Sempre que o operador do Direito resolver se debruçar sobre algum tema juridicamente controverso, fatalmente irá esbarrar na questão da legalização do princípio ativo THC, referente à Cannabis sativa L., popularmente conhecida como "maconha".
Com efeito, é possível verificar a existência de uma controvérsia mundial acerca da possibilidade da venda e consumo desta espécie considerada, ao menos no Brasil, como uma droga ilícita (existem drogas que são plenamente lícitas, tais como as farmacêuticas – princípios ativos dos mais importantes remédios disponibilizados ao consumidor).
É sabido que alguns países têm regulado esta matéria de forma diversa do Brasil, gerando ainda mais combustível para debates no sentido da liberação da maconha, ao menos, para uso medicinal.
Sendo assim, verifica-se que o Uruguai autorizou, há pouco tempo, a comercialização da maconha para uso recreativo. Entretanto, a venda é controlada pelo Estado – o usuário pode adquirir, no máximo, 40 gramas semanais e somente nas farmácias.
No mesmo sentido, a Holanda autoriza a venda da maconha, porém somente em lugares restritos e em baixas quantidades. O consumo em locais públicos é vedado.
Destarte, dentre tantos exemplos a eles adiciona-se o comportamento dos Estados Unidos: como uma reação em cadeia, Estados norte-americanos passam a liberar o uso na maconha (em abril, a Flórida se tornou o 22º Estado). Contudo, não se pode olvidar que o uso autorizado é para fins terapêuticos, jamais para recreação.
Embasados em estudos que demonstram a capacidade da maconha em colaborar com alguns tratamentos, os Estados norte-americanos parecem tolerar a prática terapêutica da cannabis, permitindo que os médicos receitem a conhecida erva como forma de tratamento.
Mesmo assim, não se pode perder de vista que o consumo fora desta específica hipótese é vedado.
Desta feita, após breve análise do comportamento de alguns países em relação à maconha, cabe a indagação: e no Brasil? Com a atual legislação, é possível a permissão para uso da maconha para fins terapêuticos? E recreativos?
A lei que regula a matéria é a 11.343/06 – Lei de Drogas. Por se tratar de uma norma penal em branco (ela não define o que se entende por drogas e quais substâncias seriam assim compreendidas), verifica-se que o complemento que lhe dá total eficácia no plano penal é a Portaria 344/98 da ANVISA (por tratar-se de um complemento cuja natureza é a de ato administrativo, tem-se que estamos diante de uma norma penal em branco heterogênea).
Referida Portaria estabelece quais substâncias são definidas como drogas e possuem, portanto, proibição quanto à comercialização, prescrição, transporte etc. Evidente que a maconha faz parte deste rol. Portanto, em uma análise superficial, tem-se proibida qualquer conduta que realize o núcleo penal dos dezoito verbos descritos no artigo 33 caput da lei 11.343/06 que, se praticada, caracteriza o delito de traficância. Vale consignar que se trata de um crime de conteúdo variado ou então de ação múltipla, como também é conhecido.
Porém, o artigo 31, desse mesmo diploma legal, abre uma pequena e restrita exceção: É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais.
Ou seja, a partir do momento em que o legislador inseriu a opção "para qualquer fim", abriu possibilidade para eventuais ginásticas interpretativas. Porém, não se pode afastar do centro de gravidade delimitado pelo tipo penal. Daí que o pedido precisa ser justificado de forma convincente à autoridade judiciária comprovando a necessidade excepcional de fazer uso da maconha, para fins terapêuticos.
A Justiça brasileira concedeu, recentemente, liminar para importar medicamento derivado da cannabis sativa, que apresentou eficácia no bloqueio de convulsões de uma criança portadora de uma forma grave de epilepsia.1
É evidente, destarte, que não se defende a possibilidade de requerer autorização para plantar maconha para fim recreativo, ou mesmo para aferir lucro. Trata-se de uma hipótese restrita, específica (poder-se-ia defender uma "possibilidade com eficácia inter partes", somente atingindo quem eficientemente requereu) para justificar um tratamento que possa, ainda que em tese, ser controlado por meio da prescrição de cannabis sativa.
Por outro lado, insta consignar que a possibilidade de uso medicinal da maconha, em todo território nacional, como forma generalizada, é vedada pela Lei de Drogas, podendo o autor da conduta incorrer na prática dos crimes tipificados nos artigos 33 a 36, da referida lei.
Deste modo, apenas por intermédio de uma nova lei federal, que venha a expressamente autorizar o uso medicinal da maconha, mediante cumprimento de diversos requisitos, é que seria eficaz para permitir referido tratamento. Contudo, caso a vontade do legislador seja tornar atípica a conduta em relação à maconha, não se faz necessária uma lei federal. Basta que seja retirada a cannabis da lista de substâncias proibidas da portaria 344/98, da ANVISA.
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