Migalhas Quentes

Homem preso por erro judiciário será indenizado em um milhão

Cidadão condenado por latrocínio foi absolvido por ausência de provas suficientes após revisão criminal.

10/4/2012

A 3ª turma do TRF da 4ª região concedeu indenização por danos morais e materiais de um milhão de reais a cidadão catarinense que ficou mais de cinco anos na prisão por erro judiciário. O autor foi condenado por latrocínio com pena de 15 anos de detenção. Posteriormente, ajuizou revisão criminal e foi absolvido por ausência de provas suficientes.

A desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, relatora do acórdão, entendeu que se trata de responsabilidade objetiva do Estado, que deve zelar e garantir os direitos individuais.

"Fico imaginando não só os danos pessoais, mas os danos físicos de alguém encarcerado no regime de reclusão nos presídios que nós conhecemos e sabemos dos problemas, das mazelas do nosso sistema prisional, também os danos psíquicos a que esse cidadão brasileiro se submeteu", considerou a desembargadora.

"Um milhão de reais para a União em face do que ela recolhe de tributos não é nada, é uma gota d’água, é um grão de areia, mas para essa pessoa reiniciar de onde parou é importante. O autor carregará o estigma. Essa marca na psique do autor é o que me preocupa e, para formarmos bons cidadãos, temos de ser um bom Estado", concluiu.

Veja a decisão e as notas da sessão da 3ª turma do TRF da 4ª região do dia 14/3.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.72.12.000660-9/SC

RELATOR: Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

REL. ACÓRDÃO: Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA

APELANTE: J.D.

ADVOGADO: Eber Marcelo Bundchen e Jean Carlos Simianco

APELADO: UNIÃO FEDERAL

ADVOGADO: Procuradoria-Regional da União

EMENTA

ERRO JUDICIÁRIO. CONDENAÇÃO CRIMINAL. REVISÃO. ABSOLVIÇÃO. DANOS MORAIS.

Condenação criminal com cumprimento em regime prisional fechado, posteriormente comprovado, em revisão criminal, a inocência, configura erro judicial passível de indenização. É objetiva a responsabilidade civil do Estado, independente da atuação do magistrado, que é subjetiva. Dano materiais pelo tempo que deixou de ganhar, a ser calculado em liquidação de sentença, considerando o labor do indivíduo. Danos morais devidos, fixados em um milhão de reais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e, por maioria, vencido em parte o relator, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de março de 2012.

Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA

Relator para Acórdão

RELATÓRIO

J.D. ajuizou ação ordinária em face da União, objetivando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, em razão de sentença prolatada nos autos de ação penal, que o condenou à pena de reclusão de 15 (quinze) anos e 04 (quatro) meses, bem como ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, como incurso nos delitos dos artigos 155, § 2º, incisos I e II, e 157, § 3º ambos do Código Penal, alegando a existência de erro judiciário.

O Juízo a quo julgou improcedente o pedido, extinguindo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC, ao entendimento de que inexistente a responsabilidade da ré porquanto não-verificado o alegado erro judiciário, uma vez que não restou demonstrado que o juiz criminal tenha agido com dolo ou fraude, ou procedido de forma negligente. Condenou a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios devidos à parte adversa, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade em virtude da concessão da AJG.

O autor apelou, reiterando os termos da inicial, qual seja, a alegação de ocorrência de erro judiciário em razão de que a sua condenação no juízo criminal foi proferida em discordância com a prova dos autos, e não tendo sido sequer utilizado o princípio do benefício da dúvida (in dubio pro reo), já que, no inquérito policial e no processo penal, o ora apelante sustentou, o tempo todo, ser inocente. Refere que a prisão indevida causou-lhe graves prejuízos na vida pessoal, uma vez que não conseguiu formar-se em curso superior, não contraiu matrimônio, nem crescer na profissão. Requer a condenação da União ao pagamento da pretendida indenização a título de danos materiais e morais, fixados, respectivamente, nos valores de R$110.000,00 (cento e dez mil reais) e R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), devendo os honorários advocatícios ser arbitrados em 20% sobre o valor atualizado da condenação.

