Migalhas de Peso

Conjuntura dos contratos de locação no regime jurídico especial e transitório

A pandemia da COVID-19 trouxe diversas alterações na relação locador/locatário, veja o que mudou neste período conturbado.

21/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 10 de Junho de 2020, foi decretada e sancionada a lei 14.010, a qual estabelece o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (REJET). Essa lei tem como objetivo adaptar as relações jurídicas que sofreram grandes alterações no pico da Pandemia enfrentada até o momento. Essa lei é oriunda do projeto de lei 1179/20 que sofreu alterações por parte das câmaras e pelo presidente da república.

A grande inspiração do referido Projeto de lei foi a lei redigida pelo parlamento alemão, com o objetivo de atenuar os impactos que a pandemia da Covid-19 teve sob o mercado internacional.

O projeto de lei teve uma ótima recepção no cenário jurídico nacional, visto que ao estabelecer previamente as regras, o judiciário foi poupado de um grande fluxo de ações.

Alterações trazidas pela lei 14.010

Antes de adentrarmos diretamente nas alterações trazidas pelos artigos da referida lei, é necessário realizar a leitura do artigo 6º, diz em sua redação que:

“Art. 6º - As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.”

Neste artigo, temos uma clara intenção do legislador de ser conciso e direto a fim de evitar má fé. Tal artigo externa que os eventos da pandemia se caracterizam como acontecimento de força maior, mas não pode ser utilizada 12 para esquivar-se de responsabilidade contratual adquirida em momento anterior a pandemia.

Tomemos como exemplo o inquilino que deixou de pagar aluguel desde outubro de 2019, este não poderá escusar-se alegando que o inadimplemento é resultado dos efeitos da pandemia, já que os efeitos da pandemia do Corona vírus só chegaram ao Brasil em março.

Vale lembrar que a pandemia afetou todas as relações contratuais, estando estas sujeitas a verificação por meio do judiciário, com o intuito de afastar a vantagem indevida por parte de litigantes de má-fé

No Caput do artigo 7º vemos que o legislador não teve a intenção de inovar o ordenamento jurídico, mas sim de consolidar a jurisprudência dos tribunais os quais não consideram para fatos de revisão ou rescisão contratual o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário.

No entanto, o §1 fala sobre a locação predial urbana, regida pela lei 8.245, a qual, assim como o contrato consumerista excepciona a situação descrita no caput, pois, se o aluguel tornar-se muito oneroso devido a inflação repentina causada pela pandemia da Covid-19 será cabível a revisão contratual.

O §2 do artigo 7º diferente de seu antecessor, não tem grande relação com o intuito do projeto de lei visto que este tem o objetivo de alterar certas partes do direito privado temporariamente.

No capítulo subsequente, temos dois artigos que tratam diretamente da relação contratual de locação de imóvel, alterando de fato a relação de direito privado, diferente do capítulo debatido acima, que se preocupou em especificar normas que já eram consideradas pela jurisprudência e doutrina.

Primeiramente temos o artigo 9º que por meio de seu caput impedia a conceção de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59 da Lei nº 8.245, até 31 de outubro de 2020.

Tal regra teve uma ótima recepção, pois apresenta respeito às normas constitucionais que devem ser ressaltadas em todos os momentos de crise, sendo elas; o direito a vida, respeito a dignidade humana, direito à moradia, direito a segurança e direito a saúde.

No entanto, tal artigo não proíbe a o despejo em si, apenas a concessão de liminar em algumas das hipóteses previstas no artigo 59 §1 da lei de inquilinato que são: descumprimento do mútuo acordo de desocupação (I), extinção do contrato de trabalho (II), extinção do contrato de locação (V), em caso de não apresentação de nova garantia pelo locatário (VII), extinção do prazo de locação não residencial (VIII), falta de pagamento em contrato de locação desprovido de garantia (IX).

No artigo 59 §1 existem hipóteses de concessão de liminar para o despejo que não são impedidas pela lei 14.010, seja por não trazer malefício a ninguém como no caso de inquilino falecido que não deixou herdeiros, ou por trazer malefícios demasiados para o proprietário como o despejo em virtude de 15 locação para temporada ou despejo e o despejo de inquilino em virtude de realização de reparos urgentes no imóvel.

No § 1° do referido artigo temos uma pequena confusão do legislador já que segundo a redação “O disposto no caput deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020”, demonstra que as liminares pedidas em ações anteriores à pandemia poderiam ser concedidas, mesmo em meio a uma pandemia, onde haveria uma maior dificuldade por parte do locador em encontrar outro imóvel.

Já no §2 temos o mesmo problema do §1, onde há a palpável contradição da redação com o intuito da lei, onde é garantido a retomada do imóvel ou que já esteja garantido no caput como a necessidade de obras de reparação que não podem ser feitas com o locatário no imóvel.

 Um dos artigos que teve uma grande repercussão e que infelizmente não foi inserido na lei 14.010 foi o esboço original do artigo 10º da mesma lei. Tal artigo dava ao locador a possibilidade temos a possibilidade de moratória para o pagamento de alugueis vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020, nos contratos de locação de imóveis urbanos para fins residenciais.

Tal moratória não é irrestrita, sendo possível apenas para os locatários que sofreram alterações econômico-financeiras decorrente de demissão, redução de carga horária ou de remuneração, mediante comunicação motivado ao locador por qualquer ato que possa ser objeto de prova licita ( §2 e §3).

 Já no §1 do mesmo artigo temos a especificação dos termos da moratória, onde o locatário que sofreu redução da capacidade econômico financeira poderá suspender, parcial ou totalmente, o pagamento dos alugueis vencíveis, sendo que estes devem ser pagos parceladamente em momento posterior, somando-se aos alugueis vincendos o percentual de 20% dos alugueis vencidos ate sua quitação integral

Revisão contratual durante a pandemia

Como é de conhecimento público, com o início da pandemia foi sancionado decreto pela administração pública que permitia a abertura apenas do comercio essencial, afetando a todos os outros tipos de comercio, assim como trabalhadores formais e informais.

Portanto, considerando que a pandemia é considerada como um evento de força maior ou caso fortuito, visto que é uma situação que não se pode prever ou evitar, fazendo com que o uso da coisa se torne tão limitado que dificulta o cumprimento da obrigação contratual do aluguel, fato este que se encaixa no artigo 567 do CC:

‘’Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.’’

Tal fato pode gerar uma onerosidade excessiva no contrato, visto que por conta da pandemia muitos comércios viram seus rendimentos diminuírem e muitas pessoas perderam seus empregos, enquanto o aluguel continuou o mesmo. Para isto preveem os artigos 317 e 478 do CC que:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

No que tange as locações comerciais que tiveram seus rendimentos prejudicados pelo fechamento do comércio não essencial como shoppings, academias, salões de cabeleireiro, lojas e comércio em geral a possibilidade de revisão é matéria aceita nos tribunais por se tratar de “fato de príncipe”, como vemos no julgado:

“Locação comercial. Tutela de urgência. Pandemia por COVID-19. Redução do valor do aluguel em face da proibição à abertura do estabelecimento comercial. Fato do príncipe que corresponde à figura da força maior. Artigo 317 do Código Civil que autoriza nesses casos a readequação do valor da contraprestação. Redução em 50% que se mostra razoável enquanto persistir aquela proibição. Recurso provido.” (AI  2081753-47.2020.8.26.0000, Rel. Des. Arantes Theodoro, 36ª Câmara de Direito Privado, j. 6.5.20).”

 

Luiz Felipe Novo Monteiro
Acadêmico de direito da Universidade Mackenzie.

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