A LGPD (lei Federal 14.709/18), publicada em agosto de 2018, já sofreu diversas modificações quanto ao início de sua vigência. Mesmo tendo entrado em vigor em 18 de setembro de 2020, para alguns artigos, a possibilidade de aplicação ainda não se iniciou, a saber, os relativos às sanções administrativas aplicáveis pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Para entender a evolução das tratativas relativas à lei, precisamos falar do histórico de previsões de entrada em vigência da LGPD.
Tendo ocorrido a publicação da lei em agosto de 2018, a redação inicial previa que a LGPD entraria em vigor 18 meses depois de oficialmente publicada. Neste sentido, passaria a viger em fevereiro de 2020. Pela medida provisória nº 869, de dezembro de 2018, transformada em projeto de lei e aprovada pelo Congresso Nacional em maio de 2019, sua vigência foi postergada para 24 meses após a publicação, teoricamente em agosto de 2020.
A diferenciação entre o início de validade da lei, como um todo, e dos artigos 52 a 54 dela, que prevêem as sanções administrativas aplicáveis pela ANPD, ocorreu em junho de 2020, já durante a pandemia mundial do Coronavírus. Foi a partir da lei 14.010/20, que tratava do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus, que o início da vigência das sanções administrativas foi postergado para 1º de agosto de 2021. Ou seja: definiu-se que embora tivéssemos uma lei válida, em tese, em agosto de 2020, as sanções nela previstas, que buscam garantir a adequação à lei, apenas passariam a valer um ano depois, em 01 de agosto de 2021.
No longo caminho de decisões acerca da lei, em 2020, uma medida provisória visava a prorrogação da entrada em vigor da LGPD, de agosto de 2020, para maio de 2021. Tendo tramitado na Câmara dos Deputados, o prazo foi reduzido para 31 de dezembro de 2020. Todavia, o Senado Federal rejeitou mesmo esta menor proposta de adiamento. Desta forma, depois de muitas idas e vindas relativas à vigência da lei como um todo (o que não é nosso objeto de estudo e apreciação neste artigo), a LGPD passou a “valer” em 18 de setembro de 2020, após a sanção presidencial.
O status, até o dia de hoje (19/2/21), era: lei vigente, artigos relativos às sanções administrativas (52 a 54 da LGPD), não. Devido ao incessante histórico de alterações legais da LGPD no que diz respeito ao início de seus efeitos, de forma total ou relativa a determinados dispositivos, não ousamos em momento algum dizer que os artigos relativos às sanções administrativas passariam a viger impreterivelmente em 1º de agosto de 2021. E que bom que não o fizemos.
No dia de hoje, foi proposto projeto de lei que visa o adiamento do início da vigência das sanções pecuniárias (multas - art. 52, II e II, 53 e 54 da LGPD), pelo deputado Eduardo Bismarck. Logicamente, não podemos prever se tal proposição será acatada, se outras, sugerindo novas datas, surgirão ou não, e se de fato, as sanções previstas nos arts. 52 a 54 passarão a valer, em sua totalidade, em 01 de agosto de 2021. Mas podemos analisar as razões apresentadas na justificativa do projeto de lei.
Nos cabe, em ordem de prioridade, entender as alterações propostas.
O projeto de lei busca alterar o artigo 65 da LGPD, que trata das datas de início da vigência dos dispositivos legais. Neste sentido, ele pretende manter o início da vigência das sanções para 1º de agosto de 2021, com exceção das multas previstas no diploma legal. Assim, o projeto intenta que os incisos II (multa simples) e III (multa diária) do artigo 52 da LGPD e os artigos 53 e 54, que também tratam das multas, apenas tenham o início de sua vigência em 1º de janeiro de 2022.
A justificativa do projeto se baseia no fato de que a pandemia tem prejudicado demasiadamente as empresas, e comprometido, por consequência, a adequação à lei. Assim, não seria plausível, segundo o projeto de lei, onerar ainda mais as empresas, que, já gastando no processo de adequação, ainda seriam submetidas à possibilidade de receber multas que podem chegar a 50 milhões de reais.
Ora, é realmente compreensível que seja arguida a ponderação das perdas e prejuízos causados às empresas durante a crise pandêmica do Coronavírus. Sem dúvidas, uma multa de 50 milhões de reais seria uma perda ultrajante, e possivelmente devastadora à maioria das companhias. Todavia, devemos considerar que as sanções legalmente dispostas têm a função de fazer com que as empresas se mobilizem quanto à privacidade, e implantem uma verdadeira cultura de proteção de dados pessoais. Há de se considerar, também, que o inciso I do artigo 52 da LGPD impõe um limite às multas, o qual consiste em 2% do faturamento da companhia ou de seu grupo econômico. Ou seja: apenas empresas com faturamento anual de 5 bilhões de reais poderão chegar a ser multadas em 50 milhões de reais.
Neste sentido, sendo as multas limitadas a 2% do faturamento anual, e proporcionais à magnitude das empresas, não podemos considerar um disparate a sua aplicação. Ao passo que entendemos (e vivemos) a situação delicada na qual o mundo se encontra, também percebemos o aumento das notícias acerca de vazamentos de dados pessoais, e a latente necessidade de adequação das empresas à lei.
Levando a cabo o lema nacionalmente conhecido, que diz “não deixe pra amanhã o que você pode fazer hoje”, evidenciamos que é necessário se preocupar com a privacidade agora, desde já, urgentemente. Afinal, todos, sejamos clientes ou donos de uma empresa, somos também titulares de dados pessoais, e merecemos a devida preocupação com nossa privacidade. Aguardando os próximos capítulos que hão de surgir nesta trama, continuamos com a expectativa de que a eficácia total da lei não seja postergada, e que a história da LGPD se consolide e vire cultura nacional.