Nas contrarrazões, a União requer o conhecimento e provimento do agravo retido interposto (fls. 353/354), bem como o prequestionamento dos dispositivos constitucionais e legais que refere.

Com o parecer do representante do Ministério Público Federal junto a este Tribunal, opinando pelo provimento do recurso, vieram os autos.

É o relatório.

Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

Relator

VOTO

Do agravo retido

Inicialmente, conheço do agravo retido, porque expressamente requerida a sua apreciação nas contrarrazões do recurso de apelação, em atendimento ao disposto no art. 523, § 1º, do CPC. Tendo em vista que as razões para a interposição do agravo retido confundem-se com as alegações do apelo, qual seja, a questão da apreciação da prova, com essas serão conjuntamente analisadas.

Do mérito

O autor alega que fora injustamente condenado como incurso nos delitos tipificados nos artigos 157, § 3º, e 155, § 2º, I e II, do Código Penal. Relata que, contudo, após ter sido condenado, lhe foi reconhecida absolvição, em sede de ação revisional. Requer indenização a título de danos materiais e morais, por ter sido indevidamente detido no Presídio Regional de Joaçaba/SC, no período de 09/12/1998 a 19/08/2004, ou seja, por quase seis anos, em valores respectivamente estimados em R$110.000,00 (cento e dez mil reais) e R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).

Registre-se, primeiramente, que o Estado não está à margem de ser responsabilizado por ações e omissões de seus agentes, mas tratando-se de danos provocados por atos judiciais, torna-se indispensável a previsão legal dos casos de ressarcimento.

A propósito, a Constituição Federal de 1988 impôs a obrigação do Estado em indenizar o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença (art. 5º, inciso LXXV). Com isso, encerrou discussão acerca da pretensa irreparabilidade dos danos causados pelos atos judiciais praticados com erro.

É certo que o conceito de "erro judiciário" deve ter sentido amplo, de modo a abranger não apenas a prisão preventiva injustificada e o modo equivocado de cumprimento do regime de penas, mas também os demais atos jurisdicionais, ainda que não tenham como consequência a aplicação de medida restritiva de liberdade.

Neste particular, não há dúvida de que, reconhecido o erro judiciário, surge a responsabilidade civil do Estado, desde que demonstrada a ocorrência de dano.

A esses requisitos, deve ser acrescentado que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem afirmado que, tratando-se de atos jurisdicionais emanados da soberania do Estado, a atribuição de responsabilidades por danos daí decorrentes está condicionada à expressa disposição legal, inserida no art. 630 do Código de Processo Penal e art. 133 do Código de Processo Civil.

O art. 133 do Código de Processo Civil previu a possibilidade de o juiz responder por perdas e danos nas hipóteses em que haja procedido com dolo ou fraude no exercício de suas funções (inciso I) ou, ainda, quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte (inciso II).

A Lei Complementar nº 35/1979, também dispôs, em seu art. 49, a respeito dos casos de responsabilização do magistrado por perdas e danos, reproduzindo o conteúdo do art. 133 do Código de Processo Civil.

Como a atividade judicante carrega em si o ônus de contrariar os interesses de uma das partes, de regra não pode ser vista como origem de lesões de natureza extrapatrimonial, a menos que exceda as balizas do exercício regular da função como manifestação concreta da soberania estatal, o que não é o caso dos autos.

Entendeu a magistrada de origem que a responsabilidade civil por ato jurisdicional é subjetiva, devendo ser comprovado o dolo ou a culpa do julgador. Como, no caso, não teria sido demonstrado o elemento subjetivo, concluiu pela improcedência da demanda.

