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TRT da 3ª região - Empregado dispensado por ter proposto reclamação trabalhista contra a empresa será reintegrado e indenizado

A 7ª turma do TRT da 3ª região decide que empregado dispensado por ter proposto reclamação trabalhista contra empresa deve ser reintegrado. A empresa também foi condenada ao pagamento de R$ 20 mil por danos morais.

26/4/2011

TRT da 3ª região

Empregado dispensado por ter proposto reclamação trabalhista contra a empresa será reintegrado e indenizado

Para 7ª turma do TRT da 3ª região, empregado dispensado por ter proposto reclamação trabalhista contra empresa deve ser reintegrado. Segundo o acórdão proferido, a empresa deverá pagar R$ 20 mil ao trabalhador por danos morais.

O recorrente sustentou ter sofrido acidente nas dependências da reclamada, o que lhe causou perda da visão direita. Por essa razão, buscou a reparação do prejuízo sofrido: propôs reclamação trabalhista contra a empresa e obteve ganho de causa. Logo após receber a indenização requerida, foi dispensado, no seu entender, de forma ilegal e discriminatória. Isso porque, segundo alegou o reclamante, o motivo do término do contrato foi o ajuizamento da ação anterior, o que não poderia ocorrer de forma alguma, já que se encontra parcialmente incapacitado para o trabalho, de forma permanente. Além disso, houve violação ao artigo 93, parágrafo 1º, da lei 8.213/91 (clique aqui). A sentença, contudo, indeferiu os pedidos do trabalhador.

O desembargador Paulo Roberto de Castro, relator do caso, constatou que, sob o enfoque da manutenção da estabilidade acidentária, que é um dos fundamentos do pedido de reintegração, não há como dar razão ao trabalhador. Conforme informado por ele próprio, a sua admissão ocorreu em março de 1991 e o acidente, em fevereiro de 2002, quando foi afastado de suas atividades, o que durou até maio de 2003, retornando aos serviços na reclamada a partir de então. A dispensa aconteceu em 19/4/10, sete anos após efetiva prestação de serviços. De acordo com o relatório médico anexado ao processo, o empregado foi reabilitado, sendo-lhes retiradas as funções que exigiam visão de profundidade.

"O que o reclamante pretende, na verdade, é a manutenção da estabilidade acidentária enquanto perdurarem as sequelas do acidente e o tratamento médico, independentemente da expiração do prazo fixado no artigo 118 da lei 8.213/91. Tal pretensão, porém, não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio", destacou o relator.

A ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente do trabalho foi proposta em janeiro de 2007. Nela, o empregado obteve a condenação da empresa ao pagamento de indenizações por danos morais (no valor de R$35 mil), danos materiais (fixada em um salário contratual por ano) e danos estéticos (R$10 mil), além do ressarcimento das despesas médicas não cobertas pelo SUS. Assim que o trabalhador recebeu os valores referentes à condenação, foi dispensado. Para o desembargador, todos esses dados são indícios de que a reclamada dispensou o empregado como retaliação ao ajuizamento da ação. As diversas contratações, antes e depois da dispensa do reclamante, reforçam essa ideia. O empreendimento contava, em abril de 2010, com 253 empregados. Já em agosto do mesmo ano, com 283.

"Nesse contexto, não há como se compreender que a dispensa do reclamante tenha decorrido do exercício legítimo do direito potestativo da empregadora. Pelo contrário, vislumbram-se traços marcantes de discriminação contra o empregado que, após perder parte de sua capacidade laborativa em acidente do trabalho, ajuizou ação de indenização contra a reclamada. Trata-se, portanto, do uso da despedida arbitrária como discrimen, em aberta e clara violação ao artigo 7º, incisos I e XXX, bem como ao artigo 5º, inciso XLI e parágrafo 1º, da CR/88 (clique aqui)".

Houve, também, o descumprimento do artigo 93, parágrafo 1º, da lei 8.213/91. Essa norma prevê que a dispensa de trabalhador deficiente físico ou reabilitado, como é o caso do processo, somente pode ocorrer após a contratação de substituto, na mesma condição, o que não foi provado pela empresa.

