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Google não é obrigado a ter controle prévio de conteúdos do Orkut

A 3ª turma do STJ entende que, mesmo tendo que manter o registro do IP (número que identifica cada computador na internet) e remover conteúdos ofensivos, o Google Brasil Internet Ltda. não é obrigado a fazer controle prévio do conteúdo do Orkut, seu site de relacionamentos. Assim, a turma negou pedido de indenização contra a empresa.

14/9/2011


Internet

Google não é obrigado a ter controle prévio de conteúdos do Orkut

A 3ª turma do STJ entende que, mesmo tendo que manter o registro do IP (número que identifica cada computador na internet) e remover conteúdos ofensivos, o Google Brasil não é obrigado a fazer controle prévio do conteúdo do Orkut, seu site de relacionamentos. Assim, a turma negou pedido de indenização contra a empresa.

Um usuário alegou que foi ofendido pelo conteúdo de página no Orkut. Em primeira instância, determinou-se a retirada de um álbum de fotografias e dos respectivos comentários, além de indenização de R$ 8.300 por danos morais. O Google recorreu, mas o T/JMG negou o pedido por entender que a empresa teria assumido o risco da má utilização do serviço. Para o tribunal mineiro, o site deveria ter desenvolvido ferramentas para coibir abusos e ainda ter identificado o usuário responsável pelas ofensas.

No recurso ao STJ, o Google alegou haver julgamento extra petita (quando o juiz concede algo além do que foi pedido na ação), já que em nenhum momento foram solicitadas informações sobre os usuários. Também afirmou que, não tendo participado da criação do perfil ofensivo no Orkut, não poderia ser responsabilizado e ser obrigado a indenizar a vítima. Argumentou que, segundo os artigos 182 e 927 do CC/02 (clique aqui), o causador do ilícito é o único obrigado a indenizar.

Corte Superior

A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, entendeu que, apesar de o serviço ser oferecido gratuitamente, há relação de consumo, já que o Google consegue divulgação de sua marca e serviços com o site de relacionamentos e tem remuneração indireta. Portanto o CDC (clique aqui) seria aplicável a essas relações. Por outro lado, o Orkut presta serviço de provedor de conteúdo – disse a ministra Andrighi –, sem participar ou interferir no que é veiculado no site. O relacionamento entre os usuários e a criação das "comunidades" são livres.

A relatora ponderou que a responsabilidade do Google deve ser restrita à natureza da atividade desenvolvida. Para a ministra, parte dos serviços oferecidos pela empresa via Orkut é o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos dados cadastrais dos clientes. "No que tange à fiscalização das informações postadas pelos usuários, não se trata de atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do artigo 14 do CDC", acrescentou.

Para a ministra Andrighi, o dano moral não pode ser considerado risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, já que suas atividades não implicam, para terceiros, riscos diretos maiores do que qualquer outra atividade. Por isso, ela considerou que não se aplica a esses provedores a responsabilidade objetiva prevista pelo art. 927, parágrafo único, do CC/02.

Quebra de sigilo

A ministra também asseverou que o controle prévio de conteúdos seria equiparável à quebra de sigilo das comunicações, vedado pelo artigo 5º, inciso XII, da CF/88 (clique aqui). "Não bastasse isso, a verificação antecipada do conteúdo eliminaria – ou pelo menos alijaria – um dos maiores atrativos da internet, que é a transmissão de dados em tempo real", observou.

A própria subjetividade do dano moral seria, na visão da ministra, um impedimento para a verificação prévia do conteúdo. Não seria possível fixar parâmetros prévios do que seria ofensivo ou não. Os sites, entretanto, ainda têm responsabilidade sobre o tráfego de informações. "Há, em contrapartida, o dever de, uma vez ciente da existência de mensagem de conteúdo ofensivo, retirá-la imediatamente do ar", esclareceu a ministra.

Ela destacou também que a CF/88 veda o anonimato e que o IP deve ser exigido na prestação de certos serviços. No caso, o Google mantém registros dos IPs dos computadores utilizados para acessar o Orkut. Ela observou que a empresa realmente retirou o conteúdo ofensivo do ar assim que foi informada da situação. Além disso, o Google mantém canal para as pessoas, usuárias ou não, que tiveram suas identidades "roubadas" no Orkut, solicitarem a exclusão da conta e denunciarem outros abusos.

A ministra concluiu afirmando que não houve no processo nenhum pedido para fornecer os dados que poderiam identificar o verdadeiro autor da ofensa. "Noto, por oportuno, a importância de o IP ser mantido em absoluto sigilo, sendo divulgado apenas mediante determinação judicial, pois, a partir dele, é possível realizar ofensivas direcionadas ao respectivo computador", alertou. A ministra acolheu o pedido do Google e afastou a obrigação de indenizar.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.186.616 - MG (2010/0051226-3)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA

ADVOGADOS : JÚLIO CÉSAR OLIVEIRA SASDELLI E OUTRO(S) GUILHERME KASCHNY BASTIAN E OUTRO(S)

RECORRIDO : A.M.S.M.

