Em setembro de 2016, publicamos neste Littera artigo analisando a possível concessão dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário hoje prestados pela CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro). Quatro anos e meio depois, o edital de licitação foi publicado, com o leilão previsto para 30/04/21, na B3, em São Paulo (SP).
Em 2016, descrevemos qual seria o modelo mais provável da futura concessão, o que de fato, com pequenos ajustes, veio a se confirmar. O Estado do Rio de Janeiro foi dividido em quatro áreas de prestação de serviço diferentes ("blocos"), as quais estão sendo licitadas separadamente, para concessões com 35 anos de vigência. Em cada uma das áreas, a CEDAE permanecerá fornecendo água no atacado.
Porém, ao invés de cobrar uma tarifa junto ao usuário final, a empresa estadual será remunerada pelos futuros concessionários, mediante tarifa a ser fixada em contratos de interdependência, previstos no art. 12 da Lei Nacional de Saneamento Básico, lei 11.445/07, e cuja minuta encontra-se anexa ao Edital de licitação publicado. A proposta contraria o art. 12, caput e §§, da Lei Nacional de Saneamento Básico, que determina ser obrigatório que os editais de licitação prevejam esta tarifa, a ser paga pelos usuários finais e não pelos novos concessionários.
De outro lado, este pagamento constitui um risco para os novos concessionários, uma vez que o valor da tarifa de atacado é, em geral, fixado sem critérios técnicos. Veja-se o exemplo da SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), cujas tarifas de água de atacado para prestadores municipais, frequentemente não cabe nas tarifas de público, gerando dívidas que já exigiram a entrega do serviço para a própria SABESP. Haveria o risco disso se repetir em relação aos novos concessionários no Rio de Janeiro?
Regulação
Evidente que a resposta a esta pergunta está na integridade da regulação, ou seja, na sua atuação técnica para fixar e revisar o valor das tarifas. Este exemplo deixa claro que, para entender os riscos de uma licitação em saneamento, não basta ler o edital ou a minuta de contrato, mas cumpre também conhecer quem será o regulador e os critérios que ele irá adotar, pois estes serão os responsáveis por assegurar que o contrato será de fato cumprido.
O critério de julgamento da licitação será o de “maior outorga”, de modo que vencerá a licitação quem pagar mais pelo direito de explorar os serviços – o mesmo critério utilizado recentemente na licitação de saneamento básico na Região Metropolitana de Maceió/AL. Como se verifica, a modicidade tarifária não tem sido a prioridade – caso em que teria sido adotado o critério de licitação de “menor valor da tarifa” proposto.
Porém, por outro lado, estão previstos investimentos de mais de R$ 30 bilhões, sendo R$ 12 bilhões nos primeiros cinco anos da concessão. O resultado esperado é a universalização do acesso aos serviços até o final de 2033.
Eis, em atualização, o desenho do maior projeto de saneamento básico no país, quatro anos e meio depois de nossa primeira análise. Oxalá que, finalmente, saia do papel.