Euclides da Cunha: a cidade da Campanha, os amigos e o direito
Antonio Claret Maciel Santos*
Euclides, durante o tempo em que viveu na Campanha - 1894, cumprindo punição imposta pelo Exército Nacional, como não poderia deixar de ocorrer, se ambientou muito bem na sociedade local, participando de seleta comunidade de letrados, integrada por Dr. Brandão, Comendador Bernardo da Veiga, Coronel Chiquito e o Juiz de Direito João Luis Alves. Em carta a este datada de 18/6/1895 diz "a Campanha avultará sempre no meu passado como a paragem mais formosa e santa da minha existência de árabe." Em outra disse que Campanha era a "Tebaida Mineira".
Quando se transferiu para a capital de São Paulo manteve intensa correspondência com os amigos campanhenses, onde se pode verificar que as amizades ali construídas não foram superficiais, mas profundas, sinceras e perenes, missivas próprias de compadres, onde indagações sobre esposas, filhos, vizinhos, trocas de gentilezas, são frequentes, conforme atestam Walnice Nogueira Galvão e Oswaldo Galotti (Ed. EDUSP) que compilaram parte da vasta correspondência euclidiana.
Em carta datada de 23/4/1896, de São Paulo, endereçada a João Luiz Alves, notícia que já enviara ao compadre o livro Direito das Obrigações do qual fora incumbido de adquirir, assim como anunciou que o livro Direito das Famílias (sic) "atualmente não existe aqui", razão pela qual pedira ao amigo carioca Alfredo Chaves que providenciasse sua aquisição e de lá o mandasse à Campanha. Na mesma carta, após justificar a demora no atendimento da encomenda, por estar "absorvido pelo estudo da mineralogia" indaga a João Luiz Alves "quando pretende vir até cá, a fim de defender a tese como, a propósito, devo comunicar que vão abrir diversos concursos na Escola de Direito, sendo candidato a um deles o ultra-eminente Pujol", ou seja, Alfredo Pujol, jurista e político republicano (1865-1930).
Em carta datada de 27/2/1903, escrita de Lorena ao amigo Araripe Junior, jurista cearense (1848-1911), demonstra que lia artigos jurídicos nos periódicos de então, "na véspera havia lido o seu último artigo sobre os "Comentários" da nossa CF/88, do dr. João Barbalho, e, francamente, ali notei, sob um aspecto inteiramente novo, ajustado ao destino dos povos americanos, a doutrina, sem números de vezes, discutida e falseada de Monroe." Tal doutrina foi formulada pelo Presidente norteamericano James Monroe (1758-1831) e teve por bandeira a frase "a América para os americanos" com o escopo de impedir o avanço da Europa contra os países do continente americano.
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*Secretário Adjunto da Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos de SP