A dispensa foi considerada ilegal e a turma determinou a reintegração do reclamante no emprego, com pagamento dos salários vencidos até o efetivo retorno ao trabalho. Pelo exercício abusivo do direito de dispensa, a reclamada foi condenada, também, a pagar nova indenização por danos morais, no valor de R$ 20 mil.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

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Recorrente: I.M.S.

Recorrido: Camargo Correa Cimentos S.A.

EMENTA: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA – PUNIÇÃO PELO AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – Por falta de lei complementar que regulamente com seriedade a garantia estatuída no artigo 7º, inciso I, da CR/88 (relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa), ainda vigora, no ordenamento justrabalhista, o direito potestativo de resilição contratual, podendo o empregador dispensar o empregado sem necessidade de justificar sua decisão. Esse poder patronal, no entanto, não é ilimitado, pois deve ser exercido nos contornos impostos por princípios basilares da ordem constitucional vigente: a igualdade, a dignidade e os valores sociais do trabalho (artigos 1º e 5º da CR/88). Informado por esses princípios, o artigo 1º da Lei 9.029/95 proíbe “a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade”. E é evidente que, por aplicação analógica desse dispositivo, considera-se discriminatória a dispensa do empregado que recorre à Justiça do Trabalho no curso da relação de emprego. O exercício do direito de ação, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da CR/88, não pode ser coibido por ato do empregador que pretende penalizar seu empregado. Em casos como tais, a prática discriminatória viola frontalmente o direito de acesso ao Judiciário.

RELATÓRIO

Ao de f. 448, acrescento que a MM. Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo julgou improcedentes os pedidos do reclamante. Embargos de declaração do autor, f. 452/453, julgados improcedentes f. 457/458.

Recorre o reclamante, f. 459/479. Defende a nulidade de sua dispensa, dizendo-a ilegal e discriminatória.

Contra-razões, f. 482/484.

Não houve remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, ante a ausência de interesse público na solução da controvérsia. É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso ordinário interposto pelo reclamante é próprio, tempestivo e a representação está regular (f. 08). Logo, conheço do recurso, porque atendidos os pressupostos de admissibilidade.

MÉRITO

DISPENSA ILEGAL E DISCRIMINATÓRIA

O reclamante afirma que, em razão de acidente sofrido nas dependências da reclamada, perdeu a visão direita. E acrescenta que, apesar da incapacidade laboral parcial e permanente, foi injustamente dispensado pela ré, o que ocorreu logo após receber a indenização deferida em outro processo judicial movido contra a empregadora. Com base nesses fatos, o autor alega ser nula sua dispensa, porquanto ilegal e flagrantemente discriminatória, com violação ao artigo 1º incisos III e IV da CR/88; à Lei 9.029/95 e ao artigo 93, parágrafo 1º, da Lei 8.213/91.

Ao exame.

O artigo 476 da CLT prevê que:

“em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício”.

Configurada essa hipótese, ainda que a doença não advenha do trabalho, o contrato permanece suspenso enquanto perdurar a incapacidade, período em que o empregador fica privado do direito potestativo de dispensa.

Em homenagem aos princípios dos valores sociais do trabalho e da dignidade da pessoa humana, a jurisprudência tem aplicado os efeitos da suspensão do contrato, por analogia, às hipóteses em que o empregado comprova que estava, ao tempo da dispensa, incapacitado para o trabalho, mesmo que não estivesse no gozo do benefício previdenciário. Nesse sentido, os julgados deste TRT:

“EMENTA: NULIDADE DA DISPENSA – REINTEGRAÇÃO – PROVA DA INCAPACIDADE NO MOMENTO DA DISPENSA – HIPERTENSÃO ARTERIAL. Quando a prova dos autos demonstrar que o obreiro encontrava-se inapto no momento da dispensa, em razão da preexistência de quadro de hipertensão arterial, sendo-lhe concedido benefício previdenciário logo sem seguida, a situação deve ser equiparada, analogicamente, à suspensão do contrato (art. 476 da CLT), quando o poder potestativo do empregador de resilir não pode ser exercido, de modo que deve ser determinada a reintegração do empregado. Ademais, é irrelevante o fato de não se tratar de doença ocupacional, já que, o que importa é a falta de condições para o trabalho, por razões médicas, suficiente a ensejar a suspensão do contrato.” (0035400-80.2008.5.03.0036 RO, TRT 3ª Região, Turma Recursal de Juiz de Fora, Rel. Des. José Miguel de Campos, DJ 05/08/2009)

