O problema educacional do país transcende as fronteiras das políticas públicas convencionais para se atingir a concretização de um ensino de qualidade. Visando a superação letárgica, que foi se ampliando ao longo dos anos, agora é a hora e a vez de buscar diagnósticos que possam promover a produção de um conhecimento que viceje dentro e fora das escolas e seja um fator de inclusão educacional.
Na realidade, não há uma solução mágica, aquela que num estalar de dedos faça surgir a fórmula adequada para resolver os entraves da educação, tanto a do Ensino Infantil, do Ensino Médio, como a Universitária. O certo é que o tema educação, não só no Brasil, como em qualquer outro país, sempre foi e continuará sendo o sustentáculo garantidor da vida exitosa de uma nação.
O homeschooling, novo ingrediente que surgiu no processo educacional, após muito tempo em estágio embrionário, ganha força e já serviu de palco para decisão do Supremo Tribunal Federal que, apesar de não considerá-lo inconstitucional, barrou seu ingresso no cenário educacional por ausência de legislação, frustrando as 7.500 famílias que aguardavam resposta positiva, segundo a ANED (Associação Nacional de Ensino Domiciliar)1. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro, diante do vácuo legislativo, encaminhou ofícios aos Conselhos Tutelares para que as crianças e adolescentes que optarem pelo estudo doméstico não sejam computados como casos de evasão escolar e que seus pais não incidam na prática do ilícito penal de abandono intelectual, previsto no artigo 246 do Código Penal:
Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
O Ministério Público Federal por sua vez, com carradas de razões, recomendou que seja suspensa a determinação ministerial, uma vez que nenhuma regra nova exime de responsabilidade os pais de promoverem a matrícula dos infantes2.
O imbróglio está formado.
De acordo com o núcleo balizador do tipo penal o crime irá se consumar quando os pais deixarem de prover, sem justa causa, à instrução primária de filho em idade escolar. A mesma determinação, comprovando a obrigatoriedade, vem inserida no artigo 227 da Constituição Federal, artigo 1.634, I, do Código Civil, artigo 6º da lei 9.394/96 e o artigo 55 da lei 8.069/2990, dentre outras legislações.
O tipo penal retrata e exige uma conduta omissiva, no chamado crime omissivo próprio. A justa causa, termômetro regulador da conduta, apresenta-se como elemento normativo do tipo. Assim, a título de exemplo, se há vaga e os pais não matriculam o filho, em tese, está configurado o crime.
E se, por ginástica interpretativa, os pais forem adeptos do homeschooling e diligentemente oferecerem as melhores condições de aprendizado para o filho na idade escolar, o fato de deixarem de matriculá-lo na rede regular, praticam o crime omissivo?
Neste caso não ocorre o abono da justa causa, pois referido sistema de ensino não integra o modelo adotado pelo Estado e não há qualquer legislação que possa abrigá-lo sob o manto da legalidade. Assim, pelo rigoroso princípio legalista, há incidência do ilícito penal.
Desta forma, de um lado, prepondera a obrigatoriedade do processo pela presença das circunstâncias legais e, por outro, o exame criterioso visando saber se a conduta dos pais, por si só, caracteriza o ilícito. A mens legis satisfaz-se com a efetivação da matrícula, muitas vezes sem o retorno desejado do ensino, ou com um ensino substitutivo de qualidade e que possa produzir conhecimento à criança? Ora, a finalidade da lei é justamente a de ofertar ao infante, em todas as suas fases, o conhecimento necessário e adequado para que ele possa aproveitar intensamente todo o conteúdo programado, preparando-o para o pleno exercício da cidadania e opção profissional. Neste patamar os pais não merecem qualquer reprimenda penal, vez que cumpriram com sua missão legal. E, se por ventura, for intentada ação penal, pela communis opinio doctorum, estará fadada ao insucesso.
Os romanos, em lapidar brocardo, afirmavam: Summum jus, summa injuria, no sentido de que quanto mais se buscar por uma lei que aparentemente trace o ideal de uma justiça, sem dar a ela, no entanto, o equilíbrio necessário da equidade, mais se ingressará no excesso de justiça, que se traduz em injustiça.
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*Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é mestre em Direito pela Unesp/Franca, Doutorando em Direito Constitucional pela ITE/Bauru, Coordenador do Curso de Direito da Unorp.