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Criatividade normativa

Pela Portaria 2.048, publicada no Diário Oficial da União no dia 4 de setembro de 2009, com vigência determinada para a data da publicação, o Sr. Ministro da Saúde aprovou um novo “Regulamento do SUS. Esse regulamento, mais do que desejado, consolida um enorme número de outras Portarias do Ministério da Saúde publicadas entre 1989 e 2007, ou seja, durante 18 anos.

9/10/2009


Criatividade normativa

Marcos Lobo de Freitas Levy*

Pela Portaria 2.048, publicada no Diário Oficial da União no dia 4 de setembro de 2009 (clique aqui), com vigência determinada para a data da publicação, o Sr. Ministro da Saúde aprovou um novo "Regulamento do SUS". Esse regulamento, mais do que desejado, consolida um enorme número de outras Portarias do Ministério da Saúde publicadas entre 1989 e 2007, ou seja, durante 18 anos.

A portaria, com 7 anexos sem incluir os anexos de alguns anexos, e com o pitoresco fato de conter o que seria um anexo "zero" (há um Anexo seguido de Anexos 1, 2, 3 ...) tem, apenas neste Anexo "zero" 790 artigos que deveriam, como manda a boa técnica legislativa, cuidar do objeto da Portaria, ou seja, do Regulamento do Sistema Único de Saúde. Não é o que ocorre.

O que de fato ocorre é que a Portaria, que em seu artigo terceiro revoga nada menos do que 109 outras portarias que regulamentam o SUS, revoga também 4 Resoluções do Conselho Nacional de Saúde voltadas à regulamentação do desenvolvimento de Pesquisas Clínicas envolvendo seres humanos no Brasil: Resoluções 196/1996 (clique aqui), 251/1997 (clique aqui), 292/1999 (clique aqui) e 340/2004 (clique aqui).

Em substituição – ou como consolidação – daquelas Resoluções, a referida portaria, em seu anexo "zero", estabelece no Capítulo 7 uma nova regulamentação, bastante extensa, sobre o desenvolvimento das pesquisas clínicas antes citadas. Faz isso em 94 artigos distribuídos por 5 subseções que regulam desde as normas éticas aplicáveis às pesquisas (incluindo o funcionamento dos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP, até os requisitos para a aprovação das mesmas, incluindo os conteúdos dos protocolos e dos termos dos documentos de "Consentimento Livre e Esclarecido"; ou seja, regulamenta integralmente a matéria antes regulada pelas citadas Resoluções.

Neste ponto, faz-se necessário perguntar: Por que uma Portaria, cuja finalidade é a aprovação do novo regulamento do Sistema Único de Saúde – SUS regula Pesquisas Clínicas que não são desenvolvidas pelo SUS? Mais que isso: Por que tal é feito em Capítulo intitulado "Do Conselho Nacional de Saúde" (Capítulo VII)?

Não seria muito mais razoável e correto do ponto de vista da técnica legislativa que fosse editado e publicado uma regulamentação específica para a área intitulada, por exemplo, "Requisitos para a Realização de Pesquisas Clínicas Com Seres Humanos"?

De todo modo, publicada a portaria, diversos membros do Conselho Nacional de Saúde - CNS trouxeram a público seu total descontentamento com a mesma, dizendo que sequer teriam sido consultados a respeito dela pelo Sr. Ministro da Saúde – que deveria tê-lo feito – já que o Conselho Nacional de Saúde fora responsável pela discussão, aprovação e edição das Resoluções que regulamentavam as Pesquisas Clínicas e que foram revogadas pela Portaria 2.048/09, indicando, inclusive, que a regulamentação das pesquisas clínicas seriam competência do CNS.

Neste ponto, as coisas começam a ficar um pouco mais confusas.

Inicialmente porque, verificando as competências outorgadas ao CNS pelo Decreto 5.839/90 (clique aqui) vemos que, dentro delas, não está a regulação de Pesquisas Clínicas:

Art. 2º Ao CNS compete:

I - atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da Política Nacional de Saúde, na esfera do Governo Federal, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros;

II - estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológicas e da organização dos serviços;

III - elaborar cronograma de transferência de recursos financeiros aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, consignados ao Sistema Único de Saúde - SUS;

IV - aprovar os critérios e os valores para remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura de assistência;

V - propor critérios para a definição de padrões e parâmetros assistenciais;

VI - acompanhar e controlar a atuação do setor privado da área da saúde, credenciado mediante contrato ou convênio;

VII - acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica na área de saúde, visando à observação de padrões éticos compatíveis com o desenvolvimento sócio-cultural do País; e

VIII - articular-se com o Ministério da Educação quanto à criação de novos cursos de ensino superior na área de saúde, no que concerne à caracterização das necessidades sociais.