“EMENTA: DOENÇA PROFISSIONAL – PERDA TEMPORÁRIA DO DIREITO POTESTATIVO DE RESILIÇÃO – SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO- REINTEGRAÇÃO. Para que se reconheça a estabilidade provisória decorrente do acidente de trabalho, em princípio, é necessário que haja a conjugação de dois requisitos: a) o afastamento do serviço por prazo superior a quinze dias; b) a percepção do auxílio-doença acidentário. Entretanto, não deve o intérprete se apegar à frieza da letra da lei em detrimento do seu espírito, que pretende proteger a saúde do trabalhador e evitar a sua dispensa arbitrária. Portanto, se na data da dispensa, a empregada se encontrava doente, ainda que a moléstia não seja relacionada às atividades desenvolvidas no Reclamado, o ato resilitório deve ser reputado nulo. O Capítulo IV, da CLT, atinente à suspensão e interrupção do contrato de trabalho, assegura à empregada doente o direito de manutenção do pacto laboral. Trata-se de hipótese de suspensão, a que se referem os artigos 472 e 476 da CLT. Do mesmo modo, dispõem os artigos 60, parágrafo 4o, e 62 da Lei 8.213/91. Nesse diapasão, em homenagem ao princípio da proteção e pautado, sobretudo, pelo princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser retirado, temporariamente, das mãos da empregadora, o direito potestativo de dispensa, eis que, se desligada do emprego no período em que está doente, as chances de a Reclamante conseguir nova colocação seriam limitadíssimas. Portanto, se ao tempo da rescisão a Reclamante não estava apta para o trabalho, conforme exame demissional constante dos autos, é de ser reconhecida a nulidade da dispensa, devendo o contrato de trabalho permanecer suspenso enquanto persistir a incapacidade. Direitos que não se confundem: manutenção do contrato de trabalho enquanto durar a suspensão contratual; estabilidade provisória da empregada acidentada. No primeiro caso, não há a prestação de serviços, porque o contrato permanece em verdadeiro estado de hibernação. No segundo, à empregada é garantido o direito ao trabalho pelo período de doze meses após o seu retorno.” (0093800-19.2008.5.03.0091 RO, TRT 3ª Região, 4ª Turma, Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault, DJ 06/07/2009)

Não é esse, porém, o caso dos autos. Ainda na petição inicial, o reclamante narrou que, admitido em 06/03/1991, sofreu acidente do trabalho em 14/02/2002 e permaneceu afastado do serviço até 22/05/2003, vindo a ser dispensado em 19/04/2010. É incontroverso, portanto, que, após a alta médica em 22/05/2003, o reclamante retornou ao serviço na reclamada.

Não se ignora que, de acordo com o relatório médico lavrado quando do retorno do obreiro à ativa (f. 29), o período de adaptação para visão monocular requereu a exclusão das atividades para as quais avisão de profundidade fosse necessária. Entretanto, não há dúvida de que, embora com essa restrição, o reclamante permaneceu trabalhando até 19/04/2010. Com efeito, consta do laudo pericial que o autor “passou a desenvolver atividades de planejamento e administração da área de Manutenção Elétrica” (f. 301/304).

Nesse contexto, tem-se que a redução da capacidade laborativa do reclamante, por ser apenas parcial e não ter inviabilizado o exercício da atividade profissional por quase sete anos, não justifica a adoção de medida que restrinja o direito potestativo de dispensa – mormente porque já superado, em muito, período da estabilidade acidentária, artigo 118 da Lei 8.213/91:

“Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.”

