Ensaio sobre a feiúra
Edson Vidigal*
Um antigo apresentador de um programa de rádio de muito sucesso nestas paragens tinha um bordão – urubu e mulher feia, comigo é na pedrada!
Muita gente achava graça. Menos eu, que achava aquilo uma agressão.
Minha sentença é que não existe mulher feia, pois tudo se resume a uma questão de ângulo no olhar.
A feiúra é um fenômeno decorrente da maneira como se olha e da reação silenciosa e escondendo segredos de quem é olhado. Tudo se resume a uma questão de saber se o santo cruzou ou não.
É um processo de interação visual em que a sensibilidade de um pode captar ou não um sintoma diferente mínimo que seja, mas irradiante de sossego limpo, alguma pureza, alguma paz.
Acho graça quando uma criança, contrariada, reage com o único insulto que na idade da sua razão lhe ocorre – sua feia! Ou então – seu feio!
Imputar feiúra é o máximo que lhe ocorre na contumélia.
Humberto Eco, aquele do Nome da Rosa, um livro sobre o qual muita gente fala ainda hoje, sendo poucos os que realmente o leram, num estudo alentado sobre a feiúra, distingue o belo do feio relacionando sinônimos.
Então, ele lembra que belo é o gracioso, prazenteiro, atraente, agradável, garboso, delicioso, fascinante, harmônico, maravilhoso, encantador, magnífico, estupendo, excelso, excepcional, fabuloso, legendário, fantástico, mágico, apreciável, espetacular, esplêndido, sublime, soberbo, e haja dicionário de sinônimos.
Já o feio, coitado, é o asqueroso, repelente, horrendo, desagradável, grotesco, abominável, vomitante, odioso, indecente, imundo, sujo, obsceno, repugnante, assustador, abjeto, monstruoso, hórrido, horrível, horripilante, nojento, terrificante, monstruoso, repulsivo, nauseabundo, fétido, ignóbil, desprezível, indecente, deformado.
Entende por que ninguém quer ser feio? É muito injuriante chamar alguém de feio, em especial a uma mulher.
Lógico que todo mundo é bonito, até porque se formos avaliar só pelas aparências, pelas estéticas, não estamos com nada, inclusive porque, esta é a grande verdade, quem ama o feio, bonito lhe parece.
A feiúra não está nas estampas, está sim no que de pronto não se vê. A feiúra é enrustida, nunca quer se mostrar, se aloja nos corações gelados e nas mentes perversas. Associar a feiúra, só porque está no gênero feminino, a uma bruxa ou a beleza a uma fada é restringir demais, a quase nada, a condição humana.
A feiúra não se afere pela aparência física de uma pessoa, mas pelas atitudes, se resultam ou não em coisas feias.
Assim, mulher só é feia quando se ocupa em se mostrar bonita, mas se entregando em seu tempo de poder, se tem poder, a cometer feiúras, a fazer coisas decepcionantes, medíocres, que só envergonham, tripudiando sobre os indefesos, sendo arrogante nas ações que não alcançam positivamente o coletivo.
O Vinicius poeta fez uma letra, acho que para o Carlinhos Lira, em que ele diz que o feio não é bonito e que o morro existe, mas pede para se acabar. Eu não entendia nada, até que comecei a prestar mais atenção à feiúra das ações e menos à aparência física fora da sintonia com a partitura dos padrões estéticos.
A verdade, oh camarada, amiga, amigo, é que faz tempo não tínhamos em derredor e ao alcance das vistas tanta gente feia, e me explico – feia porque fazendo coisas feias, fétidas, nojentas, desonestas, repugnantes, indecentes, estúpidas, crueis, decadentes, obscenas até, e de liturgias tão anacrônicas.
Parafraseando o poeta, quem faz coisas feias que me perdoe, mas fazer coisas belas é fundamental.
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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA
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