A juíza de Direito substituta Tatiana Dias da Silva, da 7ª vara Cível de Brasília/DF, condenou o SBT a pagar R$ 50 mil a título de danos morais e violação de direito de imagem por veicular equivocadamente a foto de um desembargador Federal como sendo um juiz Federal preso na operação "Pasárgada", da Polícia Federal, que investigava o desvio de R$ 200 mi do Fundo de Participação dos Municípios quando, na verdade, foi ele quem decretou a prisão dos envolvidos.
O SBT reconheceu o equívoco na vinculação da imagem do autor ao fato jornalístico, mas alegou que caberia ao autor comprovar que o ilícito prejudicou o seu patrimônio. Entretanto, a juíza entendeu que "a ofensa à honra e à imagem do autor são patentes e o seu prejuízo, evidente. O fato, motivador do dano, frise-se, foi noticiado através da imprensa, alcançando um número indefinido de pessoas, em virtude de informações prestadas pelo requerido".
Para a magistrada, o dano ficou comprovado. "A requerida praticou ato ilícito de forma culposa quando, sem tomar os devidos cuidados, vinculou a imagem do autor a um suposto criminoso", afirmou. "Em situações peculiares como essa a impresa tem que tomar cuidado redobrado para não veicular a imagem de nenhum inocente a escândalos desta magnitude, tendo em vista o seu poder perante a sociedade e o grau de violação a imagem que acarreta as pessoas envolvidas", acrescentou a julgadora.
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Processo: 2009.01.1021840-5
Veja a íntegra da decisão.
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Circunscrição: 1 - BRASILIA
Processo: 2009.01.1.021840-5
Vara: 207 - SÉTIMA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA
Processo: 2009.01.1.021840-5
Ação: OBRIGACAO DE NAO FAZER
Requerente: J.A.M.
Requerido: SBT SISTEMA BRASILEIRO DE TELEVISAO
SENTENÇA
Trata-se de ação de indenização proposta por J.A.M. em face do SBT SISTEMA BRASILEIRO DE TELEVISÃO, ambas as partes qualificadas nos autos.
Relata o autor que, em 31.12.2008, durante o programa SBT Repórter - Retrospectiva 2008, em reportagem acerca da operação "Passargada" da Polícia Federal que culminou com a prisão de um juiz federal e diversos prefeitos por desvio de mais de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais) do fundo de participação dos municípios, a emissora de televisão veiculou equivocadamente sua foto como sendo o magistrado preso quando, na verdade havia sido ele o prolator da decisão que determinou a prisão dos envolvidos.
Aduz que o SBT é a segunda maior emissora do país, atingindo cerca de 97% (noventa e sete por cento) do território nacional, que o programa foi exibido na noite do último dia do ano com grande divulgação e que as imagens foram disponibilizadas também na rede mundial de computadores e que o autor, então corregedor e atual Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região teve violados sua honra e direito de imagem.
Por fim, requer a antecipação dos efeitos da tutela para que o canal de TV seja impedido de reprisar as imagens, bem como indenização de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), sendo que R$ 150.000,00 por danos morais e R$ 150.000,00 para reparar a violação ao direito de imagem (fls. 02/67).
Junta os documentos de fls. 68/160, além dos DVDs de fls. 82 e 84 contendo a reportagem veiculada.
Foram deferidos parcialmente os efeitos da tutela para determinar que a ré se abstenha de promover nova veiculação/publicação da matéria objeto dos autos, sob pena de multa (fl. 162).
A empresa requerida apresentou contestação às fls. 264/270. Alega que sua responsabilidade é de natureza subjetiva, motivo pelo qual assevera que a culpa da emissora deve ser comprovada para caracterização do dever de indenizar. Afirma que o caráter punitivo não pode ser utilizado como subsídio para a composição do montante indenizatório, pois se trata de mera invenção da doutrina, mas sim a extensão do dano, conforme estabelece o artigo 944 do CC. Reconhece que ocorreu equivoco na vinculação da imagem do autor ao fato jornalístico, mas entende que cabe ao autor comprovar que o ilícito prejudicou o seu patrimônio. Impugna o valor postulado a título de indenização. Postula pela improcedência dos pedidos.
