O recente panorama de saúde mundial, culminado com os primeiros efeitos sentidos pela disseminação do coronavírus no Brasil, fizeram com que o país passasse a adotar medidas restritivas e emergenciais para impedir maior contaminação da população brasileira.
A situação se agrava em 11/3/20, quando a OMS decreta estado de Pandemia1 e determina, a nível global, a adoção de providências para coibir o alastramento do vírus.
Após a decretação do estado emergencial, diversas ações foram perfilhadas, tais como a suspensão de voos2, expedientes em órgãos públicos3 e vários Estados decretaram situação de emergência, para fins de prevenção e controle da epidemia.
O Ministério da Saúde, desde 04.02.20, através portaria 188/204, declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavirus e criou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-nCoV) como um mecanismo nacional de gestão coordenada para a contenção emergencial dos efeitos do vírus.
Dentre suas competências, está a de planejar, coordenar e controlar as pedidas a serem empregadas durante o estado de emergência, podendo realizar a contratação temporária de profissionais, aquisição de bens e serviços necessários para atuação da ESPIN.
Contudo, diante dessa situação de emergência, o que pode ocorrer com as compras públicas no país?
Primeiramente, todos os casos envolvendo o tema coronavírus, passaram a ser tratados como prioridade. Com isso, tanto o Congresso Nacional, o Governo Federal e os Estados passaram a eliminar a burocracia e possibilitaram compras mais rápidas de medicamentos e materiais hospitalares, além de contratar profissionais da área por meio de dispensa de licitação.
Portanto, será possível realizar contratações com hospitais privados, independentemente da burocrática celebração de contratos administrativos, e de profissionais de saúde, sem acarretar a formação de vínculo empregatício com a administração pública.
Com a emergência, também é permitido que todos os setores internos da administração pública adotem procedimentos administrativos mais rápidos e menos burocráticos, adotando o formalismo moderado e a preponderância do interesse público e coletivo aos protocolos legais.
Para atendimento das necessidades coletivas e urgentes e para conter a irrupção da epidemia, a Administração Pública passa a ter competência para requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização, conforme inciso XIII do art. 15 da lei 8.080/90, que dispõe sobre promoção, proteção, recuperação da saúde, organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.
A hipótese de dispensa para estes casos encontra guarida, tanto no inciso IV do art. 24 da Lei de Licitações, quanto no inciso II art. 2º da lei 8.745/93, que seguem abaixo:
Art. 24. É dispensável a licitação: [...]
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;
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Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público: [...]
II - assistência a emergências em saúde pública
Dessa forma - e por ser mais do que necessário -, enquanto durar a situação de emergência, os Estados e o Governo Federal podem realizar compras por dispensa de licitação para os casos específicos que envolvam as emergências de saúde decorrentes da epidemia do coronavírus.
Para corroborar com tais aquisições emergenciais, na última sexta-feira (13.03.20), foi editada uma medida provisória (MP 924/20) que liberou R$ 5,099 bilhões destinados ao enfrentamento da crise de saúde pública provocada pela pandemia.
Noutro pórtico, acredita-se que a dispensa das compras públicas deve considerar não somente os bens e serviços emergenciais específicos para o combate do alastramento do coronavírus, mas sim abarcar estrategicamente o que poderá se tornar escasso com as medidas constritivas que estão sendo adotadas mundo afora.
Isso porque diversos países estão fechando as suas fronteiras5 (inicialmente aeroportos, mas pode estender a medida para portos, ferrovias etc.) para coibir o alastramento do vírus.
Atento a este cenário, o Governo deve avaliar as consequências da escassez de alguns insumos importados, que podem não chegar ao Brasil em razão do fechamento das fronteiras internacionais.
Inclusive, é de se alertar que alguns dos medicamentos de medicina humana e equipamentos hospitalares que são essenciais para o combate ao coronavírus são importados e o seu desabastecimento na rede pública pode gerar prejuízos ainda maiores à saúde pública.
Sendo assim, é relevante que haja um planejamento estratégico para que o crédito extraordinário concedido para o combate à epidemia também abarque, preventivamente, as ações/aquisições do Poder Público, de forma a evitar a escassez dos insumos oriundos de importação.
Não se pode olvidar que toda e qualquer compra pública deve ser motivada e justificada, demonstrando-se o nexo de causalidade entre a essencialidade da aquisição e a necessidade da população.
Portanto, mesmo as dispensas estratégicas expostas acima, devem ser tratadas em caráter excepcional e cabe ao gestor demonstrar, cabalmente, ser inevitável a aquisição destes bens e serviços de forma urgente e indispensável.
Por fim, e não menos importante, o bom senso tanto do gestor público quanto da população, ainda é a medida mais efetiva a ser tomada para contornar a situação de emergência. Deve o gestor público contratar o apenas o necessário e deve o cidadão procurar as unidades de saúde apenas quando necessário.
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*Anna Dantas é advogada na Favetti Sociedade de Advogados.