Da leitura atenta da sentença proferida pelo Juízo a quo tem-se que foi feita uma análise minuciosa da prova emprestada, juntada aos autos, no caso, cópia do processo criminal, acostado às fls. 364/487, em decisão devidamente fundamentada, nos termos do que dispõe o art. 92, IX, da CF/88.

Contudo, verifica-se, igualmente, que a revisão criminal julgada por esta Corte reconheceu que aquela condenação não estava baseada nas novas provas que demonstraram a inocência do acusado, foi uma condenação errônea, infringindo o disposto no art. 621, I, do CPP. Portanto, esta situação por si só já é suficiente para ensejar a reparação, com base na responsabilidade objetiva do Estado.

Como bem observado no parecer do representante do Ministério Público Federal junto a este Tribunal, Procurador Regional da República Domingos Sávio Dresch da Silveira, "a revisão criminal tem precisamente este destino: permitir que a decisão condenatória passado em julgado possa ser novamente questionada, seja a partir de novas provas, seja a partir da atualização do direito pelos tribunais, seja, por fim, pela possibilidade de não ter sido prestada, no julgamento anterior, a melhor jurisdição" (fl. 570v.)

Transcrevo trecho do bem lançado parecer:

"(...) Na hipótese dos autos, J.D. foi condenado ao cumprimento de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, pelo cometimento das infrações previstas nos arts. 157, § 3º e 155, § 2º, incisos I e II, ambos do Código Penal. O cumprimento da pena ocorreu na data de 09 de dezembro de 1998 até a data de 19 de agosto de 2004, quando foi absolvido em sede de revisão criminal, cujo acórdão estabelece que:

'A condenação baseou-se nos depoimentos prestados quando da prisão em flagrante. Da leitura dos autos conclui-se que nem o autor, nem as 6 (seis) testemunhas se referem à participação de J. no crime.

(...)

Quer dizer que, no acórdão foram considerados apenas alguns depoimentos constantes do inquérito. Não foi valorado o fato de que o réu prestava serviço de corrida e que levou um colega e companheiros que disseram que iam caçar, quando na região era costume a caça. Não foi considerado o pagamento irrisório de R$ 10,00 (dez) reais compatível com a corrida mas não com o transporte para assalto baseando-se a condenação apenas na prova produzida no inquérito. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a prova produzida em inquérito não é justa causa para a condenação, logo a condenação perpetrou-se contra a evidência da prova dos autos'

(...)

Ora são visíveis os prejuízos sofridos com uma condenação penal, provocando dor e angústia ao apenado e sua família. O que se há de dizer, então, quando injusto o exercício do juízo condenatório? Assim, o resultado danoso, comprovado pela absolvição do apelante torna devida a indenização por danos morais e materiais"(fls. 570v./571) (destaques no original).

Com efeito, constatado que, em sede de revisão criminal (fls. 37/55) julgada por esta Corte, aquela condenação foi uma condenação errônea, caracterizada está a responsabilidade da União, havendo o dever de indenizar o autor ora apelante, mediante reparação compatível com o prejuízo sofrido.

Do dano moral

O dano moral atinge bens incorpóreos, como por exemplo, a imagem, a honra, a vida privada, a autoestima. Nesse contexto, há uma grande dificuldade em provar a lesão. Daí, a desnecessidade de a vítima provar a efetiva existência da lesão. A respeito disso, o Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento reiterado:

"Quanto ao dano moral, em si mesmo, não há falar em prova; o que se deve comprovar é o fato que gerou a dor, o sofrimento. Provado o fato, impõe-se a condenação, pois, nesses casos, em regra, considera-se o dano in re ipsa" (STJ, 3ª Turma, AgRg no Ag 1062888/SP, Relator Sidnei Beneti, DJ de 18/09/2008).

Dessa forma, a comprovação do dano moral é despicienda quando provado o fato em si, o que ocorre na espécie, ou seja, o dano moral decorrente da condenação e da privação de liberdade indevidas é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.

Concluindo-se pelo cabimento de indenização, resta apreciar o valor cabível, tanto a título de danos morais, quanto a título de danos materiais.