O que o reclamante pretende, na verdade, é a manutenção da estabilidade acidentária enquanto perdurarem as seqüelas do acidente e o tratamento médico, independentemente da expiração do prazo fixado no artigo 118 da Lei 8.213/91. Tal pretensão, porém, não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, o seguinte julgado do c. TST:

RECURSO DE EMBARGOS NÃO REGIDO PELA LEI 11.496/2007. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. SÚMULA VINCULANTE 04 DO STF. A jurisprudência atual desta Subseção, no tocante à base de cálculo do adicional de insalubridade, leva em conta as decisões do Supremo Tribunal Federal de edição da Súmula Vinculante 04 e de suspensão da nova redação da Súmula 228 desta Corte Superior (Reclamação 6.266/DF). Nesse contexto, na ausência de lei dispondo sobre a base de cálculo do adicional mencionado e inexistindo norma coletiva fixando critério mais vantajoso, a parcela deverá ser calculada sobre o salário mínimo. Inexistência de violação dos artigos 7º, VI e XXIII, da CF/88, tampouco de contrariedade à Súmula 17 do TST, a qual já se encontra cancelada. Recurso de embargos não conhecido. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE LABORAL. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM A SÚMULA 378, I, DO TST. A decisão da Turma encontrasse em consonância com o item I da Súmula 378 do TST, segundo o qual é constitucional o artigo 118 da Lei 8.213/1991, que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. Logo, inviável o recurso de embargos, nos termos da alínea ‘b’ do art. 894 da CLT, em sua redação anterior. Ademais, a pretensão do reclamante, de permanência da estabilidade provisória por todo o período em que perdurarem as sequelas do acidente laboral, não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio. Recurso de embargos não conhecido.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VIOLAÇÃO DE LEI E DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. Nos termos da Súmula 219 do TST, o deferimento de honorários assistenciais na Justiça do Trabalho limita-se a 15% e depende da demonstração concomitante (OJ 305-SBDI-1/TST) de que o empregado encontra-se assistido pelo sindicato da categoria e em situação econômica que o impossibilite de demandar em juízo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

Desse modo, irretocável a decisão que indefere a parcela ante a comprovação de que o obreiro não se encontra assistido pelo sindicato de sua categoria. Inviabilidade do recurso de embargos, ante a consonância da decisão com a jurisprudência consolidada desta Corte Superior. Recurso de embargos não conhecido. (E-ED-RR – 772424-97.2001.5.17.0005, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 30/09/2010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 08/10/2010)

Como visto, a redução da capacidade laborativa, ainda que se apresente como seqüela de acidente sofrido pelo obreiro no trabalho, não garante estabilidade no emprego por prazo indeterminado. Mas, conquanto superada essa premissa, ainda é necessário verificar se a dispensa do reclamante está revestida de caráter discriminatório, pois, segundo alega o recorrente, a rescisão do contrato teria sido motivada por ter ajuizado ação de indenização contra a reclamada.

É cediço que, por falta de lei complementar que regulamente com seriedade a garantia estatuída no artigo 7º, inciso I, da CR/88 (relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa), ainda vigora, no ordenamento justrabalhista, o direito potestativo de resilição contratual, podendo o empregador dispensar o empregado sem necessidade de justificar sua decisão.

Esse poder patronal, no entanto, não é ilimitado, pois deve ser exercido nos contornos impostos por princípios basilares da ordem constitucional vigente: a igualdade, a dignidade e os valores sociais do trabalho (artigos 1º e 5º da CR/88). Informado por esses princípios, o artigo 1º da Lei 9.029/95 proíbe:

“a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade”.

E é evidente que, por aplicação analógica desse dispositivo, considera-se discriminatória a dispensa do empregado que recorre à Justiça do Trabalho no curso da relação de emprego. O exercício do direito de ação, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da CR/88, não pode ser coibido por ato do empregador que pretende penalizar seu empregado. Em casos como tais, a prática discriminatória viola frontalmente o direito de acesso ao Judiciário.