Pelo item I me parece claro que, se o CNS não foi ouvido sobre as alterações na regulamentação do SUS, deveria tê-lo sido.

Por outro lado, o item mais próximo de Pesquisas Clínicas encontrado entre as competências do CNS é o de número VII. Ainda assim, "acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica...", não me parece outorga de competência para regulamentar a matéria. Nem o dicionário Aurélio, nem o Dicionário "De Plácido e Silva" trazem este entendimento.

Sendo assim, entendo que a competência para regular a matéria é mesmo do Ministério da Saúde e que o CNS pode, eventualmente, ser chamado a opinar sobre o assunto.

Entretanto, contribuindo para a confusão e talvez para serenar os ânimos de alguns membros do CNS, o Ministério da Saúde emitiu a Portaria 2.230, publicada no Diário Oficial de 24 de setembro de 2009 (clique aqui), fazendo algumas mudanças significativas no texto da Portaria 2.048.

A primeira para alterar a data de início de vigência da Portaria 2.048/2009 para 1 (um) ano após a sua publicação, ou seja, para 4 de setembro de 2010.

A segunda indicando que a Portaria permanecerá em Consulta Pública pelo prazo de 90 dias o que significa que, dependendo do resultado desta consulta, é possível que a Portaria venha a ser alterada ou revogada, total ou parcialmente. Mais que isso, o artigo segundo da Portaria 2.230 estabelece que as unidades do Ministério da Saúde devem se manifestar em 180 dias sobre omissões existentes na Portaria e proponham eventuais exclusões formais de atos normativos que considerem tacitamente revogados.

Tal já devia ter sido feito. Isto porque, na forma prevista no artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (clique aqui), as leis, são revogadas não só expressamente, mas também quando forem incompatíveis com as leis mais novas ou quando lei mais nova regular inteiramente a matéria ou matérias tratada(s) na(s) lei(s) anterior(es).

Neste passo, contribuindo para facilitar o trabalho das unidades do Ministério, está claro que as Resoluções do CNS que regulam as pesquisas clínicas estarão revogadas quando (e se) a Portaria finalmente entrar em vigor. Isto porque a nova Portaria regula inteiramente a matéria como se pode verificar no quadro abaixo:

Resoluções do CNS sobre Pesquisas Clínicas

Portaria 2.048/2009 do Ministério da Saúde

196/1996

Artigos 694 a 740

251/1997

Artigos 741 a 752

292/1999

Artigos 781 a 788

303/2000

Artigo 723

340/2004

Artigos 753 a 779

347/2005

Artigo 780

Portanto, excluir da Portaria 2.048 a menção à revogação das Resoluções do CNS, restabelecendo sua vigência a partir da data de suas respectivas publicações causa ainda mais confusão pois, mesmo que não sejam revogadas expressamente, estarão revogadas tacitamente na data em que a nova Portaria entrar em vigor.

Do exposto acima ficam as seguintes perguntas:

Por que o Ministério da Saúde não publicou uma "Consulta Pública" antes de publicar a Portaria?

Por que as competências do CNS não incluem expressamente a atuação na formulação de regulamentos sobre pesquisas clínicas?

Por que, no prazo de 4 anos entre a publicação da última Portaria do Ministério da Saúde e no prazo de 2 anos entre a publicação da última Resolução do CNS revogadas pela Portaria 2.048 não se fez a verificação das possíveis omissões ou de outros atos tacitamente revogados?

A resposta que eu posso oferecer é a mesma que foi objeto de um artigo que escrevi no ano de 2004 e que foi publicado pelos sites AOL e Ponto Jurídico em abril daquele ano em que explico que, com raras exceções, os governos – sejam eles federais, estaduais ou municipais – têm, de modo geral, certa aversão ao planejamento de longo prazo. Isto é verdade não só no Brasil, como em um bom número dos países do mundo.

Tal ocorre porque os governos são eleitos, no mais das vezes, para mandatos que variam entre 4 a 6 anos e que, por definição, não comportam planejamento de longo prazo. Além disso, cada governante ou membro do governo e cada partido político eleito ou nomeado para determinando mandato tem grande interesse em deixar a "marca" da sua administração.

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*Sócio do escritório A. Lopes Muniz Advogados Associados










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