Do valor da indenização

A idéia não é reparar, mas compensar, mediante um benefício de ordem material, que é o único possível, a dor moral.

Não tendo a lei definido parâmetros para a indenização por danos morais, cabe ao juiz a tarefa de decidir caso a caso, de acordo com o seu "prudente arbítrio", levando em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a afastar indenizações desmedidas à ofensa e ao dano a ser reparado, bem como atendendo o disposto no caput do artigo 944 do Código Civil, no que se refere à extensão do dano e à situação econômica do ofensor.

Nesse sentido, acórdão do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ.

(...)

2. O valor da indenização sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na sua fixação, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso e atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.

3. In casu, o quantum fixado pelo Tribunal a quo a título de reparação de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso.

4. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 884.139/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 18.12.2007, DJ 11.02.2008 p. 1)

Quanto à indenização a título de danos materiais, cabe registrar que o autor expressamente requereu, na petição inicial, a condenação da ré ao pagamento de R$90.000,00 (noventa mil reais), como forma de ser ressarcido pela ausência de remuneração no período em que esteve preso e no posterior à condenação criminal, incluídos todos os reflexos no seu salário, razão pela qual não merece acolhida a insurgência do ora apelante, no ponto.

Relativamente ao valor a ser arbitrado a título de danos morais, entendo por acolher a promoção ministerial, no sentido de que seja fixado o valor em R$600.00,00 (seiscentos mil reais), considerando a peculiaridade do caso concreto.

Correção monetária e juros de mora

É devida correção monetária (Súmula 562 do STF), pelo INPC, nos termos da MP nº 1.415/96 e da Lei n° 9.711/98, desde a data do prejuízo, conforme a Súmula 43 do STJ:

Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.

A correção monetária não consubstancia acréscimo do valor do débito, senão apenas uma forma de preservação do poder aquisitivo da moeda, em face do desgaste originado do processo inflacionário.

Na linha da jurisprudência do STJ, os juros moratórios, em se tratando de responsabilidade extracontratual, começam a fluir a partir da data do evento, conforme se infere da Súmula 54, que possui o seguinte teor:

Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.

O Código Civil de 1916, no artigo 1.062, determinava o percentual de 6% ao ano para os juros de mora.

Todavia, a partir de 10-01-2003 passou a vigorar a Lei n.º 10.406/02, cujo artigo 406, revogando o art. 1.062 do antigo CCB, assim dispõe:

Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

A propósito, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em jornada realizada de 11 a 13-09-2002, aprovou o Enunciado n.º 20, estabelecendo que a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.

A respeito do tema, a recente orientação dada pelo Supremo Tribunal Federal é no sentido de ser imediata a aplicabilidade do art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97, com a alteração dada pela Medida Provisória 2.180-35/2001, independentemente da data do ajuizamento da ação.

Nesse sentido: STF: AIs 842063, 828778, 771555, 776497 e RE 559445.

Referido dispositivo tem agora a seguinte redação, dada pela Lei n.º 11.960 de 2009, in verbis:

Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

A propósito do tema vale reproduzir o entendimento sufragado pela Colenda 3ª Seção do STJ, cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. PARCELA RETROATIVA PREVISTA NA PORTARIA DE ANISTIA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. 61º DIA APÓS A PUBLICAÇÃO DA PORTARIA DE ANISTIA. OBRIGAÇÃO LÍQUIDA. DATA DO VENCIMENTO. ART. 12, § 4º, DA LEI N.º 10.559/2002. JUROS DE MORA. LEI DE REGÊNCIA. NATUREZA PROCESSUAL. APLICABILIDADE IMEDIATA AOS PROCESSOS EM ANDAMENTO. ALINHAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA À DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. APLICAÇÃO DO PERCENTUAL PREVISTO EM LEI VIGENTE À ÉPOCA DA MORA.

1. "omissis".

