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O cônjuge herdeiro

Entre tantas inovações trazidas pelo Novo Código Civil, onde algumas atenderam de forma efetiva aquilo que representa o mais justo anseio da sociedade brasileira, deve ser destacado que uma delas que causa muitas controvérsias.

13/5/2008


O cônjuge herdeiro

Antonio Ivo Aidar*

Entre tantas inovações trazidas pelo novo Código Civil (clique aqui), onde algumas atenderam de forma efetiva aquilo que representa o mais justo anseio da sociedade brasileira, deve ser destacado que uma delas que causa muitas controvérsias. "In casu", trata-se daquela que altera a posição do cônjuge na vocação hereditária. Enquanto no Codex anterior, marido e a mulher eram herdeiros facultativos, no Estatuto ora em vigência desde 12 de janeiro de 2.002, o consorte foi erigido à condição de herdeiro necessário. Concorrerá ele com os descendentes, na forma daquilo que estipulam o artigo 1829 inciso I e artigo 1845. Todavia, na mesma proporção que se traveste de vanguardeiro ao tratar das relações entre pessoas casadas, o Código Civil retrocede ao normatizar os direitos dos cidadãos que convivem em União Estável. O artigo 1790, do texto legal mantém os direitos já alcançados pelos companheiros naquilo que pertine à meação dos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência. Todavia, não eleva o companheiro à condição de herdeiro necessário. Ainda que procedendo uma análise perfunctória da questão, parece-nos que o novo texto onde encontra-se consagrada esta desigualdade de direitos entre pessoas casadas e conviventes, fere o ditame constitucional, ou seja, o § 3º, do artigo 226, da nossa Carta Maior (clique aqui). A Constituição Federal de 1.988 igualou os direitos conferidos no casamento pelo regime da Comunhão Parcial de Bens, àqueles das pessoas que coabitam ou não sob o mesmo teto (vide súmula 382, do STF), em União Estável. No Novo Código o companheiro participa da sucessão nos termos do disposto pelo artigo 1790 e, não de acordo com o que dispõe o artigo 1829, situação esta que nos parece ilegal e injusta.

Com a redação inserta no Código Civil, o cônjuge sobrevivente, casado pelo regime da Comunhão Parcial de Bens, além da meação dos 50% (cinqüenta por cento) dos bens adquiridos no curso do casamento, concorrerá com seus descendentes, ou descendentes apenas do outro consorte, na condição de herdeiro necessário, herdando no mínimo ¼ ( hum quarto ) dos bens particulares do cônjuge falecido. Por exemplo:

Nos regime de Comunhão Parcial de Bens, além de receber metade dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento e ser aquinhoado com o Direito real de habitação, o cônjuge supérstite herdará na seguinte proporção, concorrendo com filhos do mesmo leito:

a – Se tiver apenas 1 (um) filho, receberá metade dos bens adquiridos onerosamente durante o matrimônio e ½ (metade) dos bens particulares. Apenas por excesso de cautela, resta asseverado tratar-se de bens particulares, aqueles que o cônjuge já os possuía

anteriormente ao casamento, ou, ingressados no seu patrimônio durante a vida conjugal, por força de herança, doação ou legado (testamento);

b – Se tiver 2 (dois) filhos, o cônjuge sobrevivente receberá metade dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento e 1/3 (hum terço) dos bens particulares;

c – Se tiver 3 (três) filhos, o cônjuge supérstite receberá metade dos bens adquiridos onerosamente no curso do matrimônio, mais ¼ (hum quarto) dos bens particulares;

d – Concorrendo com filhos do mesmo leito, o cônjuge sobrevivente sempre receberá a título de herança do cônjuge falecido, ¼ (hum quarto) dos bens particulares, ainda que tenha acima de 3 (três) filhos.

Inexistirá a condição de herdeiro necessário do cônjuge sobrevivente, quando o casamento tiver sido celebrado pelo regime da Comunhão Universal de Bens e Separação Obrigatória de Bens. Cumpre salientar constituir-se uma terrível contradição o fato das pessoas casadas no Regime da separação total de bens não serem meeiras, sendo, todavia, herdeiras uma da outra. Ora, se não pretenderam que os bens adquiridos durante o casamento fossem divididos na sua dissolução, com muito mais razão não devem pretender que este mesmo cônjuge transforme-se em seu herdeiro. Inexiste dúvidas que o legislador precisa rever esta situação, que nos parece uma verdadeira "aberratio legis".