ADVOGADO : TIAGO SOARES NOLASCO

EMENTA

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.

1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.

2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração”, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.

3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.

4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.

5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.

6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os

usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo .

7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo que registra o número de protocolo (IP) na internet dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.

8. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). GUILHERME KASCHNY BASTIAN, pela parte RECORRENTE: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA.

Brasília (DF), 23 de agosto de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e GOOGLE, INC., com fulcro no art. 105, III, “a”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/MG.

Ação: de indenização por danos morais, ajuizada por A.M.S.M em desfavor das recorrentes, sob a alegação de ter sido alvo de ofensas em página na internet da rede social ORKUT, mantida pela GOOGLE.

Houve a concessão de tutela antecipada, para o fim de determinar a retirada “do álbum de fotos do perfil 'Pirapora Linda', da rede social 'ORKUT', a foto, bem como os comentários relacionados ao requerente” (fl. 35, e-STJ).

Sentença: julgou procedentes os pedidos iniciais, para tornar definitivos os efeitos da tutela, condenando a GOOGLE ao pagamento de indenização por danos morais arbitrada em R$8.300,00 (fls. 177/185, e-STJ).

Acórdão: o TJ/MG negou provimento ao apelo da GOOGLE e deu parcial provimento à apelação adesiva do recorrido, nos termos do acórdão (fls. 276/301, e-STJ) assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL - SITE DE RELACIONAMENTOS NA INTERNET (“ORKUT”) - CRIAÇÃO DE “PERFIL” DE CONTEÚDO PEJORATIVO E DIFAMATÓRIO - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - NÃO-IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO - RESPONSABIILDADE DAS EMPRESAS PROPRIETÁRIAS DO SÍTIO ELETRÔNICO - QUANTUM

INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE - TERMO INICIAL DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA - DATA DA DECISÃO QUE FIXOU O MONTANTE INDENIZATÓRIO - JUROS DE MORA - INCIDÊNCIA A PARTIR DO EVENTO DANOSO (SÚMULA 54, DO STJ) - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - VALOR ADEQUADO - DESNECESSIDADE DE MAJORAÇÃO. Não se dispondo as proprietárias do site de relacionamentos a desenvolver uma ferramenta de controle verdadeiramente pronto e eficaz contra a prática de abusos, tampouco procedendo à identificação precisa do usuário que posta mensagem de conteúdo claro e patentemente ofensivo à honra e imagem de outrem, entendo que elas assumem, integralmente, o ônus pela má-utilização dos serviços que disponibilizam. Portanto, considero que as requeridas são, efetiva e solidariamente, responsáveis pelos prejuízos de ordem moral causados ao requerente, em decorrência da infausta postagem de perfil difamatório por usuário do “Orkut”, cuja precisa e necessária identificação não se dignaram a fazer. A indenização por danos morais deve alcançar valor tal, que sirva de exemplo para as rés, sendo ineficaz, para tal fim, o arbitramento de quantia excessivamente baixa ou simbólica, mas, por outro lado, nunca deve ser fonte de enriquecimento para o autor, servindo-lhe apenas como compensação pela dor sofrida. A correção monetária da indenização por danos morais deverá se dar a partir da publicação da sentença em que foi arbitrada, posto que, até então, presume-se atual. A responsabilidade civil das requeridas tem natureza extracontratual, de forma que, nos termos da Súmula n. 54, do STJ, os juros moratórios incidirão, sobre o valor da indenização por danos morais, desde o evento danoso. Malgrado o zelo e a diligência adotados pelo patrono do requerente e a média complexidade da causa, não pode ser desconsiderado o curto período de duração do processo, já que, entre a distribuição (14.09.2007, f. 27-v) e a prolação da sentença de primeiro grau (24.04.2008, f. 152), transcorreram pouco mais de sete meses. Assim, tenho que a verba honorária fixada pelo douto julgador primevo, em 15% sobre o valor da condenação, está em consonância com os critérios contidos no §3º, do artigo 20, do CPC, mostrando-se suficiente, justo e razoável para remunerar condignamente o trabalho do ilustre causídico.

Embargos de declaração: interpostos pelas recorrentes, foram rejeitados pelo TJ/MG (fls. 315/328, e-STJ).

Recurso especial: alegam violação dos arts. 128, 293, 458, 515, § 1º, e 535 do CPC; e 186, 265 e 927 do CC/02 (fls. 331/348, e-STJ).

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/MG admitiu o recurso especial (fls. 384/386, e-STJ).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide a determinar se provedor de rede social de relacionamento via internet é responsável pelo conteúdo das informações veiculadas no respectivo site.

I. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535 do CPC.

Da análise do acórdão recorrido, constata-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício que pudesse ter sido sanado pela via dos embargos de declaração. O TJ/MG se pronunciou de maneira a discutir todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados logo adiante.

O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.

Por outro lado, encontra-se pacificado no STJ o entendimento de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados objetivando o prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição. Confira-se os precedentes: AgRg no Ag 680.045/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp 647.747/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS 11.038/DF, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007.