Nesse sentido, os seguintes julgados deste TRT:

“EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR – DANO MORAL – DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. Dúvida não há que o empregador detém o poder diretivo da relação de emprego e o ordenamento jurídico também lhe confere o direito potestativo para o rompimento do vínculo. No entanto, a dispensa discriminatória fere princípios de ordem maior, estando, portanto, o empregador que abusa do exercício regular de um direito, sujeito às penalidades também impostas pelo direito pátrio. No caso dos autos, restou comprovado que o reclamado, com o fito de intimidar seus empregados e impedi-los de acionar o Poder Judiciário, promoveu a dispensa do reclamante alguns dias após este ter ajuizado reclamação trabalhista, em grave afronta ao livre exercício do direito de ação (inciso XXXV do artigo 5º da Carta Cidadã de 1988). Caracterizado o abuso de direito, torna-se devida a reparação por dano moral.” (0164200-49.2009.5.03.0018 RO, TRT 3ª Região, 5ª Turma, Relator Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar, DJ 03/05/2010)

“EMENTA: DISCRIMINAÇÃO – PUNIÇÃO PELO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO, QUE É UM DIREITO FUNDAMENTAL DE APLICAÇÃO IMEDIATA – EFICÁCIA HORIZONTAL – PROVA INDICIÁRIA PARA A FORMAÇÃO DA CONVIÇÃO DO JUIZ – VASOS QUE SE COMUNICAM E VOZES QUE PREENCHEM OS VAZIOS – VIOLAÇÃO FRONTAL A DOIS DIREITOS FUNDAMENTAIS:

ACESSO AO JUDICIÁRIO E NÃO DISCRIMINAÇÃO A dispensa sem justa causa, dois dias após à desistência da ação trabalhista, gera a presunção da ocorrência do jus puniendi, sugerindo, ainda que sous la peau, a prática de ato discriminatório, violador do constitucional direito de acesso ao judiciário, máxime quando demonstrada a reincidência da conduta empresarial. A prova indiciária, que cada vez mais adquire relevância, compreende todo e qualquer rastro, vestígio ou circunstância relacionada com um fato devidamente comprovado, suscetível de levar, por inferência, ao conhecimento de outro fato até então obscuro. A inferência indiciária é um raciocínio lógicoformal, apoiado em operação mental, que, em elos lógicos, permite encontrar vínculo, semelhança, diferença, causalidade, sucessão ou coexistência entre os fatos que circundam a lide, formando a convicção do julgador. No plano internacional, o Brasil ratificou a Convenção n. 111 da OIT, que trata da discriminação em matéria de emprego e de ocupação, cujas principais preocupações são a afirmação dos valores constantes da Declaração de Filadélfia, dentre os quais se inscrevem a igualdade de oportunidades, a dignidade e o progresso material, assim como a conscientização de que a discriminação constitui uma espécie de violação aos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. A distinção sem fundamento, sobretudo a negativa, acentua a exclusão, que tem por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de admissão e de permanência no emprego, já tão difíceis nos dias atuais. Ora bem, o verbo discriminar, do latim discriminare, tem o significado de "diferençar, distinguir, discernir, estabelecer diferenças (Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", 2ª edição, 31ª Impressão, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986.) Márcio Túlio Viana, em estudo em torno da Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe discriminações para efeito de acesso à relação de emprego, ou para a sua manutenção, por motivos numerus clausus, relacionados com o sexo, a origem, a raça, a cor, o estado civil, a situação familiar ou a idade, ensina que o legislador ordinário não se lembrou de todos os casos, deixando "de fora outras hipóteses, previstas expressamente na Constituição, como as práticas discriminatórias decorrentes de deficiência (art. 7º, inciso XXXI)" (Viana, Márcio Túlio, "Proteção contra atos discriminatórios", In: "O que há de novo em Direito do Trabalho", Coordenadores. Márcio Túlio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault, São Paulo: LTr, 1997, pág. 97).

