Migalhas de Peso

Danos morais devem levar em conta o bem comum

Torna-se de suma importância que os aplicadores do direito interpretem a lei 14.034/20 e as alterações dela decorrentes.

4/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

A partir do momento que a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que o mundo vivia uma pandemia do novo coronavírus, a vida da população mundial sofreu incontáveis mudanças, não somente do ponto de vista sanitário,  mas também econômico e social. 

Ao longo do último ano, a pandemia tem causado grandes impactos nas relações de consumo e a crise que atingia, inicialmente, apenas determinadas áreas econômicas, em especial o transporte aéreo, agências de viagem e hotelaria, hoje tem afetado a cadeia de fornecimento e consumo de inúmeros setores da economia. 

Pela importância do transporte aéreo – que contribui com US$ 25 bilhões em valor agregado para a economia brasileira¹ e vem sendo um dos mais afetados - gerou a necessidade de cada nação buscar alternativas e respaldo legal para salvaguardar as respectivas empresas aéreas e seus clientes, evitando um colapso econômico ainda maior. 

No Brasil, não foi diferente. O Governo Federal editou, inicialmente, a MP 925/20, que possibilitava o reembolso das passagens aéreas no prazo de 12 meses, isentando os consumidores das penalidades contratuais por meio de aceitação de crédito para utilização no aludido período, contado da data do voo contratado. 

Expirado o prazo de validade da MP 925/20 e diante da necessidade de manutenção de tal “socorro” ao setor aéreo face à instabilidade decorrente dos efeitos do coronavírus que permanecem assombrando a sociedade nos dias atuais, o Governo Federal promulgou a lei 14.034/20.

A princípio, as disposições seriam aplicadas para os contratos firmados até 31/12/20, mas novamente o Governo Federal intercedeu ao promulgar a MP 1.024/20, que prorrogou as regras para reembolso de passagens aéreas canceladas até 31/10/21.

Apesar de o prazo e da forma de reembolso serem os pilares desta lei, também merecem destaque as alterações ocorridas no Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA - Lei 7.565/86 no tocante à responsabilidade civil do transportador aéreo.

O CBA estabelece que o transportar estará isento de eventual responsabilidade “se comprovar que, por motivo de caso fortuito ou de força maior, foi impossível adotar medidas necessárias, suficientes e adequadas para evitar o dano”.

O CBA elencou  hipóteses que constituem caso fortuito ou força maior e, consequentemente, restringem o pouso e/ou a decolagem, quais sejam: condições meteorológicas adversas, indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária, determinações de autoridades de aviação e decretação de pandemia ou publicação de atos de governo.

Se para alguns, as hipóteses elencadas constituiriam rol taxativo que abriria margem para eventual responsabilização das demais situações ali não tipificadas, restou claro que a lei objetivou estabelecer as situações de caso fortuito ou força maior para rechaçar o dano extrapatrimonial in re ipsa ou presumido. Isso, porque, o próprio CBA também condicionou “à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro” (art. 251-A, “caput”).

Importante salientar que os danos morais nunca foram tratados de forma consensual nem pela doutrina e nem pela jurisprudência brasileira, inclusive, nas relações de consumo envolvendo a aviação civil.

Logo, as modificações da lei 14.034/20 no CBA vão na contramão aos julgados que classificariam como fortuito interno ou responsabilidade objetiva o suposto dever de indenizar das companhias aéreas.

Certamente, as alterações mencionadas possuem o fito de reduzir drasticamente a quantidade de ações reparatórias de danos morais em face das companhias aéreas não só pela crise vivida pelo setor, mas principalmente pelo gasto elevado que a judicialização por parte dos passageiros ocasiona para toda sociedade. Ainda, o judiciário não pode ser palco a patrocinar o enriquecimento em causa, através de milhares de demandas.

Segundo o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, “as companhias aéreas gastam de R$ 700 milhões a R$ 800 milhões ao ano com a judicialização1 e, consequentemente, elevam o preço da passagem aérea no país, conforme já afirmado pelas principais companhias aéreas no Brasil .³

Torna-se de suma importância que os aplicadores do direito interpretem a lei 14.034/20 e as alterações dela decorrentes, em especial à responsabilização extrapatrimonial e suas excludentes, sempre levando em consideração o bem comum, concentrando suas preocupações no fim a que a norma se dirige para que seja evidenciada a efetividade almejada.

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1 Dados disponíveis aqui.

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Bruno Campos Robles
Advogado e sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).

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