Réplica intempestiva às fls. 276/362.
Instadas a produzir provas, a parte autora afirmou não haver outras provas a ser produzidas e a requerida pugnou pela realização de perícia nos DVDs carreados aos autos.
A decisão de fls. 455 indeferiu a realização de perícia.
É o relatório. DECIDO.
O feito comporta julgamento antecipado, na forma do artigo 330, I e do CPC.
Ausentes questões processuais pendentes, presentes todos os pressupostos processuais e as condições da ação, passo diretamente ao exame do mérito.
- MÉRITO
A controvérsia cinge-se a análise do conteúdo da reportagem objeto da lide, com o objetivo de verificar se tive o condão de ofender a honra do autor, ensejando a reparação por dano moral e a imagem.
Trata-se de matérias jornalísticas em que o autor, à época Corregedor do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, foi apontado como um dos suspeitos de participar do desvio de verbas públicas do fundo de participação dos municípios.
A Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso V, X e XXVIII) e o Código Civil (art. 20) garantem a proteção à imagem e a honra.
A responsabilidade civil, tanto para o reconhecimento da indenização por danos materiais, quanto para o reconhecimento de indenização por danos morais, repousa na existência de um ato doloso ou culposo, e na relação de causalidade entre o dano e o ato ilícito voluntário praticado. É o que se extrai da análise do art. 186 do Código Civil.
Portanto, o caso em apreço trata-se de responsabilidade civil subjetiva extracontratual, em que é indispensável à comprovação pela vítima da ocorrência da conduta, comissiva ou omissiva; do dolo ou culpa; do dano e do nexo causal.
Em casos como o presente, há direito à reparação por danos morais quando o exercício da liberdade de imprensa extrapola os limites de informar, fazendo referência ao autor de forma indevida ou com o intuito de difamá-lo.
Tendo em vista o panorama fático-jurídico apresentado, verifica-se que a solução da presente lide demanda um juízo de ponderação entre o direito fundamental previsto no inciso X do artigo 5º da CF e a garantia constitucional insculpida nos artigos 5º, IV e IX, e 220 da Constituição Federal.
Em tais situações, ou seja, na hipótese de aparente colisão entre direitos fundamentais, a doutrina aconselha que o julgador examine as especificidades do caso concreto, com vista a aferir qual prerrogativa constitucional deve preponderar casuisticamente. Nesse sentido, lecionam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvalt:
Em tais casos (colisão de direitos da personalidade e liberdade de imprensa), é certa e incontroversa a inexistência de qualquer hierarquia, merecendo, ambas as figuras, uma proteção constitucional, como direito fundamental. Impõe-se, então, o uso da técnica de ponderação de interesses, buscando averiguar, no caso concreto, qual o interesse que sobrepuja (...). Impõe-se investigar qual o direito que possui maior amplitude casuisticamente. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALT, Nelson. Direito Civil. 8. ed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010, p. 146)
A ação, concernente na veiculação da matéria jornalística resta devidamente comprovada, consoante se depreende do DVD constante à fl. 82 e 84.
Ademais, da leitura dos autos, verifico que os fatos narrados na inicial restaram incontroversos, eis que a própria requerida reconhece que houve equívoco na vinculação da imagem do autor ao juiz que foi preso na operação "Passargada", quando na verdade o autor foi o juiz que decretou a prisão do grupo criminoso.
Não há dúvidas, portanto, que a matéria noticiada na imprensa televisiva não relatou fatos verídicos do cenário brasileiro, pois noticiou que forma errada a pessoa do autor como sendo um dos suspeitos de pratica de fato criminoso.