2. A Corte Especial - no julgamento do EResp 1.207.197/RS, acórdão pendente de publicação, alinhou a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça ao entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que as normas que disciplinam os juros moratórios possuem natureza processual, devendo incidir de imediato nos processos em andamento.

3. Na linha dessa nova orientação, nas condenações impostas à Fazenda Pública independentemente de sua natureza, devem incidir os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, a partir do advento da Lei n.º 11.960, publicada em 30/06/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97.

4. Não se tratando a hipótese de condenação da União, em verbas remuneratórias de servidor público, capaz de atrair a aplicação do art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97, com a redação da MP n.º 2.180-35/2001, mas sim de condenação ao pagamento da parcela de natureza indenizatória decorrente da concessão de anistia política, os juros de mora devem seguir a disciplina do art. 406 do Código Civil de 2002, no período de 11/01/2003 até 29/06/2009, e do art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97 com a redação dada pela Lei n.º 11.960/2009, a partir de 30/06/2009.

5. Agravo regimental parcialmente provido (AgRg nos EMBARGOS À EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA N.º 11097-DF (2008/0093951-0), Rel. Ministra Laurita Vaz, unânime, julg. 22/06/2011).

Assim, devem incidir no quantum indenizatório juros de mora de 0,5% ao mês desde a data do evento danoso, ocorrido em 1998, até 10/01/2003 (vigência no novo Código Civil), quando passam a incidir à taxa de 1% ao mês, e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09 (30/06/2009), devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica e juros da caderneta de poupança para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora.

Prequestionamento

Dou por prequestionados os dispositivos constitucionais e legais invocados.

Sucumbência

A fixação dos honorários decorre do princípio da sucumbência, consoante o art. 20 do CPC. Com a modificação na solução da lide, é automática inversão dos ônus sucumbenciais. Assim, condeno a ré ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, em consonância com os critérios legais e jurisprudenciais. Inexistentes custas a serem ressarcidas.

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do agravo retido interposto, para negar-lhe provimento e dar parcial provimento à apelação.

Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

Relator

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NOTAS DA SESSÃO DO DIA 14/03/2012

3ª TURMA

Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA (RELATOR)

Eu havia encaminhado aos eminentes pares um projeto de voto em que eu incidia na mesma preocupação, muito bem lembrada pelo eminente Procurador, pelo eminente advogado, de vislumbrar, talvez porque estou há pouco tempo no Tribunal, um ano, dois anos, ainda tenho o cacoete do Juiz de primeira instância, em que via aqui talvez psicologicamente, a situação como se estivéssemos julgando o trabalho do Juiz, e o Juiz não pode ter insegurança para julgar, não pode ter medo, não pode ter temores. Ele tem de exercer a sua jurisdição com a mais ampla liberdade.

Mas, como muito bem lembrado pelo eminente Procurador Regional, sempre muito lúcido, muito profundo, como também da tribuna, disso não se trata. Conforme o precedente já lembrado no parecer, do Min. Sepúlveda Pertence, no Recurso Extraordinário 505393, de Pernambuco, a questão aqui é objetiva, responsabilidade objetiva do Estado.

Então, quanto ao agravo retido, a União insiste - fui examinar - no sentido de que gostaria de ouvir, tomar o depoimento do autor. Parece-me que isso é desnecessário. Ela não vai conseguir demonstrar aqui mais do que já está na revisão criminal julgada por esta Corte, que reconheceu que aquela condenação não estava baseada em provas, foi uma condenação errônea. Portanto, parece que aquela situação por si só já é suficiente para ensejar a indenização. Parte da doutrina diz que o próprio Juiz criminal - até conversei com os colegas das Turmas criminais -, a própria Turma criminal poderia já fixar, e depois só seria uma questão de liquidação.

Então, neste caso, meu voto é no sentido de reconhecer o direito à indenização.

