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Lei inova o marco legal do mandado de segurança: possíveis avanços, concretos riscos

A disciplina legal do mandado foi inovada há pouco com a publicação em 7 de agosto último da lei 12.016. Tratando-se de tema legislado de há muito – principalmente pela lei 1.533 de 1951 – e amplamente desenvolvido pela jurisprudência e doutrina, que tantos progressos trouxeram à eficiência do mandado de segurança como via processual protetora de direitos contra ilegalidades e arbitrariedades estatais, é com apreensão e mesmo tensão que qualquer advogado com alguma experiência e conhecimento do assunto lê a lei 12.016/09.

19/8/2009


Lei inova o marco legal do mandado de segurança: possíveis avanços, concretos riscos

Fábio Barbalho Leite*

A disciplina legal do mandado foi inovada há pouco com a publicação em 7 de agosto último da lei 12.016 (clique aqui). Tratando-se de tema legislado de há muito – principalmente pela lei 1.533/51 (clique aqui) – e amplamente desenvolvido pela jurisprudência e doutrina, que tantos progressos trouxeram à eficiência do mandado de segurança como via processual protetora de direitos contra ilegalidades e arbitrariedades estatais, é com apreensão e mesmo tensão que qualquer advogado com alguma experiência e conhecimento do assunto lê a lei 12.016/09. Manda a sabedoria popular evitar-se mexer em time que está ganhando – e o mandado de segurança já era uma via processual vencedora ao cabo de décadas de aplicação, processualmente satisfatória e só ineficiente ali onde presente o flagelo de qualquer direito perante o Estado: um juiz fazendário...

Mas temos a lei e a ela devemos dedicar reflexão e aplicação. De uma primeira análise, a sensação nítida é que os pontos positivos da lei cingem-se ao quanto já assentado nos diplomas legais anteriores e já vivenciado por inspiração doutrinária e jurisprudencial na prática forense.

Haverá sempre o risco de reacender-se alguma discussão já superada pela jurisprudência. Por exemplo, quando o parágrafo 2º do art. 1º da novel lei prescreve não caber mandado de segurança contra atos de gestão de estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista) e concessionárias de serviço público é possível que se renove a discussão sobre o que seriam tais atos de mera gestão. Aqui, a solução pode ser facilmente encontrada na consulta à pacífica jurisprudência, que circunscreve o problema a identificar se está-se ou não diante de um ato de autoridade, isto é o exercício de competência peculiar ao regime jurídico de direito público (regime próprio aos atos administrativos) ou à competência delegada. Assim, reconhece-se a demandabilidade pela via do mandado de segurança contra atos emanados de estatais ao ensejo de licitações e contratos administrativos (embora a rescisão contratual seja um ato de gestão, tratando-se de rescisão unilateral com base na lei 8.666/93 (clique aqui) configura-se um ato administrativo, um ato próprio ao regime jurídico estatal) e contra atos de titulação ou negativa de titulação acadêmica produzidos por administradores de empresas educacionais privadas (que assim atuam como delegados das competências estatais em matéria de educação).

Uma inconstitucionalidade é visível na nova lei: a de condicionar-se o manejo do mandado de segurança à inexistência de recurso administrativo com efeito suspensivo independente de caucionamento (lei 12.016/09, art. 5º, I). É que a amplitude do acesso à Jurisdição prevista na Carta da República (art. 5º, XXXIII - clique aqui) e do âmbito protetivo cabente ao mandado de segurança (ali onde houver direito demonstrável documentalmente afrontado por ato administrativo; CF/88, art. 5º LXIX) não podem ser restringidos por lei, ato normativo obviamente inferior à CF. Aliás, o art. 5º, XXXIII é explícito ("A lei não poderá...") em voltar-se exatamente para vedar à lei a restrição ao acesso à Jurisdição!...

Porém, reconheça-se um avanço em prol da efetividade da proteção dos direitos reclamados mediante mandado de segurança: a definição, pelo art. 26 da nova lei, do descumprimento de ordem judicial emanada em mandado de segurança como crime de desobediência apenável nos termos do art. 330 do Código Penal. Resta saber se a jurisprudência remansosa em sentido contrário restará na prática superada.

Outro avanço pode advir da explicitude com que previsto o mandado de segurança em face de ato judicial do qual não caiba recurso com efeito suspensivo. O texto legal (lei 12.016/09, art. 5º, II) não refere o clássico requisito da "teratologia do ato" (erro de direito grosseiro), sempre exigido pela jurisprudência concernente. Fica a esperança que a magistratura tenha, diante do novel texto legal, uma compreensão mais favorável à proteção do jurisdicionado e, assim, ao conhecimento de mandados de segurança contra ato judicial sem precisar aquilatar o "nível de grosseria" na ilegalidade presente no ato jurisdicional atacado pela via mandamental.

Enfim, cabe compreender e aplicar a nova lei de mandado de segurança em fidelidade a ratio de sua previsão constitucional como garantia de direitos fundamentais, ali no rol do art. 5º (inciso LXIX), que é fundante do espaço da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Com essa missão constitucional, não se pode afastar do controle jurisdicional pelo mandado de segurança nenhum ato jurídico em que esteja presente uma prerrogativa fundada em norma peculiar ao regime jurídico público ou às competências estatais.

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*Advogado-sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Advocacia

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