Portanto, a reportagem que deveria ter cunho informativo, não informou de forma correta os fatos que estava relatando, o que acarretou ofensa à dignidade do requerente.
Forçoso lembrar que à Imprensa cabe o papel de informar a sociedade sobre os acontecimentos ocorridos, sempre fiel aos fatos apurados, sem alterá-los, como ocorreu in casu.
Nesse sentido, peço vênia para colacionar excerto de voto da Desembargadora Sandra de Santis sobre a questão:
"(...) A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA DECORRE DO CONHECIMENTO DOS EPISÓDIOS VERDADEIRAMENTE OCORRIDOS OU AFIRMADOS QUE POSSAM SER DIGNOS DE FÉ OU QUE, PELA COINCIDÊNCIA ENTRE VÁRIAS VERSÕES PARTIDAS DE FONTES DIVERSAS, APARENTEM SER VERDADEIROS. 4. DESDE QUE A VEICULAÇÃO JORNALÍSTICA NÃO MANIPULE A INFORMAÇÃO, CRIANDO DISTORÇÃO ÓTICA CAPAZ DE INCUTIR OPINIÃO FALSA SOBRE DETERMINADO FATO, O JUÍZO CRÍTICO FINAL É PRERROGATIVA DO LEITOR OU DO OUVINTE. RECURSO DO GRUPO DE COMUNICAÇÃO TRÊS S/A PROVIDO. APELO DO AUTOR PREJUDICADO. DECISÃO: CONHECER, DAR PROVIMENTO, MAIORIA, VENCIDO O 1º VOGAL. VENCIDO 1º VOGAL QUE DAVA PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DA RÉ PARA DIMINUIR O VALOR DA INDENIZAÇÃO PARA R$ 50.000,00. PREJUDICADO À UNANIMIDADE DO RECURSO ADESIVO. (APELAÇÃO CÍVEL 20020110113077, 6a Turma Cível, RELATOR: SANDRA DE SANTIS PUBLICAÇÃO: DJ 07/04/2005 Pág: 110).
Nesse giro não há dúvidas de que a requerida praticou ato ilícito de forma culposa quando, sem tomar os devidos cuidados, vinculou a imagem do autor a um suposto criminoso.
Importante ressaltar que em situações peculiares como essa a impresa tem que tomar cuidado redobrado para não veicular a imagem de nenhum inocente a escândalos desta magnitude, tendo em vista o seu poder perante a sociedade e o grau de violação a imagem que acarreta as pessoas envolvidas.
A imprensa, como dito, tem o poder-dever de informar, de que é titular a mídia nos Estados democráticos, mas para tanto tem que tomar todos os cuidados necessários para nao veicular indevidamente as pessoas em suas matéria, sob pena de ser responsabilidade pela sua conduta negligente. Como ocorreu no caso em apreço.
A ofensa a honra e a imagem do autor é patente e o seu prejuízo, evidente. O fato, motivador do dano, frise-se, foi noticiado através da imprensa, alcançando um número indefinido de pessoas, em virtude de informações prestadas pelo requerido.
Demonstrada, pois, a responsabilidade civil, resta apenas a fixação do quantum indenizatório.
A questão é bastante tormentosa para o magistrado, já que não existem critérios legalmente fixados.
Conforme entendimento do Desembargador Cruz Macedo, cujo excerto peço vênia para colacionar, in verbis:
Tenho afirmado que a indenização por danos morais, como registra a boa doutrina e a jurisprudência, há de ser fixada tendo em vista dois pressupostos fundamentais, a saber, a proporcionalidade e razoabilidade da condenação em face do dano sofrido pela parte ofendida, de forma a assegurar-se a reparação pelos danos morais experimentados, bem como a observância do caráter sancionatório e inibidor da condenação, o que implica o adequado exame das circunstâncias do caso, da capacidade econômica do ofensor e a exemplaridade - como efeito pedagógico - que há de decorrer da condenação. (APC 2009 01 1 150932-0, Relator Desembargador Cruz Macedo, 4ª Turma Cível, 09/02/2011)
É evidente que o autor sofreu as conseqüências do ato ilícito da ré diante da veiculação indevida de sua imagem em reportagem televisiva noticiando sua prisão por desvio de verba pública quando, na verdade, foi ele o prolator da decisão que determinou a detenção dos suspeitos da pratica do crime mencionado.