Constata-se, na realidade, o inconformismo das recorrentes e a tentativa de imprimir aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do mencionado recurso.

Assim, não se vislumbra violação do art. 535 do CPC.

II. Da existência de julgamento extra petita. Violação dos arts. 128, 293 e 515, § 1º, do CPC.

De acordo com o TJ/MG, as recorrentes, “mesmo tendo sido citadas para os termos da presente ação (...), embora tenham cumprido a decisão liminar (...), sequer identificaram e declinaram, ao longo da instrução, o usuário que efetivamente criou o perfil, o que torna ainda mais clara sua responsabilidade pelos danos extrapatrimoniais” (fl. 289, e-STJ).

A GOOGLE aduz que “nunca houve pedido formulado pelo recorrido para que fornecesse dados que possui e capazes de identificar o usuário”, bem como que “nunca foi proferida ordem judicial determinando que disponibilizasse tais informações” (fl. 344, e-STJ).

Diante disso, sustenta haver ofensa aos arts. 128, 293 e 515, § 1º do CPC.

Inicialmente, há de se considerar que esse não foi o único fundamento utilizado pelo Tribunal Estadual para imputar à GOOGLE a responsabilidade solidária pelos danos morais causados ao recorrido.

Na verdade, a condenação centrou-se, preponderantemente, no fato de ter ficado “cabalmente demonstrado que o serviço prestado é falho, vez que não garante ao usuário a segurança necessária, permitindo a veiculação de missiva de conteúdo extremamente ofensivo e desabonador”. O TJ/MG consigna que, “em virtude da própria natureza dos serviços prestados”, o site deveria “desenvolver mecanismos de controle efetivo e eficaz do conteúdo das mensagens, perfis e/ou comunidades criadas por seus usuários” (fl. 287, e-STJ).

Claro, portanto, que a responsabilidade solidária imposta à GOOGLE fundou-se sobretudo no suposto defeito do serviço por ela prestado, conforme expressamente esclarecido na decisão relativa aos embargos de declaração (fl. 317, e-STJ).

Aliás, o acórdão dos embargos declaratórios – de natureza integrativa – acrescenta que cabia à GOOGLE, “independentemente de determinação judicial nesse sentido, até mesmo face ao disposto no art. 14, incisos I e II, do CPC, informar, sem subterfúgios, a identificação do usuário responsável pelo perfil” (fl. 322, e-STJ).

No mesmo sentido, consta da petição inicial que “a responsabilidade da requerida é patente face ao disposto no artigo 14 do CDC, tendo em vista que o serviço não oferece segurança ao consumidor” (fl. 06, e-STJ).

Vê-se, portanto, que o TJ/MG em momento algum extrapolou o pedido ou a causa de pedir, não sendo possível vislumbrar qualquer ofensa aos arts. 128 ou 293 do CPC.

Outrossim, no que tange aos limites da apelação, não obstante sejam determinados pelo princípio do tantum devolutum quantum appelatum , ao Tribunal é facultado apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença recorrida não as tenha julgado por inteiro. É esse o comando que se extrai do § 1º do art. 515 do CPC.

Deve-se, portanto, distinguir a extensão da devolução, limitada pelo pedido daquele que recorre, e a sua profundidade, que abrange os antecedentes lógico-jurídicos da decisão impugnada. Em outras palavras, delimitar a extensão do efeito devolutivo é determinar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do Tribunal; medir-lhe a profundidade é precisar com que material há de trabalhar o Tribunal para julgar.

Estabelecida a extensão do objeto do recurso pelo requerimento formulado pelo apelante, todas as questões surgidas no processo, que possam interferir no seu acolhimento ou rejeição, devem ser levadas em conta pelo Tribunal.

José Carlos Barbosa Moreira anota que, “preservada a imutabilidade da causa de pedir, é amplíssima, em profundidade, a devolução”, ressaltando, ainda, sua complementação pelo art. 516 do CPC, de modo a abranger, além das questões efetivamente resolvidas na sentença apelada, “também as que nela poderiam tê-lo sido” (Comentários ao CPC. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 446).

Assim, no âmbito dessa devolução, era lítico ao TJ/MG apreciar todas as questões atinentes à natureza da responsabilidade da GOOGLE, sem que isso implique violação dos arts. 128, 293 ou 515 do CPC.

III. Do dano moral. Violação dos arts. 186 e 927 do CC/02.

De acordo com a GOOGLE, tendo o próprio TJ/MG reconhecido que o site não teve participação na criação do perfil onde foram veiculadas as mensagens ofensivas, era incabível a sua condenação, vez que “as normas constantes nos arts. 186 e 927 do CC impõem o dever de indenizar ao causador do ato ilícito” (fl. 345, e-STJ).

O TJ/MG, por sua vez, fundamenta o dever de indenizar da GOOGLE na falha do serviço prestado pelo site, “advinda da inexistência de mecanismo de controle efetivo e eficaz do conteúdo das mensagens postadas pelos usuários” (fl. 320, e-STJ).