Com relação à fixação, também uma atividade complexa. Neste caso, vou acolher a sugestão. A inicial fala em 110 mil reais na data da propositura da ação. Acho que é valor que está bem quantificado pelos danos materiais. E vou acolher a promoção ministerial no sentido de fixar em cem mil reais por ano, ou seja, fixaríamos desde logo em 600 mil reais. Na linha dos precedentes, enfim, ficaria um valor que me parece suficiente para indenizar o dano moral.

Então, pedindo vênia aos eminentes colegas por ter feito agora um voto oral, embora tenha encaminhado voto noutro sentido, meu voto é no sentido de negar provimento ao agravo retido da União e dar parcial provimento à apelação do autor para fixar a indenização nos termos do voto, ainda adiantando que fixo os honorários em 10% sobre o valor da condenação.

Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA

Sr. Presidente, eminentes Procuradores, Procurador da República, como sempre lúcido e profundo, eu já tinha anotado pedido de vista em função do projeto que V. Exa., Des. Federal Fernando Quadros da Silva, tinha mandado.

Efetivamente aqui não há o que se discutir. Trata-se de responsabilidade objetiva da União, responsabilidade civil do Estado por erro judiciário, que, no meu entendimento, representa mais uma garantia dos direitos individuais. Lamentável que isso ocorra. Esse é um dos problemas da democracia. No entanto, aqui chegamos a quase seis anos, numa faixa etária de jovem que poderia mudar de emprego, melhorar de vida, frustrando todos os sonhos daquela época e ficando estigmatizado. A revisão criminal apagou tudo, mas aquele período de reclusão acho que é alguma coisa que é inesquecível. Todos temos momentos inesquecíveis na vida, e esse deve ser para o autor da ação dos maiores dramas de sua vida, apesar de já absolvido, já em paz com a sociedade.

Então, como disse, por entender que é responsabilidade objetiva, como o eminente Relator, que isso é uma garantia dos direitos individuais, vou também negar provimento ao agravo retido, porque o que vai resolver-se com a oitiva do autor em função da responsabilidade objetiva? Portanto, acompanho integralmente o Relator.

Mas estou também dando parcial provimento à apelação, mas em extensão diversa. Acho que a ideia do Procurador da República, de se mandar para liquidação o pedido de dano material é muito bem-vinda - efetivamente o que ele deixou de auferir, etc. e tal por força desse erro retroage lá ao início. Então, eu daria um parcial provimento para mandar à liquidação o dano material.

Quanto ao dano moral, aquele extrapatrimonial - sei que no caso dos anistiados foi feita essa analogia pelo eminente Dr. Domingos -, mas acho que reclusão, fechado, como há prova de que ele efetivamente ficou mais de cinco anos - cinco anos, oito meses, dez dias e três horas, é o que disse o Advogado da tribuna, é o que consta dos autos -, essa avaliação é uma avaliação que sempre tem uma carga de subjetividade e não de arbitrariedade, por óbvio, mas fico imaginando não só os danos pessoais, os danos físicos de alguém encarcerado em regime de reclusão nos presídios, que nós conhecemos e sabemos dos problemas, das mazelas do nosso sistema prisional, isso é do domínio público, está em toda a mídia, também os danos psíquicos a que esse autor, essa pessoa, esse cidadão brasileiro se submeteu. Então fixo, e fixo com a maior tranquilidade, no dobro de V. Exa. Fixo em 200 mil por ano. Fixo em um milhão de reais, portanto, ainda é um parcial provimento, mas acho que isso não vai apagar aqueles cinco anos. Um milhão de reais para a União em face do que ela recolhe de tributos não é nada, é uma gota d'água, é um grão de areia, mas para essa pessoa reiniciar de onde parou... Preocupo-me muito com a parte psíquica. Ele deixou de estudar, vai ter de começar mais tarde, vai ter, quiçá, de sair do seu ambiente, da sua cidade pequena para se perder na multidão, porque às vezes as pessoas são estigmatizadas. Existem ainda dogmas na nossa sociedade: foi condenado, pode ter sido por uma manobra que conseguiu a absolvição... Foi por maioria na realidade a revisão criminal, o Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro ficou vencido. Mas esse estigma, essa marca na psique, na parte psicológica do autor é o que me preocupa, e, para formarmos bons cidadãos, temos de ser um bom Estado. Por isso, fixo em um milhão de reais os danos morais.

