse tipo (ação popular) causa no mínimo surpresa.
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