(i) A natureza jurídica do serviço prestado pelo ORKUT.

Inicialmente, é preciso determinar a natureza jurídica dos provedores de serviços de internet, em especial da GOOGLE, pois somente assim será possível definir os limites de sua responsabilidade e a existência de relação de consumo.

A world wide web (www) é uma rede mundial composta pelo somatório de todos os servidores a ela conectados. Esses servidores são bancos de dados que concentram toda a informação disponível na internet, divulgadas por intermédio das incontáveis páginas de acesso (webpages).

Os provedores de serviços de internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata-se de gênero do qual são espécies as demais categorias, como: (i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação.

É frequente que provedores ofereçam mais de uma modalidade de serviço de internet; daí a confusão entre essas diversas modalidades. Entretanto, a diferença conceitual subsiste e é indispensável à correta imputação da responsabilidade inerente a cada serviço prestado.

Na hipótese específica do ORKUT, rede social virtual na qual foram veiculadas as informações tidas por ofensivas, verifica-se que a GOOGLE atua como provedora de conteúdo, pois o site disponibiliza informações, opiniões e comentários de seus usuários. Estes usuários criam páginas pessoais (perfis), por meio das quais se relacionam com outros usuários e integram grupos (comunidades), igualmente criados por usuários, nos quais se realizam debates e troca de informações sobre interesses comuns.

(ii) A sujeição dos serviços de internet ao CDC.

Parece inegável que a exploração comercial da internet sujeita as relações jurídicas de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. Newton De Lucca aponta o surgimento de “uma nova espécie de consumidor (...) – a do consumidor internauta – e, com ela, a necessidade de proteção normativa, já tão evidente no plano da economia tradicional” (Direito e internet: aspectos jurídicos relevantes. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 27).

Com efeito, as peculiaridades inerentes a essa relação virtual não afastam as bases caracterizadoras de um negócio jurídico clássico: (i) legítima manifestação de vontade das partes; (ii) objeto lícito, possível e determinado ou determinável; (iii) e forma prescrita ou não defesa em lei.

Fernando Antônio de Vasconcelos observa que “o serviço preconizado na Lei 8.078/90 é o mesmo prestado pelas várias empresas que operam no setor [rede virtual]. Fica, pois, difícil dissociar o prestador [provedor] de serviços da internet do fornecedor de serviços definido no Código de Defesa do Consumidor” (Internet. Responsabilidade do provedor pelos danos praticados. Curitiba: Juruá, 2004, p. 116).

Vale notar, por oportuno, que o fato de o serviço prestado pelo provedor ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração”, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.

Na lição de Cláudia Lima Marques, “a expressão 'remuneração' permite incluir todos aqueles contratos em que for possível identificar, no sinalagma escondido (contraprestação escondida), uma remuneração indireta do serviço” (Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º ao 74. São Paulo: RT, 2003, p. 94).

No caso da GOOGLE, é clara a existência do chamado cross marketing – ação promocional entre produtos ou serviços em que um deles, embora não rentável em si, proporciona ganhos decorrentes da venda de outro. Apesar de gratuito, o ORKUT exige que o usuário realize um cadastro e concorde com as condições de prestação do serviço, gerando um banco de dados com infinitas aplicações comerciais.

Ademais, o ORKUT é importante ferramenta de divulgação e crescimento da marca “GOOGLE” – a mais valiosa do mundo, cujo valor, em 2009, foi estimado em mais de 100 bilhões de Dólares (https://techcrunch.com/2009/04/30/guess-which-brand-is-now-worth-100-billion) – diretamente atrelada à venda de produtos da GOOGLE, em especial espaços de publicidade em outros sites por ela mantidos.

Retomando os ensinamentos de Cláudia Lima Marques, a autora anota que “estas atividades dos fornecedores visam lucro, são parte de seu marketing e de seu preço total, pois são remunerados na manutenção do negócio principal”, concluindo que “no mercado de consumo, em quase todos os casos, há remuneração do fornecedor, direta ou indireta, como um exemplo do 'enriquecimento' dos fornecedores pelos serviços ditos 'gratuitos' pode comprovar” (op. cit., p. 95).

Há, portanto, inegável relação de consumo nos serviços de internet, ainda que prestados gratuitamente.

(iii) Os limites da responsabilidade do GOOGLE.

Não obstante a indiscutível existência de relação de consumo no serviço prestado por intermédio do ORKUT, a responsabilidade da GOOGLE deve ficar restrita à natureza da atividade por ele desenvolvida naquele site, que, a partir do quanto visto linhas acima, corresponde à típica provedoria de conteúdo, disponibilizando na rede as informações encaminhadas por seus usuários.

Nesse aspecto, o serviço da GOOGLE deve garantir o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos dados cadastrais de seus usuários, bem como o funcionamento e a manutenção das páginas na internet que contenham as contas individuais e as comunidades desses usuários.

No que tange à fiscalização do conteúdo das informações postadas por cada usuário, não se trata de atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra o material nele inserido.

