Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei 13.709/18), que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, muito se discute sobre o cenário mensurado dos dados como um intrínseco aspecto econômico, considerado como “novo petróleo” para os negócios do ramo de tecnologia.
A todo o momento, surgem dúvidas por parte dos inovadores acerca dos limites e proteções ao uso de informações extraídas na internet, que possam contribuir para a criação de novos produtos ou formar banco de dados para estudos de mercado. O tema aqui se concentra nos casos de dados abertos com esta finalidade.
De início, deve-se entender o conceito de dados abertos, sendo o mais aceito e importado para a legislação brasileira, o conceito da Open Knowledge Foundation – OKF, que nos menciona:
“Dados são abertos quando qualquer pessoa pode livremente usá-los, reutilizá-los e redistribuí-los, estando sujeito a, no máximo, exigências que versem sobre a autoria e uso bilateral de licença”.
Algumas das principais características dos dados abertos englobam a não obrigatoriedade de identificação do interessado para acessá-los e a disponibilização em formatos não proprietários, ou seja, cujo qual nenhum indivíduo detenha controle exclusivo sobre os dados, além de serem livres de licença, logo, tais dados não estão sujeitos a regulações de direitos autorais, marcas, patentes ou segredo industrial.
Em contraponto aos dados abertos, há também os dados fechados, que possuem caráter protetivo e seguem requisitos tais como: não disponibilização na internet; formato de arquivo específico; restrições e identificação do interessado.
Quando os dados são produzidos, coletados e custodiados por autoridades públicas e disponibilizados em seus portais, com características de fácil acesso e em formato de arquivo aberto, esses dados são categorizados como abertos e governamentais, por inclusão do conceito da OFK ou por exclusão dos requisitos dos dados fechados.
Esses dados assumem caráter de aberto pelo governo pois consistem em sua finalidade o preenchimento da transparência da Administração Pública em suas atividades.
Conforme menciona em um estudo produzido pelo Tribunal de Contas da União - TCU1, o Poder Público deve abrir determinados dados motivados pela transparência na sua gestão, pelo aprimoramento dos mesmos e pela obrigatoriedade por lei.
No contexto do governo brasileiro, o art. 8 da lei 12.527/11 – Lei de Acesso à Informação – LAI, estabelece que as informações de interesse coletivo ou geral devem ser obrigatoriamente divulgadas pelos órgãos e entidades públicas em seus sítios oficiais – dados estes que devem ser encaixados no conceito da OFK, mencionado acima.
Além disso, o próprio TCU respalda o lado privado ao mencionar que também são motivos para abertura de determinados dados públicos a contribuição da sociedade com serviços inovadores ao cidadão e viabilização de novos negócios.
Esses dois últimos motivos dão abertura para a utilização de dados abertos governamentais para empresas privadas em seus negócios, legitimando a inciativa privada para contribuição em sociedade.
Já nos termos específicos da LGPD, em seu artigo 2º, inciso V e VI, afirma que a proteção de dados possui como fundamento o desenvolvimento econômico, tecnológico, e a inovação, que nos remonta ao veredito da possibilidade de novos negócios que utilizam dados abertos.
Para dados públicos, há uma mitigação na possibilidade de tratamento de dados abertos, ou seja, hipótese em que não é necessário ter o consentimento prévio do titular para se realizar o tratamento de dados em domínio público, disposto em seu artigo 7º, § 3º:
“O tratamento de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização”.
A LGPD possibilita o uso de dados públicos, no caso, dados abertos governamentais desde que o agente de tratamento de dados, no caso, a empresa que irá utilizá-los, tenha como pressuposto os conceitos de boa-fé e finalidade na mineração desses dados conforme fundamentado nos motivos apresentados pelo TCU, como exemplo.
Uma vez comprovada que a fonte utilizada para o tratamento de dados é inteiramente pública, comprova-se legal tal prática. É de essencial menção neste tema, que a LGPD traz parâmetros gerais, princípios abertos e início de uma proteção prévia por parte da empresa que irá tratá-los, independente do fato de ser catalogado como dados abertos.
Ou seja, a utilização dos dados governamentais para o uso de seu negócio leva consigo a mitigação da autorização do titular dos dados, porém não é sinônimo para que a empresa não esteja em conformidade com à LGPD em seu negócio.
Portanto, quanto à viabilidade de comercialização de dados abertos governamentais, frente aos negócios com atividades voltadas ao tratamento de dados extraídos de sites estatais, para congregá-los em banco de dados visando à finalidade da empresa, tal ação mostra-se cabível, uma vez que a própria LGPD possui como fundamento o desenvolvimento econômico, e tal prática, desde que em conformidade com as legislações e princípios pertinentes, não demonstrando qualquer ilegalidade.
A utilização de tais dados, públicos e governamentais, contribuem para a sociedade com serviços inovadores, movimentando a economia e criando a possibilidade de geração de novas tecnologias e de atuações de empresas, consequentemente a aumentando a renda e arrecadação de tributos.
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1 Cartilha do Tribunal de Contas da União – “Cinco Motivos para Abertura de Dados na Administração Pública” – 23/4/15 – Disponível clicando aqui