Tal fato é suficiente para causar dano moral e a imagem, independentemente de qualquer comprovação de prejuízo que a vítima eventualmente tenha suportado. Com efeito, na concepção da doutrina e da jurisprudência consolidada nos Tribunais, a responsabilidade do agente ativo de tal ilícito decorre do simples fato da violação, o que vale dizer: verificado o evento danoso, impõe-se a obrigação de repará-lo, não se cogitando da demonstração do prejuízo.
Insta gizar que conforme entendimento firmado no e. STJ "não há que falar em prova de dano moral, mas sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam" (Precedentes: Resp. 261.028/RJ, Rel. Min. Menezes Direito, Resp. 294.561/RJ, Rel. Aldir Passarinho Júnior, Resp. 661.960/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi).
O dano moral atinge o âmbito psíquico do ofendido, que sofre violação em sua tranquilidade e subtração de sua paz de espírito. O que se perquire, no caso, é a dor decorrente do constrangimento moral pela indevida exposição de sua imagem.
Passo à fixação do quantum, tarefa árdua que "deve ficar a critério do Julgador, uma vez que não se tem outro critério objetivo hábil para tal finalidade. Ao fixar o referido quantum, deve o Juiz cuidar para que não seja tão alto, a ponto de proporcionar o enriquecimento sem causa; nem tão baixo, a ponto de não ser sentida no patrimônio do responsável pela lesão." (20030110063667APC, Relator LÉCIO RESENDE, 1ª Turma Cível, julgado em 29/07/2009, DJ 10/08/2009 p. 110)
No caso vertente, tem-se, de um lado, a segunda maior emissora de televisão do país e, do outro, o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que teve sua imagem equivocadamente ligada a escândalo de desvio de verbas públicas.
Assim, quanto à fixação do montante para reparação dos danos, tomo como parâmetros o nexo de causalidade, a extensão e a natureza do dano e a condição econômico-financeira das partes, bem como a impossibilidade de enriquecimento sem causa do jurisdicionado (cf. o AgRg no Ag 617.931/RJ, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 25/09/2009).
Devem, ainda, ser considerados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, motivo pelo qual, tenho como apto à reparação dos danos mencionados a fixação da quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
- DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado e CONDENO a requerida ao pagamento da importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de danos morais e a imagem. A quantia deverá ser acrescida de juros de mora no importe de 1% ao mês e corrigida monetariamente pelo sistema do TJDFT, ambos calculados a partir desta data (fixação).
Especificamente em relação ao termo inicial para a incidência dos juros moratórios, ressalto que o disposto na Súmula 54 do colendo Superior Tribunal de Justiça não tem aplicação nos casos de indenização por danos morais, uma vez que a obrigação de indenizar foi constituída apenas com esta decisão judicial, que, inclusive, arbitrou o valor da indenização. Por isso, comungo do entendimento de que os juros de mora, assim como a correção monetária, deve incidir da data da prolação da sentença condenatória e não do evento danoso.
Declaro resolvido o mérito, com apoio no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil - CPC.
Em face da sucumbência, a ré arcará com as custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, na forma do art. 20, § 3º do CPC.
Não havendo outros requerimentos, oportunamente, transitada em julgado, dê-se baixa e arquivem-se, observadas as normas do Provimento Geral da Corregedoria.
Sentença registrada nesta data. Publique-se. Intimem-se.
Brasília - DF, quarta-feira, 03/10/2012 às 11h53.
Tatiana Dias da Silva
Juíza de Direito Substituta