Conforme anota Rui Stocco, quando o provedor de internet age “como mero fornecedor de meios físicos, que serve apenas de intermediário, repassando mensagens e imagens transmitidas por outras pessoas e, portanto, não as produziu nem sobre elas exerceu fiscalização ou juízo de valor, não pode ser responsabilizado por eventuais excessos e ofensas à moral, à intimidade e à honra de outros” (Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 901).

Tampouco se pode falar em risco da atividade como meio transverso para a responsabilização do provedor por danos decorrentes do conteúdo de mensagens inseridas em seu site por usuários. Há de se ter cautela na interpretação do art. 927, parágrafo único, do CC/02.

No julgamento do REsp 1.067.738/GO, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, minha relatoria p/ acórdão, DJe de 25.06.2009, tive a oportunidade de enfrentar o tema, tendo me manifestado no sentido de que “a natureza da atividade é que irá determinar sua maior propensão à ocorrência de acidentes. O risco que dá margem à responsabilidade objetiva não é aquele habitual, inerente a qualquer atividade. Exige-se a exposição a um risco excepcional, próprio de atividades com elevado potencial ofensivo”.

Roger Silva Aguiar bem observa que o princípio geral firmado no art. 927, parágrafo único, do CC/02 “inicia-se com a conjunção quando, denotando que o legislador acolheu o entendimento de que nem toda atividade humana importa em 'perigo' para terceiros com o caráter que lhe foi dado na terceira parte do parágrafo” (Responsabilidade civil objetiva: do risco à solidariedade. São Paulo: Atlas, 2007, p. 50).

Com base nesse entendimento, a I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF, aprovou o Enunciado 38, que aponta interessante critério para definição dos riscos que dariam margem à responsabilidade objetiva, afirmando que esta fica configurada “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.

Transpondo a regra para o universo virtual, não se pode considerar o dano moral um risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo. A esse respeito Erica Brandini Barbagalo anota que as atividades desenvolvidas pelos provedores de serviços na internet não são “de risco por sua própria natureza, não implicam riscos para direitos de terceiros maior que os riscos de qualquer atividade comercial” (Aspectos da responsabilidade civil dos provedores de serviços da internet. In Ronaldo Lemos e Ivo Waisberg, Conflitos sobre nomes de domínio. São Paulo: RT, 2003, p. 361).

Ademais, o controle editorial prévio do conteúdo das informações se equipara à quebra do sigilo da correspondência e das comunicações, vedada pelo art. 5º, XII, da CF/88.

Não bastasse isso, a verificação antecipada, pelo provedor, do conteúdo de todas as informações inseridas na web eliminaria – ou pelo menos alijaria – um dos maiores atrativos da internet, que é a transmissão de dados em tempo real.

Carlos Affonso Pereira de Souza vê “meios tecnológicos para revisar todas as páginas de um provedor”, mas ressalva que esse procedimento causaria “uma descomunal perda na eficiência do serviço prestado, quando não vier a impossibilitar a própria disponibilização do serviço” (A responsabilidade civil dos provedores pelos atos de seus usuários na internet . In Manual de direito eletrônico e internet. São Paulo: Aduaneiras, 2006, p. 651).

No mesmo sentido opina Paulo Nader, que considera inviável impor essa conduta aos provedores, “pois tornaria extremamente complexa a organização de meios para a obtenção dos resultados exigidos, além de criar pequenos órgãos de censura” (Curso de direito civil. Vol. VII, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 385).

Em outras palavras, exigir dos provedores de conteúdo o monitoramento das informações que veiculam traria enorme retrocesso ao mundo virtual, a ponto de inviabilizar serviços que hoje estão amplamente difundidos no cotidiano de milhares de pessoas. A medida, portanto, teria impacto social e tecnológico extremamente negativo.

Mas, mesmo que, ad argumentandum , fosse possível vigiar a conduta dos usuários sem descaracterizar o serviço prestado pelo provedor, haveria de se transpor outro problema, de repercussões ainda maiores, consistente na definição dos critérios que autorizariam o veto ou o descarte de determinada informação. Ante à subjetividade que cerca o dano moral, seria impossível delimitar parâmetros de que pudessem se valer os provedores para definir se uma mensagem ou imagem é potencialmente ofensiva. Por outro lado, seria temerário delegar o juízo de discricionariedade sobre o conteúdo dessas informações aos provedores.

Por todos esses motivos, não vejo como obrigar a GOOGLE a realizar a prévia fiscalização do conteúdo das informações que circulam no ORKUT.

Entretanto, também não é razoável deixar a sociedade desamparada frente à prática, cada vez mais corriqueira, de se utilizar comunidades virtuais como artifício para a consecução de atividades ilegais. Antonio Lindberg Montenegro bem observa que “a liberdade de comunicação que se defende em favor da internet não deve servir de passaporte para excluir a ilicitude penal ou civil que se pratique nas mensagens por ela transmitidas” (A internet em suas relações contratuais e extracontratuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 174).

