Não surpreende nenhum de nós a legislação ampliar os prazos de implantação de importantes mecanismos.
Em alguns casos temos uma lei que os fixa sem considerar o tempo de maturação do mecanismo ou da sociedade que dele precisa. Não é só: alguns são complexos o suficiente para serem implantados e dependem de disponibilidades orçamentárias, além de às vezes não serem realizáveis em todos os rincões do país.
Mas as moratórias muitas vezes são dadas porque temos o hábito de deixar para a última hora.
Assistimos a isso com o Estatuto da Cidade, na fixação do prazo para a implantação dos Planos Diretores e que ao final gerou uma corrida desenfreada por sua aprovação, muitos com defeitos graves. Posteriormente às suas implantações, seguiram-se projetos e tentativas de consertar o que apenas saíra por afogadilho. Até hoje esses remendos estão sendo feitos e não tem sido fácil: várias imperfeições geraram ou negaram direitos, iniciaram processos ou mudaram os rumos dos investimentos.
Melhor fazer bem feito, claro.
O que se discute agora é a implantação de mecanismos sociais destinados à implantação dos serviços de saneamento básico – que envolvem abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, além de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.
A instituição desses mecanismos sociais significa, por óbvio, a maior participação popular. Não somente a partir da criação desses, mas também na cobrança para que existam.
Mas o primeiro passo já foi sedimentado – uma Administração Pública somente se dá como democrática se tiver participação popular.
Como dito por Jürgen Habermas, democracia é quando o destinatário da norma se sente o autor dela. De fato o é.
Atento a esse olhar crítico e social, duas alterações na área de saneamento básico foram trazidas no mês de março pelo Decreto nº 8.211 e que alterou o anterior decreto regulamentador da lei (decreto 7.217/10 e lei 11.445/07).
O primeiro é quanto ao prazo máximo para implantação dos planos de saneamento básico, elaborados pelo titular dos serviços e que visam à ampla participação das comunidades, dos movimentos e das entidades da sociedade civil, por procedimentos que incluam, no mínimo, fases de divulgação, sugestões e críticas por consulta ou audiência pública, com análise e opinião por órgão colegiado especialmente criado para o exercício do controle social.
Esse controle social e de natureza consultiva é formado pelos titulares dos serviços, órgãos governamentais relacionados ao setor, prestadores de serviços, usuários e entidades técnicas, organizações da sociedade civil e defesa do consumidor relacionados, com divulgação pela internet e por audiências públicas.
O prazo máximo de implantação era até 31/12/13 e agora é até 31/12/15. Depois desse prazo o titular dos serviços não terá acesso a recursos orçamentários da União ou de financiamentos geridos ou administrados por órgão ou entidade da Administração Pública federal, quando destinados a serviços de saneamento.
O segundo é quanto ao prazo de implantação do órgão colegiado acima referido. Se antes o prazo de criação era até 31/12/13, agora é até 31/12/14. Uma moratória de mais um ano ou será vedado o acesso a recursos federais ou aos geridos ou administrados por órgão ou entidade da União, quando destinados a serviços de saneamento básico.
Esse controle se dará pela adoção, entre outras hipóteses, dos seguintes mecanismos: debates e audiências públicas, consultas públicas, conferências das cidades ou participação de órgãos colegiados de caráter consultivo na formulação da política de saneamento básico, bem como no seu planejamento e avaliação.
Ou seja: um ano para implantação dos órgãos colegiados de controle social e dois anos para a criação dos planos de saneamento previamente discutidos. Isso também significa que o órgão colegiado criado deverá participar das discussões dos planos. Por isso os prazos não se coincidem.
O prazo anteriormente dado foi no Decreto de 2010. Não é pequeno o tempo concedido, embora seja pequena a experiência com mecanismos sociais e com produtos dessa natureza. Ficamos quase 20 anos sem qualquer regulação no setor de saneamento básico após a Constituição de 1988. Os titulares dos serviços não exerciam regulação e fiscalização sobre os prestadores, esses se autoregulavam. Desde 2007 muito se investiu em regulação e o STF demorou anos para definir quem seria o titular dos serviços para algumas situações. Agora é implantar esses mecanismos, sendo que o plano deverá ser compatível com o plano das bacias hidrográficas, será acompanhado de estudos específicos e especializados para cada assunto discutido e precisa ser revisado a cada 4 anos antes da edição do Plano Plurianual.
Não é só que seja um hábito do brasileiro de deixar para a última hora. É também um caso de complexidade e inexperiência. Mas a conclusão é uma só: seja difícil ou inovador, é preciso acelerar o passo.
Não sendo feito, somos todos sabedores que a vedação de acesso a recursos e financiamentos públicos inviabiliza por completo a implantação (mesmo que gradual e progressiva) dos serviços de saneamento básico. A infraestrutura de rede do saneamento básico é, como já se sabe, a mais cara (ou pelo menos das mais caras) que existe. Sem acesso a recursos é impossível implantar os serviços, principalmente o de esgotamento sanitário.
Se não regularizada essa questão, a universalidade desses serviços será apenas um sonho.
E, claro, estamos todos interessados em realidades.
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