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A autoridade judicial da coisa julgada: Uma análise da coisa julgada sobre questão em benefício de terceiros no processo do trabalho

Em muitos países a coisa julgada está passando por um processo de ampliação da sua dimensão para abranger, não apenas o pedido principal formulado pelo autor, como também, as matérias preliminares e prejudiciais do mérito efetivamente debatidas e decididas no curso da ação originária.

8/5/2020

Introdução

No Brasil a coisa julgada sempre ficou vinculada ao pedido principal formulado pelo autor e ao que consta expressamente na parte dispositiva da sentença. Logo, todas as questões fundamentais para o conhecimento e julgamento do pedido principal não transitavam em julgado.

Contudo, em muitos países a coisa julgada está passando por um processo de ampliação da sua dimensão1 para abranger, não apenas o pedido principal formulado pelo autor, como também, as matérias preliminares e prejudiciais do mérito efetivamente debatidas e decididas no curso da ação originária, impedindo que essas mesmas questões possam voltar a ser debatidas em processo posterior.

Espanha, Portugal, Rússia e Brasil, fizeram essa ampliação por reforma legislativa. Outros países por via de exegese jurisprudencial como Estados Unidos da América. Entender como o tema está sendo tratado em outros países é importante para entender os benefícios lá obtidos e as possíveis críticas.

A coisa julgada sobre questão é a garantia da intangibilidade de todos os pontos controvertidos que já foram debatidos em ação anterior, ocorrendo a imutabilidade das questões debatidas.

Nessa nova concepção dos limites objetivos da coisa julgada abarca-se pontos necessariamente alcançados pelo arco lógico da decisão transitada em julgado. A finalidade da extensão da coisa julgada relaciona-se aos ideais de segurança jurídica, economia processual e redução da litigância.

A coisa julgada sobre questão na Espanha

A Ley de Enjuiciamiento Civil da Espanha, correspondente ao Código do Processo Civil brasileiro, determina a necessidade de concentração de toda a discussão jurídica envolvendo as partes, em única demanda. Busca, com isso, evitar a proliferação de demandas sobre mesmo objeto ou sobre mesmo fato. Tudo o que é conhecido, pode, ou poderia, ser invocado no momento do ajuizamento da ação deve ser colocado na petição inicial (art. 400.12), sem que seja admissível reservar outra reinvindicação para um processo posterior. A única exceção são fatos desconhecidos ou novos.

A exposição de motivos da Ley de Enjuiciamiento Civil esclarece, no capítulo VIII, que a ampliação da coisa julgada baseia-se em dois critérios inspiradores: por um lado, a necessidade de segurança jurídica e, por outro, a escassa justificativa de submeter os mesmos indivíduos a diferentes processos e de provocar a atividade correspondente dos órgãos jurisdicionais, quando a questão ou o objeto litigioso pode ser razoavelmente resolvido em um.

Pretendeu-se, com a ampliação da coisa julgada sobre questão no direito espanhol, abarcar questões preliminares, prejudiciais e fatos, visando simplificação do procedimento na medida do possível3.

A coisa julgada sobre questão em Portugal

O Capítulo III, do Código de Processo Civil Português, que trata dos efeitos da sentença, dispõe no art. 619, sobre a coisa julgada, lá denominada de “caso julgado”, nos seguintes termos: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”. Ou seja, a coisa julgada abrange todas as relações materiais controvertidas na demanda e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

A coisa julgada sobre questão na Rússia

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil da Federação Russa4 em 2002, a coisa julgada passou a abranger a questão principal, as questões prejudiciais, os motivos, os fatos e as relações jurídicas decididas na demanda. A regra está prevista no art. 209.2., com a seguinte redação: “Após a entrada em vigor da decisão judicial, as partes envolvidas no processo e seus sucessores legais não podem mais uma vez apresentar em tribunal as mesmas reivindicações e pelos mesmos motivos, ou contestar em outro processo civil os fatos e as relações jurídicas que o tribunal estabeleceu."5

A ressalva lógica existente no código são as obrigações de trato sucessivo, que poderão ser revistas sempre que forem alteradas as circunstâncias fáticas, cabendo, nesses casos uma nova reivindicação em substituição da anterior transitada em julgado (Art. 209.3)6.

A coisa julgada sobre questão no Brasil

Na esteira das legislações estrangeiras e visando “que cada processo tenha maior rendimento possível” como expressamente consta da exposição de motivos do CPC de 2015, “estendeu-se a autoridade da coisa julgada às questões prejudiciais7.

O Código de Processo Civil brasileiro trata da coisa julgada sobre questão no art. 503, §1º e §2º, dispondo que a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida, aplicando-se essa regra à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, mediante as condições específicas. Eis a literalidade do artigo:

Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2º A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Para que possa ocorrer coisa julgada sobre a questão é fundamental que haja de forma cumulativa os seguintes requisitos: a) a existência de contraditório prévio e efetivo sobre a matéria; b) a competência do juízo para apreciação da matéria e em razão da pessoa que será afetada pela coisa julgada; c) a ampla liberdade para produção de provas; d) a cognição sobre a questão deve ser exauriente; e) a decisão sobre a questão deve ser expressa e fundamentada; f) não pode haver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Bem vistas às coisas, este tema já era previsto8 na Justiça do Trabalho, pela interpretação do art. Art. 836, da CLT: “É vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas, excetuados os casos expressamente previstos neste Título e a ação rescisória”(...). Questões jurídicas são pontos controvertidos da demanda9, razão pela qual é uma interpretação possível concluir que os efeitos jurídicos que emanam do mencionado dispositivo de lei, abrangem as coisas julgadas sobre questão, impedindo a reapreciação do ponto, seja no mesmo processo (preclusão), seja em outra demanda (coisa julgada).