Trata-se de questão global, de repercussão internacional, que tem ocupado legisladores de todo o mundo, sendo possível identificar, no direito comparado, a tendência de isentar os provedores de serviço da responsabilidade pelo monitoramento do conteúdo das informações veiculadas em seus sites.

Os Estados Unidos, por exemplo, alteraram seu Telecomunications Act, por intermédio do Communications Decency Act, com uma disposição (47 U.S.C. § 230) que isenta provedores de serviços na internet pela inclusão, em seu site, de informações encaminhadas por terceiros.

De forma semelhante, a Comunidade Europeia editou a Diretiva 2000/31, cujo art. 15, intitulado “ausência de obrigação geral de vigilância”, exime os provedores da responsabilidade de monitorar e controlar o conteúdo das informações de terceiros que venham a transmitir ou armazenar.

Contudo, essas normas não livram indiscriminadamente os provedores de responsabilidade pelo tráfego de informações em seus sites. Há, em contrapartida, o dever de, uma vez ciente da existência de mensagem de conteúdo ofensivo, retirá-la imediatamente do ar, sob pena, aí sim, de responsabilização.

Existe no Brasil iniciativa semelhante, corporificada no Projeto de Lei nº 4.906/01 do Senado Federal, que, além de reconhecer expressamente a incidência do CDC ao comércio eletrônico (art. 30), isenta de responsabilidade os “provedores de transmissão de informações” da responsabilidade pelo conteúdo das informações transmitidas (art. 35) e desobriga-os de fiscalizar mensagens de terceiros (art. 37), mas fixa a responsabilidade civil e criminal do provedor de serviço que, tendo conhecimento inequívoco da prática de crime em arquivo eletrônico por ele armazenado, deixa de promover a imediata suspensão ou interrupção de seu acesso (art. 38).

Realmente, esse parece ser o caminho mais coerente. Se, por um lado, há notória impossibilidade prática de controle, pelo provedor de conteúdo, de toda a informação que transita em seu site; por outro lado, deve ele, ciente da existência de publicação de texto ilícito, removê-lo sem delongas.

Patrícia Peck comunga dessa ideia e apresenta exemplo que se amolda perfeitamente à hipótese dos autos. A autora considera “tarefa hercúlea e humanamente impossível” que “a empresa GOOGLE monitore todos os vídeos postados em seu sítio eletrônico 'youtube', de maneira prévia”, mas entende que “ao ser comunicada, seja por uma autoridade, seja por um usuário, de que determinado vídeo/texto possui conteúdo eventualmente ofensivo e/ou ilícito, deve tal empresa agir de forma enérgica, retirando-o imediatamente do ar, sob pena de, daí sim, responder de forma solidária juntamente com o seu autor ante a omissão praticada (art. 186 do CC)” (Direito digital. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 401).

Do quanto exposto até aqui, conclui-se que não se pode considerar de risco a atividade desenvolvida pelos provedores de conteúdo, tampouco se pode ter por defeituosa a ausência de fiscalização prévia das informações inseridas por terceiros no site, inexistindo justificativa para a sua responsabilização objetiva pela veiculação de mensagens de teor ofensivo.

Por outro lado, ainda que, como visto, se possa exigir dos provedores um controle posterior, vinculado à sua efetiva ciência quanto à existência de mensagens de conteúdo ilícito, a medida se mostra insuficiente à garantia dos consumidores usuários da rede mundial de computadores, que continuam sem ter contra quem agir: não podem responsabilizar o provedor e não sabem quem foi o autor direto da ofensa.

Cabe, nesse ponto, frisar que a liberdade de manifestação do pensamento, assegurada pelo art. 5º, IV, da CF/88, não é irrestrita, sendo “vedado o anonimato”. Em outras palavras, qualquer um pode se expressar livremente, desde que se identifique.

Dessa forma, ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada.

A esse respeito, Marcel Leonardi observa que o provedor deve exigir do usuário, conforme a natureza do serviço prestado, “os números de IP atribuídos e utilizados pelo usuário, os números de telefone utilizados para estabelecer conexão, o endereço físico de instalação dos equipamentos utilizados para conexões de alta velocidade e demais informações que se fizerem necessárias para prevenir o anonimato do usuário” (Responsabilidade civil dos provedores de serviços de internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 82).

Portanto, sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo .

Com efeito, o provedor que, movido pela ânsia de facilitar o cadastro e aumentar exponencialmente o número de usuários, ou por qualquer outro motivo, opta por não exercer um mínimo de controle daqueles que se filiam ao seu site, assume o risco dessa desídia, respondendo subsidiariamente pelos danos causados a terceiros.

Antonio Jeová Santos esclarece que a não identificação, pelo provedor, das pessoas que hospeda em seu site, “não o exime da responsabilidade direta, se o anônimo perpetrou algum ataque causador de dano moral. Não exigindo identificação dos seus usuários, assume o ônus e a culpa pelo atuar indiscreto, criminoso ou ofensivo à honra e intimidade acaso cometido” (Dano moral na internet. São Paulo: Método, 2001, p. 143).