Isso não significa, todavia, que a jurisprudência fique estagnada, sem uma solução equânime para todas as questões não previstas expressamente na lei. As decisões judiciais, importante fonte formal heterônoma de Direito, fornece subsídios preciosos para o intérprete, atualizando a norma jurídica, e fazendo fenecer parte das injustiças, que grassam em nossa sociedade. Com efeito, é intolerável que discriminação tão odiosa, consubstanciada na resilição contratual pelo exercício do direito de ação, constitucionalmente assegurado (art. 5º, XXXV), não encontre eco no Poder Judiciário. Assim, aflorando a prova indiciária, cabia à Ré, invertido o respectivo ônus (artigos 818 da CLT e 333, II, CPC), comprovar que a dispensa decorreu do exercício do direito potestativo, sem traços vibrantes de discriminação, encargo do qual não se desvencilhou, pelo que correto o entendimento que imprimiu efetividade à proteção contra a despedida arbitrária com discrimen, em aberta e clara violação ao art. 7º, incisos I e XXX, bem como ao art. 5º, inciso XLI, e parágrafo 1º, da Carta Magna. Os direitos fundamentais de acesso ao Poder Judiciário e de não discriminação integram o arco de garantias fundamentais da pessoa humana, cuja eficácia é imediata, vertical e horizontal, transversal e obliquamente, em superfície e em profundidade, cabendo ao intérprete, em linha meridional e setentrional, norte e sul, leste e oeste, extrair o máximo de efetividade, isto é, de concretude das normas constitucionais desta natureza, dando a sua contribuição em prol do Estado Democrático de Direito.” (01386-2008-086-03-00-2 RO, TRT 3ª Região, 4ª Turma, Relator Desembargador Luiz Otávio Linhares

No caso dos autos, os documentos f. 09/84 ilustram toda a tramitação do primeiro processo movido pelo autor contra a ré, tendo como objeto a ação de indenização pelos danos materiais e morais decorrentes do acidente de trabalho (processo 00084-2007-092-03-00-8). Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes e, na execução, o reclamante recebeu os valores concernentes às indenizações deferidas. Na análise do que ocorreu nesse primeiro processo, a junção de diversos fatores permite concluir pela efetiva ocorrência da conduta discriminatória apontada na inicial no presente feito.

Verifica-se que a ação de indenização foi ajuizada em 22/01/2007 (f. 09/16). No dia 25/10/2007, o d. Juízo da MM. Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo proferiu sentença, condenando a reclamada a pagar ao reclamante indenização por danos morais no importe de R$ 35.000,00. O d. Magistrado julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais, fundamentando sua decisão nos seguintes termos:

“rejeito o pedido de indenização por danos materiais, já que o autor teve seu emprego preservado, além de ter recebido do seguro social o benefício por incapacidade temporária” (f. 48/51, grifei).

Já no segundo grau de jurisdição, esta d. 7ª Turma deu parcial provimento ao recurso do reclamante, acrescendo à condenação o pagamento da indenização por danos materiais, fixada em um salário contratual por ano, e da indenização por danos estéticos, fixada em R$ 10.000,00, bem como a obrigação de custear as despesas médicas não acobertadas pelo SUS (f. 52/64). Como justificativa do quantum indenizatório dos danos materiais, consta do acórdão que (f. 58):

“No presente caso, está comprovada incapacidade parcial do autor para o trabalho em funções que exijam uma visão em profundidade. Por isso mesmo, o reclamante continua a trabalhar na reclamada e recebendo o mesmo salário da função exercida anteriormente, mas remanejado para outro setor e adaptado às suas condições profissionais.” (grifei)

Como visto, o pedido de indenização dos danos materiais foi apreciado com base na situação então vivenciada pelo reclamante, que teve mantido seu contrato de trabalho após o acidente, tendo sido adaptado em outra função. Com efeito, naquela ação de indenização, o fato de ter a reclamada mantido o vínculo empregatício com o empregado acidentado, pagando o mesmo salário praticado antes do acidente, acabou por atuar como circunstância favorável à empregadora na fixação da pensão mensal.

No entanto, é preciso atentar para o seguinte fato: o vínculo empregatício perdurou, tão-somente, até o trânsito em julgado da condenação. Tão logo a condenação tomou ares de imutabilidade e o reclamante levantou o pagamento judicialmente feito pela reclamada, a empregadora dispensou o obreiro, conforme comprovam os documentos f. 64/85. Constata-se que o agravo de instrumento retornou do TST em 17/03/2010, o reclamante levantou o pagamento em 24/03/2010 e sua dispensa ocorreu em 19/04/2010.

