O brasileiro é um sujeito muitíssimo criativo e, dentre tantas outras criações, esse atributo, por vezes, tem sido utilizado para "inventar direitos" ou, melhor dizendo, criar "realidades processuais" que, no final de uma peleja judicial, terminam por "inventar direitos".
Não se espante, isso é real. Isso existe. Tenho visto alguns casos assim e vou tentar explicar como funciona essa criativa engenhosidade.
O primeiro passo é identificar um segmento de fornecimento de produto e serviço de massa: bancário, fornecimento de energia, transporte aéreo, plano de saúde, dentre outros.
Escolhido o segmento de atuação, procura-se uma tese que tenha, na essência, a negativa de um fato, como, por exemplo: “o autor não foi informado sobre um determinado aspecto relevante da contratação” (queria contratar um empréstimo consignado e contratou um cartão consignado); “o autor não contratou determinado produto” (contrato de cheque especial em conta salário); ou ainda, “o fornecedor não cumpriu certa obrigação regulamentar acessória” (acomodação e/ou alimentação no caso de atraso ou cancelamento de voo).
O passo seguinte é construir um modelo de petição inicial observando alguns aspectos, como, por exemplo: 1) utilizar muita doutrina e jurisprudência para dar uma aparência de seriedade à tese criada (e aqui cabe um parêntesis: tem jurisprudência para todo lado!); 2) adotar uma retórica do "coitadinho", mais ou menos como o duelo entre Davi e Golias (isso sensibiliza o julgador, e ativa neste, inconscientemente, importante gatilho mental: e se fosse comigo?); 3) dizer que é pobre e pedir gratuidade (isso é muito, muito importante) para, no caso de insucesso, suspender, por 5 anos, o pagamento das custas e dos honorários do advogado do réu (na prática, nunca pagar essas despesas); 4) pedir ao juiz que mande o réu provar a ocorrência do fato que foi negado pelo demandante (inversão natural do ônus da prova); 5) pedir a devolução do que foi pago (em dobro, claro!), acrescido de juros e correção monetária e 6) pedir a condenação em dano moral (seja muito emotivo, lembre-se do gatilho mental: e se fosse comigo?).
Voilà! A inteligência humana preparou o ataque. E digo ataque porque a estratégia de base é ter um grande número de clientes, ingressar com o maior número de processos possíveis e esperar ganhar uma parcela desses feitos, mais ou menos como faz um pescador, que lança a sua tarrafa sobre o cardume de tainhas e consegue arrematar algumas delas.
O "pulo do gato" da engenharia do patrono dessas demandas está na "negativa do fato", pois isso naturalmente obriga o réu a provar que o fato negado aconteceu. Porém, os milhares de processos que são propostos contra esses fornecedores, aliado às limitações da inteligência artificial da linha de montagem dos escritórios por eles contratados e às rotinas e burocracias internas das empresas (e do próprio escritório contratado) terminam por favorecer, em alguns casos, um padrão de defesa inadequado e, assim, o réu acaba por não se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Eis que desse duelo judicial entre o engenho artesanal humano do patrono do autor e o engenho tecnológico do patrono do réu, surge uma "verdade ficta" e um correspondente direito, um "Direito Inventado".