Note-se, por oportuno, que não se está, aqui, a propor uma burocratização desmedida da internet. O crescimento e popularidade da rede devem-se, em grande medida, justamente à sua informalidade e à possibilidade dos usuários a acessarem sem identificação. Essa liberdade tornou-se um grande atrativo, especialmente nos sites de relacionamento, em que pessoas desenvolvem “personalidades virtuais”, absolutamente distintas de suas próprias, assumindo uma nova identidade, por meio da qual se apresentam e convivem com terceiros.

Criou-se um “mundo paralelo”, em que tudo é intangível e no qual há enorme dificuldade em se distinguir a realidade da fantasia.

Outrossim, não se pode ignorar a importância e os reflexos econômicos da internet. O dinamismo e o alcance da rede a transformou num ambiente extremamente propício ao comércio. Porém, ainda que concretizados de forma virtual, esses negócios exigem segurança jurídica. E, nesse universo, a identificação das pessoas se torna fundamental.

Dessarte, quanto mais a web se difunde, maior o desafio de se encontrar um limite para o anonimato dos seus usuários, um equilíbrio entre o virtual e o material, de modo a proporcionar segurança para as inúmeras relações que se estabelecem via internet , mas sem tolher a informalidade que lhe é peculiar.

Nesse aspecto, por mais que se queira garantir a liberdade daqueles que navegam na internet, reconhecendo-se essa condição como indispensável à própria existência e desenvolvimento da rede, não podemos transformá-la numa “terra de ninguém”, onde, sob o pretexto de não aniquilar as suas virtudes, se acabe por tolerar sua utilização para a prática dos mais variados abusos.

A internet é sem dúvida uma ferramenta consolidada em âmbito mundial, que se incorporou no cotidiano de todos nós, mas cuja continuidade depende da criação de mecanismos capazes de reprimir sua utilização para fins perniciosos, sob pena dos malefícios da rede suplantarem suas vantagens, colocando em xeque o seu futuro.

Diante disso, ainda que muitos busquem na web o anonimato, este não pode ser pleno e irrestrito. A existência de meios que possibilitem a identificação de cada usuário se coloca como um ônus social, a ser suportado por todos nós objetivando preservar a integridade e o destino da própria rede.

Isso não significa colocar em risco a privacidade dos usuários. Os dados pessoais fornecidos ao provedor devem ser mantidos em absoluto sigilo – como já ocorre nas hipóteses em que se estabelece uma relação sinalagmática via internet, na qual se fornece nome completo, números de documentos pessoais, endereço, número de cartão de crédito, entre outros – sendo divulgados apenas quando se constatar a prática de algum ilícito e mediante ordem judicial.

Também não significa que se deva exigir um processo de cadastramento imune a falhas. A mente criminosa é sagaz e invariavelmente encontra meios de burlar até mesmo os mais modernos sistemas de segurança. O que se espera dos provedores é a implementação decuidados mínimos, consentâneos com seu porte financeiro e seu know-how tecnológico – a ser avaliado casuisticamente, em cada processo – de sorte a proporcionar aos seus usuários um ambiente de navegação saudável e razoavelmente seguro.

Em suma, pois, tem-se que os provedores de conteúdo: (i) não respondem objetivamente pela inserção no site, por terceiros, de informações ilegais; (ii) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo das informações postadas no site por seus usuários; (iii) devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da existência de dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de responderem pelos danos respectivos; (iv) devem manter um sistema minimamente eficaz de identificação de seus usuários, cuja efetividade será avaliada caso a caso.

Ainda que não ideais, certamente incapazes de conter por completo a utilização da rede para fins nocivos, a solução ora proposta se afigura como a que melhor equaciona os direitos e deveres dos diversos players do mundo virtual.

Na análise de Newton De Lucca “a implementação de medidas drásticas de controle de conteúdos na internet deve ser reservada para casos extremos, quando estiver presente manifesto interesse público e desde que ponderado o potencial prejuízo causado a terceiros, não havendo de ser adotada nas demais hipóteses, principalmente quando se tratar de interesse individual, salvo em situações absolutamente excepcionais, que representarão exceções raríssimas” (op. cit., p. 400).

As adversidades indissociáveis da tutela das inovações criadas pela era digital dão origem a situações cuja solução pode causar certa perplexidade. Há de se ter em mente, no entanto, que a internet é reflexo da sociedade e de seus constantes avanços. Se, ainda hoje, não conseguimos tutelar com total equidade direitos seculares e consagrados, seria tolice contar com resultados mais eficientes nos conflitos relativos à rede mundial de computadores.

(iv) A hipótese dos autos.

O recorrido interpôs a presente ação objetivando compelir a GOOGLE a suprimir do ORKUT texto cujo conteúdo considerava ofensivo à sua pessoa, bem como para ser indenizado pelos respectivos danos morais.

