Um crime hediondo seria aquele crime brutal, que causa indignação às pessoas, repugnante, horrível, sórdido, com grave repulsa social.
Portanto, todas as premissas se voltam para o crime hediondo como aquele delito grave, tanto na forma de se executar, como no sofrimento extremo da vítima ou do bem jurídico tutelado pelo tipo penal, conforme dicção de Monteiro:
“[...] No direito penal brasileiro o termo “hediondo” não havia sido empregado até que a Constituição de 1988, como vimos, no seu art. 5º, XLIII, se utilizasse da expressão “crimes hediondos”, remetendo à legislação ordinária a tarefa de defini-los. É que, apesar de a hediondez, como conduta humana, ser de fácil entendimento, não precisando de definição, no momento em que é erigida à categoria de qualificativo de um delito, por força do princípio da reserva legal, torna-se imperativo que haja uma tipificação legal. Assim é que o próprio texto constitucional, no inciso citado, diz que hediondos serão aqueles crimes definidos em lei. Nasceu assim a Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, como resposta ao mandamento constitucional” (MONTEIRO, 2015, p. 38).
Há três critérios para conceituar os delitos hediondos, o critério legal, o judicial e o misto.
Em acordo com o critério legal, crime hediondo é todo aquele que a lei definir como tal, não importando as consequências e a forma como é praticado.
Esse é o critério adotado pelo Brasil, conforme disposto no art. 5º, XLIII:
Art. 5º, XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem (BRASIL, 1988).
Tal critério distribui maior segurança jurídica a todos os cidadãos, pois não há discricionariedade judicial.
No critério judicial, determinado delito será considerado hediondo após a análise do Juiz, no caso concreto, diante das circunstâncias e consequências do crime.
Por sua vez, o critério misto sustenta que o magistrado tem liberdade para definir quando o crime é hediondo ou não, levando em conta eventuais parâmetros fornecidos pelo legislador.
Neste ínterim, o critério judicial e o misto acabam por desenvolver uma insegurança jurídica, na medida em que os cidadãos ficam ao alvedrio do Juiz da causa, podendo ou não ter sua pena majorada no delito.
No caso do Brasil, portanto, adotou-se unicamente o sistema legal, no qual cabe apenas ao Juiz verificar se o delito é ou não previsto em lei como hediondo, aplicando a lei 8.072/90:
“[...] O critério adotado pela legislação brasileira para rotular determinada conduta como hedionda é o sistema legal. De modo a saber se uma infração penal é (ou não) hedionda, incumbe ao operador tão somente ficar atento ao teor do art. 1º da Lei 8.072/90: se o delito constar do rol taxativo de crimes ali enumerados, a infração será considerada hedionda, sujeitando-se a todos os gravames inerentes a tais infrações penais, independentemente da aferição judicial de sua gravidade concreta.
Lado outro, se a infração penal praticada pelo agente não constar do art. 1º da Lei 8.072/90, jamais será possível considerá-la hedionda, ainda mais que as circunstâncias fáticas do caso concreto se revelem extremamente gravosas. Afinal, por força da ação do sistema legal, os crimes hediondos constam do rol taxativo do art. 1º da lei 8.072/90, que não pode ser ampliado com base na analogia nem por meio de interpretação extensiva” (LIMA, 2021, p. 331).
Importante asseverar, ademais que os delitos hediondos não comportam a aplicação do princípio da insignificância, eis que são delitos de máximo potencial ofensivo, tornando incompatíveis os dois institutos.
Outro aspecto importante a se considerar, seria que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIII, restringe várias benesses legais aos crimes hediondos:
“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (BRASIL, 1988)”
Verifica-se, portanto, que o constituinte originário determinou um tratamento mais rigoroso a quem praticasse tais delitos.
Portanto, veda-se a concessão de graça e anistia que, conforme o artigo 107, inciso II do Código Penal, são causas de extinção de punibilidade:
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
(...)
