Imagine que você seja sócio minoritário de uma sociedade limitada e que não tenha, sequer, participação societária suficiente para tomar decisões societárias.
Diante desse cenário, imagine que seu patrimônio pessoal seja atingido em uma execução contra a empresa, em razão de atos ilícitos, desconhecidos por você e que não contaram com a sua participação, cometidos pelos seus sócios.
Saiba que essa situação pode ocorrer e por isso é necessário que você entenda como um advogado empresarial pode te ajudar.
A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Temida por muitos empresários, a desconsideração da personalidade jurídica é o fenômeno jurídico pelo qual se atinge o patrimônio pessoal dos sócios para que se evite que a pessoa jurídica seja usada de modo abusivo1. Ela possui amplitude considerável e pode ocorrer em diversos casos, seja em processos cíveis, consumeristas, trabalhistas, ambientais ou tributários.
É importante esclarecer que a personalidade jurídica atribuída às sociedades possui o condão de conferir aos sócios ou acionistas contratantes maior segurança patrimonial. Desse modo, há uma separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o da pessoa física dos sócios.
A pessoa jurídica é, então, dotada de autonomia patrimonial, que é a regra no ordenamento jurídico, conforme o disposto no art. 49-A2 do Código Civil Brasileiro. Daí, conclui-se que a desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, a responsabilização dos sócios por dívidas da empresa, deve ser exceção.
Para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica na prática, em regra, é necessária a instauração de procedimento em que os sócios apresentem defesa e provas. Esse procedimento é chamado de incidente de desconsideração da personalidade jurídica e já foi oportunamente tratado de maneira mais profunda por nós em texto publicado pela Thomson Reuters3.
Nesse sentido, é importante entender qual tipo de sócio pode ter seu patrimônio pessoal atingido, todos? Apenas os administradores? Apenas os majoritários? Este artigo visa sanar tais dúvidas, valendo-se dos entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do tema.
SOBRE QUEM PODE RECAIR A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Segundo o art. 50 do Código Civil Brasileiro, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada quando a pessoa jurídica é utilizada de forma abusiva, seja porque a empresa foi usada como meio de prejudicar credores, seja porque não houve separação do patrimônio dos sócios e da empresa.
Nesse sentido, o Código Civil de 2002 dita que a desconsideração da personalidade jurídica afeta os bens dos administradores ou dos sócios que sejam beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Isso significa dizer que a condição de sócio minoritário, por si, não afasta os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica se ele participar dos atos ou ser beneficiado, direta ou indiretamente, pelo abuso.
Nesse sentido, 0 STJ já se pronunciou sobre o tema e decidiu que o sócio minoritário pode ser afetado pela desconsideração da personalidade jurídica nos seguintes casos:
- comprovada confusão patrimonial (AgRg no AREsp 1.347.243/SP): caso em que não há separação entre o patrimônio dos sócios e o da empresa;
- explícita má-fé pela conivência com os atos fraudulentos praticados (REsp 1.250.582/MG): caso em que o sócio minoritário tem conhecimento dos atos fraudulentos e se beneficia deles.
Recentemente, o STJ confirmou essa premissa, nos seguintes termos:
A desconsideração da personalidade jurídica, em regra, deve atingir somente os sócios administradores ou que comprovadamente contribuíram para a prática dos atos caracterizadores do abuso da personalidade jurídica. (REsp 1861306/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 2/2/21, DJe 8/2/21) (Grifos nossos)
O tema já foi analisado pelo STJ em tempos pretéritos, momento em que foi confirmada a excepcionalidade da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a sócios minoritários:
(...) é possível limitar a responsabilidade de sócio minoritário, afastado das funções de gerência e administração, que comprovadamente não concorreu para o desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
(...) a responsabilização deve recair sobre o sócio administrador e gerenciador, sobretudo quando se trata de empresa modesta, como no caso, composta de apenas 2 (dois) sócios, devendo ser resguardada e limitada, assim, a responsabilidade do sócio minoritário. (AgRg no AREsp 621.926/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3.ª Turma, j. 12.5.15, DJe 20.5.15) (Grifos nossos)
Logo, a desconsideração, que já é uma medida excepcional, não deve, em regra, atingir o patrimônio de sócios minoritários e de sócios que não tenham poder de gestão, desde que não tenham participado dos atos fraudulentos ou se beneficiado deles.
Por isso, deve-se ter cautela na interpretação desses julgados, pois eles não dizem que o sócio minoritário ou o não administrador estariam imunidade quanto ao seu patrimônio pessoal.
Por isso, vale esclarecer que o STJ reafirmou a necessidade de comprovação de que o sócio minoritário ou não administrador efetivamente contribuiu no abuso ou na fraude da utilização da personalidade jurídica ou que se beneficiou dela, para que, somente assim, seja responsabilizado pessoalmente.
Portanto, os sócios minoritários e os que não são sócios administradores não podem ser responsabilizados automaticamente. Para que isso ocorra, é necessário que se demonstre de maneira efetiva que estes agiram no abuso ou na fraude.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, pode-se concluir que é possível a desconsideração da personalidade jurídica contra sócios minoritários e contra os que não exerçam poder de administração.
Para que isso aconteça, é necessário, porém, que seja demonstrado que o sócio minoritário ou sem poder de administração agiu de maneira dolosa no abuso ou na fraude cometida por meio da personalidade jurídica da sociedade ou que se beneficiou da prática ilícita.
Enfim, vale sempre lembrar que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada com cautelas e sempre em caráter excepcional, mais ainda quando se tratar de sócios que detenham minorias de quotas ou que não sejam investidos nos poderes de administração da sociedade. Por isso, reforça-se a importância do acompanhamento de um advogado empresarial na análise de cada caso.
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1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 32ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
2 Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
3 FARIA, Marina Zava de; SILVA, Weverton Ayres Fernandes da; FERNANDES, Luciano. A desconsideração da personalidade jurídica de empresas, a lesão ao patrimônio dos sócios e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ). Revista de Direito Privado. Vol. 106. Ano 21. P.287-296. São Paulo: Ed. RT, out-dez/2020. Disponível em: Clique aquiw.