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1 Ricardo Alexandre da Silva em A Nova Dimensão da Coisa julgada, São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019.

2 Artículo 400. Preclusión de la alegación de hechos y fundamentos jurídicos.

1. Cuando lo que se pida en la demanda pueda fundarse en diferentes hechos o en distintos fundamentos o títulos jurídicos, habrán de aducirse en ella cuantos resulten conocidos o puedan invocarse al tiempo de interponerla, sin que sea admisible reservar su alegación para un proceso ulterior.

La carga de la alegación a que se refiere el párrafo anterior se entenderá sin perjuicio de las alegaciones complementarias o de hechos nuevos o de nueva noticia permitidas en esta Ley en momentos posteriores a la demanda y a la contestación.

2. De conformidad con lo dispuesto en al apartado anterior, a efectos de litispendencia y de cosa juzgada, los hechos y los fundamentos jurídicos aducidos en un litigio se considerarán los mismos que los alegados en otro juicio anterior si hubiesen podido alegarse en éste.

3 Ley 1/00, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil. Preámbulo, p.14: “La regulación de la acumulación de acciones se innova, con carácter general, mediante diversos perfeccionamientos y, en especial, con el de un tratamiento procesal preciso, hasta ahora inexistente. En cuanto a la acumulación de procesos, se aclaran los presupuestos que la hacen procedente, así como los requisitos y los óbices procesales de este instituto, simplificando el procedimiento en cuanto resulta posible.”

4 Versão em inglês do CPC Russo: Civil Procedural Code Of The Russian Federation No. 138-Fz Of November 14, 2002.

5 Civil Procedural Code Of The Russian Federation: “Article 209.2. Entry of Court Decisions into Legal Force (…) 2. After the court decision comes into legal force, the parties taking part in the case and their legal successors cannot once again present in court the same claims and on the same grounds, or to dispute in another civil procedure the facts and legal relations which the court has established”.

6 Civil Procedural Code Of The Russian Federation: “Article 209.3 Entry of Court Decisions into Legal Force (…) 3. If after the entry into legal force of the decision of the court on the grounds of which periodical payments are exacted from the defendant, the circumstances exerting an impact upon determining the size of the payments or their duration, change, each party has the right to demand that the amount and the time terms of the payments be changed, too, by instituting a new claim.

7 Código de processo civil e normas correlatas. – 7. ed. – Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2015. p313 - ISBN: 978-85-7018-611-9 1. Direito civil, legislação, Brasil. 2. Brasil. [Código de processo civil (2015)]. CDDir 342.1. in site: Clique aqui p.34

8 Algo previsto não significa necessariamente algo aplicado.

9 Sobre o tema Clito Fornaciari Jr., em A Reforma Processual Civil, p. 97: “Questões são pontos controvertidos; a controvérsia normalmente surge com a contestação, momento em que se concentra toda a defesa do réu e onde, assim, os pontos impugnados tornam-se questões." Ver também, Bruno Garcia Redondo in TEORIA GERAL DO PROCESSO E PROCESSO DE CONHECIMENTO, Revista de Processo 2015 REPRO VOL. 248: “Ponto pode ser conceituado como qualquer argumento, tese ou fundamento, levantado por alguma parte. Se o adversário não impugnar o ponto, isto é, não apresentar resistência, aquele item permanece como um mero ponto, ou seja, algo incontroverso. Quando, de modo diverso, a parte contrária controverte o ponto, ele se transforma em uma questão. Questão é, portanto, um ponto controvertido”. Ainda sobre o tema: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: Ed. RT, 1977. p. 28. Como também este tema constou no julgamento dos Embargos de Divergência no REsp 1.300.030/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJ. 08.02.19.

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Ricardo Alexandre da Silva em A Nova Dimensão da Coisa julgada, São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019.

Código de processo civil e normas correlatas. – 7. ed. – Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2015. p313 - ISBN: 978-85-7018-611-9 1. Direito civil, legislação, Brasil. 2. Brasil. [Código de processo civil (2015)]. CDDir 342.1. in site: Clique aqui p.34

Clito Fornaciari Jr., em A Reforma Processual Civil, p. 97

Bruno Garcia Redondo in TEORIA GERAL DO PROCESSO E PROCESSO DE CONHECIMENTO, Revista de Processo 2015 REPRO VOL. 248

ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: Ed. RT, 1977. p. 28.

Richardson, Eli J. "Taking Issue with Issue Preclusion: Reinventing Collateral Estoppel." Mississippi Law Journal, vol. 65, no. 1, Fall 1995, p. 41-98. HeinOnline

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MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa Julgada Sobre Questão, Inclusive Em Benefício de Terceiro. Res judicata on issue and Res judicata in benefit of non-parties. Revista de Processo, vol. 259, p. 97-116, Set / 2016. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 22.11.18

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TARUFFO, Michele; MITIDIERO, Daniel. A Justiça Civil: da Itália ao Brasil, dos setecentos à hoje. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2018.

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*Guilherme Veiga Chaves é advogado do escritório Gamborgi, Bruno e Camisão Associados Advocacia.

*Elizabeth Veiga é Procuradora do Trabalho da 6ª Região.

 

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