Pedindo vênia a V. Exa., então, o meu parcial provimento à apelação é em extensão diversa de V. Exa., em maior extensão, diversa em função da liquidação de sentença para aferir exatamente quais são os danos materiais.

É como voto, pedindo redobrada vênia a V. Exa. por divergir em parte.

Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ

Sr. Presidente:

Primeiramente quero cumprimentar os eminentes advogados - ambos estiveram em meu Gabinete - pela brilhante sustentação oral e o douto representante do Ministério Público Federal, cuja sensibilidade é conhecida de todos nós. O caso realmente é doloroso.

A Des. Maria Lúcia ponderou muito bem: se fôssemos quantificar isso materialmente, iríamos ao infinito. A dor de uma pessoa, principalmente na realidade carcerária que conhecemos... Recordei-me agora há pouco, ouvindo o eminente advogado, ouvindo as discussões que tivemos, de Dostoievski, de quem gosto muito. Uma de suas obras é Recordações da Casa dos Mortos, em que um cidadão, que foi injustamente, por motivos políticos, encarcerado na Sibéria, descreve em um diário a tortura daquilo. Acho que podemos comparar nossos presídios, lamentavelmente, a uma Sibéria. A literatura do erro jurídico é farta: temos o caso dos irmãos Naves, nos anos 50; temos o clássico caso imortalizado por Anatole France, caso Dreyfus, na virada do Século XIX para o XX.

Sinto-me muito confortável porque já tenho votos e artigo publicado no sentido de que admito responsabilidade civil do Estado pelo ato jurisdicional. Neste caso aqui nem precisaríamos chegar a tanto porque o constituinte constitucionalizou um dispositivo tradicional nosso desde o Império que prevê indenização em caso de erro judiciário. O erro é crasso, o voto proferido e acolhido por maioria na Seção Criminal é exaustivo, examinando a infelicidade que houve. Houve uma falha do serviço, explicável inclusive pelo que dito da tribuna - até o advogado foi muito generoso -, imagino a comoção que um latrocínio deste deva ter causado em um município pequeno, mas o fato é que um inocente foi martirizado por assim dizer.

Com estas singelíssimas considerações, acho até que o autor merecia mais para que tivesse uma reparação moral, porque a material, cinco anos e oito meses, essa ninguém devolve; é a juventude dele que se foi, 'n' oportunidades que teria, inclusive na vida amorosa, algo normal da vida de uma pessoa... Enfim, V. Exa. me perdoe, é um caso diferenciado, mas peço licença para divergir de V. Exa. apenas na quantificação. Acho que a Des. Maria Lúcia, neste caso, parece-me, dentro do que podemos fazer, quantificou da forma mais adequada ao caso, até para ter um efeito pedagógico. Houve um mal funcionamento da Justiça, mas não me parece ter havido culpa grave ou dolo por parte do Juiz, isso é evidente que não houve, mas, pelo dito da tribuna, talvez até pela comoção que o fato gerou - a história está cheia de julgamentos por antecipação -, isso teve um efeito.

De modo que, com estas singelas considerações - peço juntada de notas -, acompanho V. Exa. quanto à conclusão, quanto ao agravo retido, quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade, mas divirjo na questão da quantificação, alinhando-me à Des. Maria Lúcia.

DECISÃO

A Turma, por unanimidade, negou provimento do agravo retido e, por maioria, deu parcial provimento à apelação, nos termos do voto da Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, vencido em parte o Relator, que dava provimento em menor extensão. Lavrará o acórdão a Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, primeira na divergência. Determinada a juntada de notas taquigráficas.

Simone Glass Eslabão

Supervisora

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