Houve a concessão de tutela antecipada, para o fim de determinar a retirada “do álbum de fotos do perfil 'Pirapora Linda', da comunidade 'ORKUT', a foto, bem como os comentários relacionados ao requerente” (fl. 35, e-STJ), tendo a GOOGLE dado cumprimento à ordem judicial, consoante confirmado pelo próprio TJ/MG (fl. 288, e-STJ).

Nesse ponto, portanto, não houve ilegalidade nos atos praticados pela GOOGLE que, uma vez ciente da existência de material de conteúdo ofensivo, adotou todas as providências tendentes à sua imediata remoção do site.

Além disso, em consulta ao site do ORKUT na internet, verifica-se que a GOOGLE disponibiliza um canal para que as pessoas – usuários ou não – que tiveram sua identidade “roubada” solicitem a exclusão da conta falsa, bem como para que seja feita a denúncia de abusos na utilização de perfis individuais ou comunidades (https://www.google.com/support/orkut/bin/answer.py?hl=br&query=estatuto&answer=16198).

Outrossim, cumpre verificar se a GOOGLE também adotou as medidas que estavam ao seu alcance visando à identificação do responsável pela inclusão no ORKUT dos dados agressivos à moral da recorrente.

Na cabe dúvida de que a GOOGLE dispõe da URL (sigla que corresponde à expressão Universal Resource Locator , que em português significa localizador universal de recursos. Trata-se de um endereço virtual, isto é, diretrizes que indicam o caminho até determinado site ou página) relativa à página em que foram veiculadas as mensagens ofensivas, tanto que providenciou a sua exclusão do site.

A partir daí, teve condições de identificar o usuário daquela página e os dados obtidos no ato de cadastramento da sua conta, inclusive o IP (internet protocol ), que é um número único, exclusivo, que individualiza cada computador na rede e por meio do qual cada máquina se identifica e se comunica. Nesse aspecto, o próprio recorrente informa que “determinados atos praticados pelos usuários do Orkut são registrados através do respectivo IP no banco de dados da Google. É o que ocorre quando um usuário se cadastra no site” (fl. 340, e-STJ).

Entretanto, o GOOGLE ressalva que “nunca houve pedido formulado pelo recorrido para que fornecesse dados que possui e capazes de identificar o usuário”, bem como que “nunca foi proferida ordem judicial determinando que disponibilizasse tais informações” (fl. 344, e-STJ).

Realmente, compulsando os autos não se verifica a existência de pedido para que fosse identificado o autor direto das supostas ofensas, tampouco qualquer ordem judicial nesse sentido.

Noto, por oportuno, a importância de o IP ser mantido em absoluto sigilo, sendo divulgado apenas mediante determinação judicial, pois, a partir dele, é possível realizar ofensivas direcionadas ao respectivo computador, visando à obtenção de informações e arquivos pessoais nele armazenados, como dados bancários, senhas, fotos, telefones, endereços etc. Portanto, na ausência de ordem judicial, não era dado à GOOGLE disponibilizar informações sobre o usuário em questão.

Seja como for, a GOOGLE esclareceu que registra o número de protocolo (IP) na internet dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, por meio do qual, em princípio, é possível identificar o respectivo usuário.

Ainda que não exija dados pessoais dos usuários do ORKUT, a GOOGLE mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento desses usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada de um provedor de conteúdo.

Portanto, não se vislumbra responsabilidade da GOOGLE pela veiculação das mensagens cujo conteúdo o recorrido considerou ofensivo à sua moral.

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, afastando a responsabilidade da GOOGLE pelos danos morais suportados pelo recorrido.

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Leia mais - Notícias

  • 1/9/11 - Google não pode ser responsabilizado por eventual ofensa contida em vídeo do YouTube - clique aqui.

  • 18/2/11 - Justiça paranaense decide que Google não é responsável por conteúdos de vídeos no YouTube - clique aqui.

  • 20/1/11 - STJ - Google não pode ser responsabilizado por material publicado no Orkut - clique aqui.

  • 21/7/10 - Justiça de Santa Catarina entende que Google não é o responsável por perfis falsos no Orkut - clique aqui.

  • 24/2/10 - TJ/PB julga improcedente pedido de indenização contra o Google por mensagens anônimas em comunidade no Orkut - clique aqui.
  • Leia mais - Artigos

    • 9/9/09 - Fenômenos da internet como forma de mobilização social - Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos – clique aqui.
    • 24/7/09 - Crimes eletrônicos e formas de proteção - Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos – clique aqui.
    • 14/7/09 - Responsabilidade dos portais de internet pelos comentários de seus usuários - Leandro Carazzai Saboia – clique aqui.
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    • 31/10/06 - Cibercrime ameaça empresas públicas e privadas - Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos – clique aqui.
    • 5/10/06 - Soberania virtual: O Orkut e o alcance das leis brasileiras - Daniel Arbix – clique aqui.
    • 10/5/06 - Sobre o orkut – site de relacionamentos virtuais - Carlos Alberto Barbosa de Mattos – clique aqui.
    • 20/7/05 - É possível controlar os abusos no Orkut? - Alexandre Rodrigues Atheniense – clique aqui.

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