Com efeito, se a união estável é reconhecida como uma entidade familiar, bastando para sua caracterização que haja transparência para a comunidade onde os companheiros vivam, de que são marido e mulher, os mesmos direitos e obrigações conferidos àqueles deveriam ser atribuídos aos conviventes.

No entanto, mais um erro crasso cometeu o legislador, ao decretar no Código Civil a possibilidade de, ocorrendo Separação de fato de um casal, o cônjuge que não deu causa à separação, ter direito aos bens adquiridos pelo cônjuge de quem estava separado, até 2 (dois) anos após a saída do outro cônjuge do lar comum.

Felizmente a jurisprudência pátria não agasalha a tese acima esposada pelo texto legal. Já são inúmeros os julgados que repelem a pretensão dos cônjuges que pretendam receber Meação em face de bens adquiridos onerosamente, com dinheiro ganho posteriormente à separação fática. Nossas cortes, na sua imensa maioria não confere guarida à tais pleitos, pois, entendem com muita correção, que o direito não pode premiar o enriquecimento sem causa.

Mais uma vez vamos recorrer aos exemplos para buscar deixar bastante clara a situação acima comentada. Sem justo motivo o marido separa-se de fato da mulher e, dois meses após, passa a viver em união estável com outra pessoa Já vivendo com outra mulher, ele adquire bens vindo a falecer 12 (doze) meses após a separação fática e 10 (dez) meses após o inicio da união estável. Óbvio nos parece que a sociedade legal, para fins patrimoniais estava desfeita, faltando direito à esposa, separada de fato, o direito de pleitear metade do bem adquirido quando o falecido já vivia com outra mulher. É bom deixar ressalvado que a esposa separada, somente poderá pleitear participação neste bem, se provar, muito bem aprovado, que o dinheiro utilizado para aquisição do bem, já existia anteriormente à separação de fato.

Nos termos do artigo 1821 do mesmo Código Civil, ocorreu avanços para aqueles que são casados em qualquer um dos regimes de bens vigentes. Foi conferido ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação, benefício este que, no Código Civil anterior estendia-se apenas às pessoas casadas pelo Regime da Comunhão universal de bens. Por seu turno, os conviventes encontram-se "no sereno" em face do direito de habitação que lhes era assegurado pelo § único, do artigo 7º, da Lei nº. 9.278/96 (clique aqui). O novo texto legal calou-se a respeito desta questão. Também nesse caso, emendas, súmulas e jurisprudências tratarão de fazer retomar a isonomia de direitos, entre pessoas casadas e conviventes. Data vênia, Código vigente não revogou expressamente aquilo que está estampado na lei acima noticiada. Dessa maneira, em nossa opinião, aplica-se para à questão do direito real de habitação, no caso da mantença de sociedade fática, o disposto no Artigo 2, inciso I, da Lei de Introdução ao Código Civil. Portanto, defendo a tese de que os companheiros continuam titulares do noticiado Direito real de habitação.

Na ocorrência do cônjuge sobrevivente concorrer com ambos ascendentes (genitores) do cônjuge falecido, ficará com 1/3 (um terço) dos bens particulares, sem prejuízo da sua meação. Havendo apenas 1 (um) dos genitores vivo, ou, inexistindo genitores, más, estando vivos os avós ou bisavós do cônjuge falecido, caberá àquele metade da herança. Sempre sem prejuízo de sua meação nos bens adquiridos onerosamente durante o casamento. No caso dos companheiros, concorrendo eles com ascendentes ou colaterais até o 4º grau, além da meação, terão direito a 1/3 (hum terço) dos bens adquiridos durante a união estável com o falecido. Na sociedade de fato, o companheiro sobrevivente somente concorre nos bens adquiridos onerosamente durante a união. Não cabe ao convivente que sobreviver ao outro, direito à bens particulares. Inexistindo descendentes, ascendentes e colaterais, caberá ao companheiro supérstite, a totalidade da herança. Já no caso do casamento, faltando descendente e ascendente, o cônjuge sobrevivente recebe a totalidade da herança, nada cabendo aos colaterais, salvo a existência de legado.

Embora o novo texto legal não contemple os companheiros como herdeiros necessários, acredito piamente ser apenas uma questão de tempo, o fato da jurisprudência pátria vir agasalhar tal direito. Ocorrendo este fato, restará ocorrendo apenas a recolocação dos direitos em seus devidos lugares.

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* Advogado do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais









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