II - pela anistia, graça ou indulto;
A graça, também denominada indulto individual, visa beneficiar pessoa determinada por meio da extinção ou comutação da pena imposta a determinada pessoa, sendo ato privativo do Presidente da República:
“[...] Em regra, depende de provocação da parte interessada. De fato, o indulto individual poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa (LEP, art. 188).
A petição, acompanhada dos documentos que a instruírem, será entregue ao Conselho Penitenciário, para a elaboração de parecer e posterior encaminhamento ao Ministério da Justiça (LEP, art. 189).
A graça é ato privativo e discricionário do Presidente da República (CF, art. 84, XII), desde que respeitadas as vedações impostas pelo sistema constitucional, e passível de delegação aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado Geral da União (CF, 84, parágrafo único)” (MASSON, 2021, p. 779-780).
A graça atinge o cumprimento da pena, restando os efeitos penais secundários da pena, bem como os efeitos de natureza civil, conforme assevera a Súmula 631 do Superior Tribunal de Justiça: “[...] O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”.
A graça, portanto, é um instituto pessoal e a anistia se mostra como instituto geral, para todos que se enquadrem nos requisitos legais, abrangendo apenas fatos, e não pessoas. Deveras, a anistia pode ser:
“[...]
(A) Própria (quando concedida antes da condenação) ou imprópria (quando concedida depois da condenação);
(B) Irrestrita (quando atinge indistintamente a todos os criminosos) ou restrita (atinge certos criminosos, exigindo-se determinadas condições pessoais do agente para a obtenção do benefício, como por exemplo, a sua primariedade);
(C) Incondicionada (quando a lei não impõe qualquer requisito para a sua concessão) ou condicionada (quando a lei impõe algum requisito – ex.: ressarcimento do dano);
(D) Comum (incide sobre delitos comuns) e especial (aplica-se a crimes políticos)”. (CUNHA, 2020, p. 387).
Verifica-se que a anistia precisa ser efetivada por lei, há possibilidade de que seja concedida antes da condenação da sentença, além de extinguir todos os efeitos penais.
Os crimes hediondos são inafiançáveis, ou seja, a fiança é uma espécie de caução, garantia, no sentido de que o réu ou investigado comparecerá a todos os atos e termos do processo, conforme artigos:
Art. 327. A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada.
(...)
Art. 330. A fiança, que será sempre definitiva, consistirá em depósito de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar (BRASIL, 1941)
Deveras, o próprio Código de Processo Penal determinou a vedação de concessão de fiança para os crimes hediondos:
Art. 323. Não será concedida fiança: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes de racismo; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; (BRASIL, 1941)
Os acusados de crimes hediondos não poderão prestar fiança nos autos de ação penal ou inquérito, o quê não veda totalmente a liberdade provisória, sem fiança, se for cabível no caso concreto.
Por fim, interessante que não se aplica, aos crimes militares, a classificação de crime hediondo.
Os crimes militares, estão previstos no Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969).
Verifica-se que os crimes militares são os previstos no Código Penal militar e, desta forma, com o rol exaustivo previsto na Lei 8.072/90, não há como enquadrar tais delitos como hediondos:
“Portanto, hediondo será apenas a infração penal prevista no Código Penal ou nas leis especiais ali indicadas, jamais a mesma infração penal que encontra tipificação em outro diploma legal. É o que ocorre, por exemplo, com o crime de homicídio qualificado previsto no Código Penal Militar e com o crime político de matar o Presidente da República, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal (Lei 7.170/83, art. 29), que não vêm referidos nos parênteses do art. 1º, I da Lei 8.072/90, daí porque não podem ser considerados hediondos” (LIMA, 2021, p. 331).
Apenas será processado por crime hediondo perante a Justiça Militar se este for um cometido por um militar, em serviço e esta conduta estiver expressa em lei penal especial, como, por exemplo, o crime de favorecimento da prostituição praticado por militar.
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