Esses elementos constituem forte indício de que a ré dispensou o autor como retaliação ao ajuizamento da ação de indenização – e somente não o fez antes para que a abusividade de sua conduta não fosse estampada ainda na tramitação daquela primeira ação. A prova pericial produzida no presente feito também autoriza essa conclusão, pois demonstra que a ré, nos seis meses que precederam a dispensa do autor, fez diversas contratações (f. 301/304). O perito informou que, em abril de 2010, a reclamada contava com 253 empregados e, em agosto do mesmo ano, esse número já havia aumentado para 283. Também consta do laudo pericial que:

“Sim, conforme informações colhidas em diligência, e confirmada pelo CAGED juntado às fls. 259/261, a Reclamada estava realizando contratações anteriores à demissão do Reclamante: - em novembro/09: não realizou contratações;- em dezembro/09: 08 contratações, sendo 05 menores aprendiz;

- em janeiro/10: 02 contratações;

- em fevereiro/10: não realizou contratações;

- em março/10: não realizou contratações;

- em abril/10: realizou 06 contratações.”

Nesse contexto, não há como se compreender que a dispensa do reclamante tenha decorrido do exercício legítimo do direito potestativo da empregadora. Pelo contrário, vislumbram-se traços marcantes de discriminação contra o empregado que, após perder parte de sua capacidade laborativa em acidente do trabalho, ajuizou ação de indenização contra a reclamada. Trata-se, portanto, do uso da despedida arbitrária como discrimen, em aberta e clara violação ao artigo 7º, incisos I e XXX, bem como ao artigo 5º, inciso XLI e parágrafo 1º, da CR/88.

Outrossim, verifica-se o descumprimento do artigo 93, parágrafo 1º, da Lei 8.213/91. Como medida afirmativa de promoção do emprego do deficiente físico, tal dispositivo expressamente exige que a dispensa do trabalhador reabilitado – condição do reclamante, como reconheceu a reclamada – somente se faça mediante a contratação de substituto na mesma condição. Verbis:

“Art. 93

(...)

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.”

Assim, identificada a ilegalidade da dispensa, porque discriminatória, o reclamante faz jus à reintegração no emprego, com o pagamento dos salários vencidos e vincendos, até o efetivo retorno.

Ademais, é certo que o exercício abusivo do direito potestativo de resilição contratual impõe à ré a responsabilidade pelo pagamento de indenização por danos morais, na forma do artigo 187 do CC:

“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Em casos como o presente, o dever de indenizar decorre da própria conduta ilegal do agente, pois não se pode exigir que o ofendido demonstre a existência de um dano que é imaterial, extrapatrimonial, deixando-se em confortável situação processual a autora do ato ilícito. A concepção atual da doutrina e da jurisprudência orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação – danum in re ipsa. O dano moral não tem valor definido e sua reparação deve ser estabelecida conforme o prudente arbítrio do Juízo, seguindo-se os ditames da razoabilidade e da moderação. É preciso considerar a extensão do dano sofrido pela vítima, a intensidade da culpa do agente e a condição econômica das partes. Além da função de punir, a condenação tem função pedagógica, visando inibir a repetição de eventos semelhantes, convencendo o agente a não reiterar sua falta.

Considerando esses critérios, fixo a indenização em R$ 20.000,00.

Provimento parcial.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por sua Sétima Turma, em sessão ordinária realizada no dia 17 de março de 2011, unanimemente, conheceu do recurso ordinário do reclamante e, no mérito, sem divergência, deu-lhe parcial provimento, para condenar a reclamada a: - reintegrar o obreiro ao emprego, na última função exercida e em iguais condições de trabalho, com o pagamento dos salários vencidos e vincendos, até a efetiva reintegração; - pagar indenização por danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Juros de mora e correção monetária, na forma do artigo 39, parágrafo 1º, da Lei 8.177/91 e das Súmulas 200 e 381 do TST, exceto no que tange à indenização por danos morais, cujo quantum deve ser atualizado a partir da publicação deste acórdão. Sobre os salários vencidos e vincendos, incidem contribuições previdenciárias e imposto de renda. Custas processuais a cargo da ré, no importe de R$900,00, calculadas sobre R$45.000,00, valor ora arbitrado à condenação.

Invertidos os ônus da sucumbência, a reclamada deve arcar com os honorários periciais no valor de R$1.000,00.

PAULO ROBERTO DE CASTRO

DESEMBARGADOR RELATOR

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