Migalhas de Peso

Inviolabilidade não significa estar acima da lei: Uma análise do caso da prisão do deputado Daniel Silveira

É preciso ter muito cuidado com o senso comum, que hoje impera no Brasil entre a população em geral.

18/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O primeiro ponto a esclarecer é que a prisão do deputado não viola a Constituição Federal. Membros do Congresso podem ser presos em caso de flagrante de crime inafiançável, o que é precisamente a situação em questão - vide art. 53, § 2º da CF.

Vale acrescentar que, se congressista não pudesse ser preso, não haveria sentido na regra constitucional (prevista no mesmo dispositivo já mencionado) que determina que cabe à respectiva Casa resolver sobre a prisão do parlamentar.

Alguém poderia objetar: "Mas deputados e senadores não são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras ou votos?". Sim, são. Vide art. 53 da CF. Mas atenção: isso não significa impunidade para cometer crimes.

Vale lembrar que o texto constitucional dispõe de regra semelhante para advogados, em seu art. 133, estabelecendo que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Por óbvio, estas normas não autorizam a absurda conclusão de que deputados, senadores e advogados estariam acima da lei.

Neste sentido, remetemos ao entendimento do STF na PET 7.174 em março de 2020: "(...) a inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares. (...) O Parlamento é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação." Cabe referir, também, decisão do STF no HC 115.397 em 2017, na qual se destacou que "o mandato parlamentar não implica, por si só, imunidade".

Após a prisão em flagrante, o deputado deverá permanecer preso ou ser solto? Primeiro ponto: no caso em tela, a decisão cabe à Câmara dos Deputados (art. 53, § 2º). Segundo ponto: a prisão em flagrante não implica necessariamente na decretação de prisão preventiva, cujo cabimento e adequação precisam ser objeto de análise para o caso específico. A rigor, num primeiro momento, com base nas informações que circulam publicamente, não vislumbro nenhuma razão para que o deputado permaneça preso (isso não muda o fato de que a prisão em flagrante, a rigor, foi bem aplicada).

É preciso ter muito cuidado com o senso comum, que hoje impera no Brasil entre a população em geral, no sentido de que a prisão seria uma espécie de "consequência lógica imediata" de investigação policial ou de denúncia. Tal distorção implica na completa inversão da lógica do Direito processual penal. Ainda que seja (ou que deveria ser) uma coisa óbvia e elementar, nunca é demais lembrar: salvo exceções legais pontuais, prisão continuada é pena - a ser aplicada após condenação.

Apesar de tudo, alguns veículos de mídia e personalidades do meio político chamaram a decisão do STF de "autoritarismo", ilustrando o deputado Daniel Silveira como uma espécie de "preso político". A crítica não procede. Também não é demais observar que a opinião de quem não tem nenhuma dedicação prolongada ou familiaridade com o estudo da matéria sobre a qual emite parecer (no caso, Direito Constitucional em específico e as ciências jurídicas em geral), sobretudo quando o faz de forma solipsista e sem suporte de boas referências, a rigor representa muito mais uma projeção dos desejos, inseguranças, subjetividades, preferências, pré-juízos e pré-conceitos do opinante do que uma efetiva análise lógica do fato.

 

Henrique Abel
Mestre e Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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