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Situação jurídica dos contratos de plano de saúde antigos e não adaptados à lei 9656/98, diante da nova tese firmada pelo STF em regime de Repercussão Geral

Beneficiários de contratos antigos e não adaptados à lei 9656/98 não estão desamparados, eis que não há óbice a incidência do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de lei de ordem pública, que tem aplicação imediata aos contratos em curso, salvo nos casos de plano de autogestão.

13/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Dada a divergência da jurisprudência acerca da aplicabilidade da lei 9656/98 aos contratos de plano de saúde antigos e não adaptados à nova lei, o Supremo Tribunal Federal afetou a matéria ao regime de repercussão geral (tema 123)1, firmando na sessão encerrada em 19/10/20 a seguinte tese: "As disposições da lei 9.656/98, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, somente incidem sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como nos contratos que, firmados anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram por manter os planos antigos inalterados"2.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que não cabe ao Poder Legislativo ou Judiciário a alteração de contrato antigo em razão de lei superveniente à sua celebração, sob pena de colocar em risco a segurança jurídica. O entendimento tem razão de ser, eis que a nova lei amplia o rol de coberturas e sem dúvidas é mais benéfica ao beneficiário contratante, que muitas vezes não arca com prestação mensal compatível com os serviços de cobertura obrigatória incluídos pela nova lei.

Assim, em decorrência da tese firmada, processos análogos que chegam ao STF estão sendo devolvidos aos Tribunais de segunda instância para reapreciação da matéria, a fim de que seja observada a repercussão geral, diante de seu efeito vinculante. Em outras palavras, processos que já haviam sido julgados favoravelmente à tese do consumidor, podem ser agora reapreciados, sendo o resultado da demanda modificado, o que poderia deixar os beneficiários desamparados e com a obrigação de devolver valores ou prestações recebidas por força de decisão concessiva de tutela antecipada posteriormente revogada, a fim de obstar o enriquecimento sem causa do beneficiário de decisão judicial de natureza precária.

Ocorre que, ao reapreciar essas demandas, os Tribunais estão firmando o entendimento de que, em que pese não se possa entender pela aplicação em caráter retroativo da lei no. 9.656/98, não há qualquer óbice a aplicação do CDC, tendo em vista que se trata de direito fundamental protegido no art. 5, XXXII da Constituição Federal e que deve ser observado. Além disso, trata-se de contrato de trato sucessivo e a lei consumerista é lei de ordem pública que tem aplicação imediata aos contratos em curso. Nesse sentido, é o entendimento ainda, da Súmula 608 do STJ e, mesmo que parcialmente aplicável, da Súmula 100 do TJSP3.

Com efeito, tal entendimento já foi adotado anteriormente pelo STJ em julgado de Relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze (AgInt nos EDcl no REsp 1.772.480/SP, TERCEIRA TURMA, julgado em Superior Tribunal de Justiça 1º/7/19, DJe 6/8/19), no qual o Ministro afirma que "Embora a lei 9.656/98 não retroaja aos contratos celebrados antes de sua vigência, é possível aferir a abusividade de suas cláusulas à luz do Código de Defesa do Consumidor, ainda que tenham sido firmados antes mesmo de seu advento".

Observa-se, portanto, que a boa Doutrina e Jurisprudência4 já se posicionavam no sentido de que as definições de abuso de direito e todos os conceitos protetivos do consumidor, positivados na nova lei, devem ser utilizados para a interpretação dos contratos antigos, firmados antes da vigência da lei 9.656/98.

Outra questão aferida pelos Tribunais para se decidir pela eventual modificação do julgado em face do novo entendimento do STF, é a existência de prova nos autos acerca da concessão de oportunidade ao consumidor em optar pela adaptação do contrato à lei 9656/98, de acordo com o que dispõe o artigo 35 do diploma legal. Analisando a posição jurisprudencial, depreende-se que, a ausência de oportunidade de adaptação do contrato, por si só, leva ao acolhimento do pleito do beneficiário, parte hipossuficiente da relação.

Importante ressaltar ainda, que nos casos de demandas em que o beneficiário é idoso, este também é amparado pelo Estatuto do Idoso (lei 10.741/03), devendo ser o contrato interpretado a luz da referida lei, mesmo nos casos de contratos antigos e não protegidos pela lei de plano de saúde. 

Não menos importante, são os contratos que envolvem planos de saúde de autogestão, ou seja, aqueles casos em que uma organização administra, isenta de lucratividade, a assistência à saúde dos seus beneficiários. Nesta hipótese específica, não é possível a aplicação do CDC de acordo com o entendimento exarado na Súmula 608 do STJ, in verbis: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão." Nestes casos excepcionais, para justificar a manutenção de decisões favoráveis aos consumidores e que envolvem contratos antigos, as demandas podem ser analisadas sob a ótica de princípios que regem os contratos, como a boa-fé (art. 422 do CC) e a função social do contrato (art. 421 do CC), ou até mesmo podem ser julgadas improcedentes, como foi o entendimento adotado em recente julgado da lavra do Desembargador James Siano envolvendo plano de saúde de autogestão operado pela Cassi – Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil5

Conclui-se, portanto, que os beneficiários de contratos antigos de plano de saúde não estão sem proteção jurídica, eis que a não incidência da lei 9.656/98 nos contratos firmados antes de sua vigência, em razão da aplicação do novo entendimento firmado pelo STF, sob a sistemática da repercussão geral (tema 123), pode não alterar a procedência de demandas ajuizadas por consumidores, em virtude da aplicação do CDC, do Estatuto do Idoso e dos princípios contratuais pertinentes.

__________

1. A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”.  É o instituto pelo qual se reserva ao STF o julgamento de temas trazidos em recursos extraordinários que apresentem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos.

2. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RE 948.634. Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 19/10/20.

3. Recentes julgados do TJSP na mesma linha de consideração: Apelação Cível 1011047-47.2020.8.26.0003, Relator (a): Alvaro Passos, Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado, Data do Julgamento: 15/03/21; Apelação Cível 1002143-33.2015.8.26.0223; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado, Data do Julgamento: 15/03/21; Apelação Cível 1009132-37.2017.8.26.0562; Relator (a): Luiz Antonio de Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 16/03/21.

4. Apelação Cível 1104396-51.2013.8.26.0100; Relator (a): José Joaquim dos Santos; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 25ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/09/14.

5. (TJSP; Embargos de Declaração Cível 1014989-29.2016.8.26.0100; Relator (a): James Siano; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 32ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/03/21; Data de Registro: 18/03/21)

Caroline Emmerich Gomes Leal de Moura
Assessora Jurídica de desembargador no TJ/SP. Especialista em Direito da Saúde. Graduada em Direito pela FAAP. Pós-graduada em contratos pela PUC/SP. Mestre em Direito Empresarial na Universidade Nove de Julho.

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